10 Mai 2020
Uma petição assinada por alguns católicos conservadores, alegando que o coronavírus é um “pretexto” exagerado para privar os fiéis da missa e impor uma nova ordem mundial, tem gerado alguns problemas.
A reportagem é de National Catholic Reporter, 08-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O signatário do mais alto escalão, o cardeal Robert Sarah, chefe do escritório de liturgia do Vaticano, afirma que nunca assinou a petição. Mas o arcebispo que liderou a operação disse no dia 8 de maio que Sarah estava plenamente a bordo da proposta, e ele tem as conversas telefônicas gravadas para provar isso.
Assim, Sarah, o herói da direita católica nascido em Gana, desembarcou em outra controvérsia “disse-que-disse”, após as polêmicas em torno de um livro que ele escreveu com o Papa Emérito Bento XVI sobre o celibato sacerdotal, que provocou uma enorme tempestade no início deste ano.
O abaixo-assinado sobre o vírus, assinado principalmente por clérigos, acadêmicos e jornalistas italianos, é a mais recente iniciativa de fiéis conservadores de várias religiões para enquadrar os confinamentos da Covid-19 como um ataque à liberdade religiosa, uma ameaça à economia global e uma conspiração para separar as famílias.
Ele foi lançado no dia 7 de maio, no mesmo dia em que o governo italiano e a Conferência Episcopal Italiana chegaram a um acordo para retomar as missas a partir do dia 18 de maio, com rigorosos protocolos de segurança, após um confinamento que durou dois meses.
A petição diz que a emergência do vírus é um “pretexto” de atores não nomeados para manipular e controlar as pessoas por meio do pânico e privá-las das suas liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de culto. Ela adverte que as medidas para impor dispositivos de rastreamento de contatos, exigir vacinas e “criminalizar” o contato entre avós e netos é “um prelúdio inquietante da realização de um governo mundial fora de qualquer controle”.
Essa é o mais recente manifesto do arcebispo Carlo Maria Viganò, o ex-diplomata da Santa Sé que alcançou notoriedade com o seu “J’accuse” de 2018 de um encobrimento de alto nível no Vaticano sobre os abusos sexuais e passou a opinar – negativamente – sobre tudo, desde a política do Vaticano em relação à China até a aproximação do Papa Francisco em relação aos muçulmanos e o seu Sínodo sobre a Amazônia.
Além de Sarah e Viganò, os principais signatários incluem três outros cardeais conservadores que têm criticado o papado de Francisco, incluindo o deposto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Müller, e o arcebispo emérito de Hong Kong, o cardeal Joseph Zen.
Essa é a mais recente tempestade de fogo que tem em seu centro tanto Sarah quanto Viganò, o diplomata aposentado da Santa Sé que colocou o papado de Francisco de cabeça para baixo com suas acusações em 2018 de um encobrimento de duas décadas do ex-cardeal Theodore McCarrick.
Francisco expulsou McCarrick depois de uma investigação vaticana descobrir que ele abusava sexualmente de seminaristas e menores de idade. O Vaticano ainda não divulgou seu prometido relatório sobre as acusações de Viganò.
Enquanto isso, Sarah ganhou as manchetes em janeiro, quando lançou um livro com Bento como coautor, afirmando a necessidade de manter o celibato sacerdotal católico. Isso causou um tumulto, porque implicava que o papa emérito estava tentando influenciar o papa reinante, que, naquele momento, estava ponderando se deveria permitir padres casados na Amazônia para diminuir a falta de padres.
Assim como no abaixo-assinado não se sabe com certeza quem concordou com o quê, o secretário de Bento insistiu que o papa emérito nunca concordou em ser coautor e pediu que seu nome fosse removido das futuras edições do livro como autor.
Buscando limpar seu nome e mostrar que Bento de fato fazia parte do projeto, Sarah forneceu notas contemporâneas de suas negociações com o papa emérito.
É uma tática semelhante à que Viganò está usando agora para mostrar que Sarah, de fato, faz parte da petição sobre o vírus, apesar de suas afirmações em contrário.
Sarah tuitou no dia 7 de maio que, embora ele possa “compartilhar algumas questões ou preocupações” sobre as liberdades fundamentais levantadas pela petição, ele não a assinou, e nem deveria, dado o seu papel como autoridade vaticana.
Em uma declaração no dia 8 de maio, Viganò deixou claro que Sarah havia realmente assinado, mas disse que agiria “com profunda caridade” em relação ao cardeal e o perdoaria “pelo grave crime que cometeu contra a verdade e contra mim”.
Ele então começou a fazer uma cronologia das suas comunicações com o cardeal, dizendo que tinha o dever de emitir uma “correção fraterna” para esclarecer as coisas.
Ele citou que Sarah lhe disse no dia 4 de maio: “Dou meu consentimento para colocar meu nome, porque é uma luta que devemos travar juntos, não apenas pela Igreja Católica, mas por toda a humanidade”.
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Cardeal Sarah e Dom Viganò travam disputa em torno de abaixo-assinado sobre o coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU