08 Mai 2020
Alex Williams, professor do Departamento de Política da Universidade de East Anglia [Reino Unido] e coautor de “Inventar el futuro: Postcapitalismo y un mundo sin trabajo”, acredita que estamos chegando ao final de uma era e o coronavírus, acompanhado de tecnologias como a robotização, acelerará o fim do sistema dominante desde a revolução industrial.
Em sua ausência, a grande incógnita é se o vazio será ocupado pelo autoritarismo ou por um novo sistema democrático sustentado pelo sentimento de comunidade e interdependência que a pandemia nos recordou.
Seu livro, escrito com Nick Srnicek, em 2015, revolucionou a esquerda ao argumentar que é preciso deixar o capitalismo sucumbir aos seus próprios impulsos e, ao mesmo tempo, promover a total automação da economia, acabar com o trabalho como o conhecemos e implantar a renda básica universal e uma democracia participativa e igualitária.
O problema: o monopólio do êxito do capitalismo acabou com a capacidade das sociedades em pensar futuros alternativos. Com a chegada desta pandemia global, de repente, abre-se a possibilidade de sonhar um mundo novo.
A entrevista é de Jairo Mejía, publicada por La Vanguardia, 07-05-2020. A tradução é do Cepat.
Estamos mais próximos de um futuro distópico ou utópico, após as experiências com esta pandemia?
É difícil saber que rumo a sociedade tomará, após a pandemia de coronavírus, já que pode ser que estejamos diante da primeira onda. O que parece claro é que teremos vários anos de crise econômica e sanitária.
Neste panorama de crise, as mudanças podem avançar rapidamente em qualquer direção. A maioria dos Governos europeus respondeu com seriedade na hora de intervir. Não foi assim no Governo federal nos Estados Unidos. Seria possível dizer que essas intervenções (na economia) mostram que o capitalismo ruiu, que o setor financeiro não pode dirigir a atividade econômica com eficiência, o que é certo até certo ponto.
Os Governos assumiram o controle para apoiar a um grande número de pessoas de maneira não vista antes, como são as propostas de renda básica universal. Mas o diabo está nos detalhes e as propostas que são adotadas demonstram que se espera que o modelo tradicional de trabalho retorne. Optou-se pela regulamentação do emprego temporal e o congelamento econômico. Tentam evitar mudanças profundas e fundamentais.
Falhou conosco um sistema que é considerado o mais eficiente para regular a crise e agora estamos a caminho do abismo?
Estamos diante de uma crise gigantesca, mas o interessante é que é uma crise dentro de outra crise mais dilatada no tempo, que é a crise do neoliberalismo, que está experimentando um lento desmoronamento. E isto pode ser observado no fato de que em países como o Reino Unido até os ideólogos da direita agora comungam da ideia de que a austeridade não é aceitável, que é inaceitável política, mas também ideologicamente. Isto é algo totalmente inédito e que manifesta como as duas crises geram esta luta interna. Na realidade, o que pensam é que os auxílios de hoje sejam pagos posteriormente com a austeridade, ainda que entendam o perigo político que implica e que pode ser algo rejeitado, tanto pela esquerda como pela direita no futuro.
Agora, até vozes conservadoras pedem uma renda básica universal. Já não é uma proposta exclusiva da esquerda dar dinheiro a todos pelo mero fato de existir?
Perceberam que sem a renda básica universal, corre-se um grande perigo político. Apesar de que seria a solução mais simples e elegante aos problemas que enfrentamos, não está sendo adotada abertamente. Não obstante, com a pandemia as pessoas não podem se sustentar sozinhas, os negócios não podem funcionar, os arrendatários e hipotecados não podem pagar. Devem ser suspensos os pagamentos de aluguel e de hipotecas, além do mais, estas últimas estão garantidas pelo Estado.
Em muitos casos, o que se implementa são planos muito complexos, de difícil acesso, e são condicionais. Novamente, contam com esse componente neoliberal do “não vai viver de brisa”. Mas sabem que neste contexto de crise de identidade do neoliberalismo, caso seja implantada uma renda básica, será muito complicado retirá-la depois.
Nos Estados Unidos, não querem uma renda básica. Vimos nos últimos dias, que alguns manifestantes querem voltar a seus trabalhos, apesar de em muitos casos ser precários, mal remunerados e de que ficarão expostos ao contágio.
O caso da América é totalmente diferente da maioria do mundo desenvolvido. No Reino Unido e em outros países, também há tentativas de reabertura organizadas pela direita, mas não tiveram êxito. Na Europa, há uma grande solidariedade social em torno da manutenção da quarentena.
O que esse movimento de protesto nos Estados Unidos demonstra são, sobretudo, as patologias geradas por diferentes elementos de sua extrema direita na política econômica, conspirações e grupos de pensamento bem financiados e a Presidência de (Donald) Trump. O que demonstra é que existem pessoas dispostas a sair para protestar e defender sua própria opressão. São uma das piores dinâmicas geradas pelo capitalismo, que convertem em uma divindade desumana que dever ser apaziguada com o nosso sacrifício.
Com a crise de 2008, existe uma geração que se esqueceu de seus sonhos, assim que atingiu a idade para se emancipar. Agora, quando começava a formar famílias, vem uma nova crise. Essa geração será uma nova isca para os populismos?
Os partidos da extrema direita do futuro se alimentarão, sem dúvida, de tais tipos de pessoas e veremos um aumento desses apoios por esta situação. É a mesma geração, a millennial, e a posterior a ela que voltam a ser espremidos pela crise. Casualmente, no Reino Unido, foi no ano passado que se recuperou o nível de renda de 2008. Uma década perdida, e isto é pior ainda no sul da Europa. Se forem providos com os veículos apropriados, também será possível observar um aumento do apoio não só à direita radical, mas também à esquerda radical e populista.
Precisamos criar alternativas políticas que possam capitalizar positivamente o fato de que o capitalismo falhou conosco e não serviu para nos preparar para uma pandemia. Temos que recordar que uma pandemia não é, de modo algum, algo inesperado, é algo que iria acontecer, mas não sabíamos quando. Os países estavam totalmente sem preparação, até um ponto vergonhoso. Isto é uma prova de que esta maneira de nos organizar não funciona e, pior ainda, é um aperitivo do quanto não nos servirá para enfrentar a mudança climática, caso não mudarmos.
Há uma lição positiva que possamos extrair desta crise?
Ainda é cedo para colocar tudo o que aconteceu nesses meses de pandemia em uma forma concreta ou para que tenha um significado político. Há coisas óbvias como termos percebido que a saúde de cada um depende da saúde de todos e que é preciso investir em saúde e arrecadar impostos para isso. Mas não esqueçamos que estas oportunidades podem ser usadas para fins muito obscuros e não seria estranho ver o ressurgimento de autoritarismos, com o uso de tecnologia biométrica, por exemplo, algo que poderia ser uma tentação pelas necessidades de controle da pandemia. O importante é como assumimos o controle de nosso futuro e o orientamos na direção correta.
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“O coronavírus pode nos levar ao autoritarismo”. Entrevista com Alex Williams - Instituto Humanitas Unisinos - IHU