09 Abril 2020
Xi Jinping pode estar indo bem, pode também ter o apoio de muitas pessoas que viram que ele agiu certo na luta contra a pandemia, mas isso não afetou a hostilidade interna obstinada, que pode ser pequena, mas parece maior, porque está oculta e não pode se expressar em céu aberto.
O artigo é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim, na China. O artigo foi publicado em Settimana News, 08-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início da epidemia, no fim de janeiro e início de fevereiro, grande parte da imprensa estrangeira argumentou que o coronavírus era um momento de crise da China que provocaria uma turbulência política a ponto de derrubar o governo de Pequim.
Enquanto essa narrativa desaparecia diante da resposta maciça e efetiva do governo ao vírus, surgiu uma nova narrativa – que o líder supremo Xi Jinping está ameaçado porque muitas autoridades chinesas o culpam pelo surto da epidemia e estão prestes a preparar um golpe para derrubá-lo.
Essa é uma história recorrente. Há mais de um ano, eu escrevi:
“Certamente, há uma oposição crescente ao governo Xi Jinping. Essa oposição considera a questão de se livrar do líder máximo de acordo com as regras do sistema: se você não pode votá-lo pacificamente para tirá-lo do poder, você deve usar a força – você deve fazer um golpe e derrubá-lo. Portanto, os atentados contra a sua vida provavelmente foram reais, e a China comunista tem um histórico de tentativas de golpe. Mas eles alcançaram os seus objetivos? E como eles foram realizados?” [1].
E o único golpe de sucesso na história da República Popular foi realizado em 1976 contra a Gangue dos Quatro. Aqui “os três principais conspiradores controlavam todos os elementos cruciais: a organização do partido, o exército e a segurança pessoal das pessoas presas” [2]. Ou seja, os principais conspiradores já estavam no controle do partido e dos militares e se livraram do desafio da oposição. Essa era uma situação bem diferente da atual, em que Xi tem todas as cartas nas mãos.
Além disso, o Partido Comunista Chinês possui regras que limitam e regulamentam rigorosamente as reuniões das altas autoridades fora das ocasiões indicadas. Isso foi imposto há muito tempo por Mao, para impedir possíveis conspirações, e, até onde sabemos, a regra ainda está em vigor.
Nos últimos anos, Xi não apenas prendeu muitas pessoas, mas também desconstruiu o aparato do partido e o Exército de Libertação Popular, transferindo as pessoas para quebrar as suas correntes de lealdade. Todo mundo agora trabalha em ambientes em que não podem ter certeza do posicionamento das outras pessoas, e, portanto, todos são cautelosos em se expressar e muito mais em organizar um golpe contra Xi.
Um golpe precisa, em primeiro lugar, de uma organização secreta, eficiente e bastante pervasiva. Sem isso, um golpe se transforma em uma guerra civil, ou os golpistas são todos presos e mortos por um pelotão de tiro (ou todos morrem em um acidente de avião, como aconteceu com Lin Biao em 1971).
Como pode haver alguma organização contra Xi nessas circunstâncias?
O que algumas pessoas registram, confundindo os sinais, é que existe uma oposição generalizada e difusa a Xi entre os funcionários e suas famílias ampliadas (que, anteriormente, se beneficiavam da antiga vida pré-anticorrupção). Mas essa oposição se dispersou, sem nenhuma cola ou argamassa para segurá-la. Essa oposição de “areia” desaparece a qualquer momento e em qualquer lugar que Xi pisar no chão.
Aparentemente, essa é a situação na China.
Além disso, a impressão que se obtém na China a partir da imprensa oficial é a seguinte: houve uma epidemia. O partido pode ter sido lento e pode ter cometido erros no início, mas, graças à sua organização eficiente, respondeu com força e rapidamente colocou a situação sob controle para retomar gradualmente alguma forma de vida normal.
Em comparação, o Ocidente teve todas as vantagens e cometeu todos os erros. Subestimou a epidemia, assim como o partido fizera no início, e atrapalhou a resposta, causando, após o alerta, mais mortes em termos percentuais do que na China.
Talvez tenha havido mais mortes na China antes de Pequim ter percebido a gravidade da situação. Mas, se a doença era difícil de compreender quando chegou à Europa ou à América, imagine como era difícil de entender quando ela eclodiu. Até então, Pequim não estava perdendo.
Olhando as coisas a partir Pequim, qual sistema funcionou melhor?
Os verdadeiros vencedores desse jogo de “quem fez melhor” são a Coreia do Sul e Taiwan, que viram o perigo imediatamente e reagiram rapidamente sem limitar a liberdade democrática. Mas nenhum país tem o peso e a gravidade para desafiar a China. Então, eles parecem ser incidentes ou adaptações do modo chinês.
A pandemia ainda está longe de terminar, mas aparentemente mostra que a China é bastante rápida no seu campo e não deve ser subestimada. A China parece renascer após a doença [3], mas seu renascimento dependerá de muitas coisas, incluindo a reação ocidental à sua própria epidemia e à China.
Por outro lado, os boatos obstinados e crescentes de um golpe na China, se não nos dizem que um golpe está prestes a ocorrer em Pequim, nos dizem que muitos chineses, possivelmente aqueles que têm poder e dinheiro, odeiam Xi e gostariam que ele fosse removido. Esse é o maior risco de Xi; é um risco principalmente interno, embora alimente desconfiança e suspeita externas.
Em outras palavras, Xi pode estar indo bem, pode também ter o apoio de muitas pessoas que viram que ele agiu certo na luta contra a pandemia, mas isso não afetou a hostilidade interna obstinada, que pode ser pequena, mas parece maior, porque está oculta e não pode se expressar em céu aberto. Ou seja, a melhor receita para evitar golpes é trazer a oposição à tona e lutar contra ela em uma arena pública.
1. Veja aqui.
2. Veja aqui.
3. Veja aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Esqueçam que haverá um golpe contra Xi Jinping. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU