21 Fevereiro 2020
"O que reduziu a força do Movimento ao Socialismo - MAS, não tem sido a oposição dos partidos no congresso nacional, nem mesmo a oposição cidadã – estes, certamente, de grande importância para o desgaste que discutimos – mas sua própria falta de projeto nacional. A proposta de Evo Morales e companhia começou e terminou na formação de uma ditadura muito pessoal e na proliferação de grupos criminosos de apoio, com capacidade de decisão política", escreve o sociólogo Omar Qamasa Guzman Boutier, em artigo publicado Agencia FIDES, 18-02-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No atual processo eleitoral e em meio à reacomodação partidária, há uma constante sobrevalorização: a base eleitoral do outrora governante Movimento ao Socialismo - MAS e em particular de seu principal dirigente, Evo Morales. Na realidade trata-se de uma presença que durante largo tempo se beneficiou do peso do passado. Em um dado momento, os protestos sociais permitiram ao MAS e a seu dirigente assentarem-se na crista dos protestos, contra as políticas neoliberais implementadas por Gonzalo Sánchez de Lozada, principalmente. Por isso, convém recordar os antecedentes que deram tão alta valorização a este partido. Hoje em dia, ainda se segue a percepção de que este partido mantém a mesma força eleitoral. Em segundo lugar e à raiz do apoio político-eleitoral do qual se beneficiou, é interessante voltar à reflexão em torno das razões que explicam a força eleitoral que o MAS ainda se atribui. Somente neste marco, finalmente, será possível dimensionar a importância ou incidência que possa ter o partido de Morales, tanto internamente quanto externamente, na atual campanha eleitoral (marcada para o próximo 03 de maio).
Como adiantamos, os antecedentes do poderio eleitoral que o MAS mostrara encontram-se nos protestos sociais dos primeiros anos deste século (2000 – 2005). Recordemos que se tratou de protestos sociais organizados basicamente pelo sindicalismo rural, agrário, em todas suas versões: campesinos, mulheres campesinas, produtores de coca, colonos. Em torno a este se articulou uma vontade nacional-popular que veio em um verdadeiro âmago pré-insurrecional. Nesse período, foi claro que todos os partidos políticos, incluindo o MAS, não somente estiveram ausentes como direção política, mas tiveram que se subordinar à direção política que as organizações sindicais imprimiam. E na conversão ao se acionarem, estas, em um organismo político (o Instrumento Político pela Soberania dos Povos - IPSP) – no caso de Morales –, a prevalência dos sindicatos continuou presente em tudo a que a mobilização social interna (e não a execução das políticas governamentais) se referia.
Em grande medida a distribuição de cargos da direção sindical, das bases sociais (com a execução de obras civis destinadas à propaganda política) e a aberta corrupção dos dirigentes, foram os mecanismos pelos quais manteve essa prevalência. Como se compreende, a imagem de uma forte presença eleitoral e política do MAS teve propósitos propagandísticos e serviu a vários propósitos concatenados. Primeiro, encobrir a perda da base social deste partido; porém ainda assim, como se recorda, em muitíssimas oportunidades as bases simplesmente ignoraram suas lideranças sujeitadas pelos cargos no então governo de Morales, desnudando a perda da capacidade de mobilização. Teve também o propósito de persuadir os partidos de oposição, com respeito à (falsa) fortaleza que representaria o MAS. Em definitivo, a mobilização nacional-democrática que deu fim com a ditadura masista, ratificou o que os dirigentes deste partido pretendiam encobrir. Porém, apesar disso, em alguns organismos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, a União Europeia - UE, o relator da secretaria geral das Nações Unidas - ONU, simplesmente continuam assumindo o partido de Morales como uma das referências políticas e eleitorais desse país, prestando-lhe todo tipo de apoio para ajudar a cobrir sua evidenciada desnudez.
Ao desgaste da administração governamental corrupta e criminal são acrescentados os erros e a falta de um projeto nacional de desenvolvimento sério para o país. Na realidade, o programa de governo desse partido nada mais era do que a conjunção de propostas que no passado, partidos como o MNR ou o ex-ditador general Hugo Banzer, ADN, trataram de impulsionar. Entende-se que essas propostas correspondiam, por sua vez, a projetos nacionais, além do que alegavam representar o MAS. Por outro lado, eles também responderam a diferentes estágios de desenvolvimento do capital, global e internamente. Por esse motivo, podemos falar de anacronismos verdadeiros em várias iniciativas que o MAS promoveu e que não serviram como fachada política e menos como projetos de desenvolvimento. Existem projetos como o da fábrica de plásticos a partir de hidrocarbonetos, no momento em que o mundo inteiro começa a dar as costas ao plástico, devido ao seu efeito prejudicial ao meio ambiente. As empresas de cimento, que para fins eleitorais, demagogicamente, o governo do MAS implantou em várias capitais de departamentos, sem mencionar os trabalhos que simplesmente serviram de maquiagem, como tantos trechos da rede rodoviária principal.
O que reduziu, então, a força deste partido, não tem sido a oposição dos partidos, no congresso nacional, nem mesmo a oposição cidadã – estes, certamente, de grande importância para o desgaste que discutimos – mas sua própria falta de projeto nacional. A proposta de Morales e companhia começou e terminou na formação de uma ditadura muito pessoal e na proliferação de grupos criminosos de apoio, com capacidade de decisão política. É difícil entender esse comportamento errático sem esse componente pessoal. O próprio, mas ao mesmo tempo, fala de um grupo político fraco, sem nenhum desenvolvimento interno, atrasado em relação ao restante das organizações políticas e, portanto, sem nenhuma capacidade intencional. Qualquer projeto político que estabeleça sua força na presença de um líder é um projeto político fraco e cupular e, portanto, sem viabilidade política nacional democrática; exceto, é claro, no quadro do totalitarismo antidemocrático.
Nos efeitos de encobrir a fraqueza das massas, não se deve esquecer o peso da estrutura institucional que o país herda do governo inadequado de Morales. Um aparato estatal desinstitucionalizado, cujos principais lastros para a democracia (e de benefício direto para o MAS) são encontrados no judiciário e na promotoria. Mais além da ausência de apoio é evidente que há critérios que dão a entender que os tempos processuais e os tempos para atuação institucional frente a tantas denúncias contra o partido de Morales são administrados politicamente. É conveniente avançar nesse tema com uma hipótese de trabalho: as instituições estatais, ao longo de sua própria trajetória, tecem lógicas particulares que não correspondem necessariamente à lógica geral do Estado e menos àquela dos operadores estatais de turno (ou seja, aos partidos do governo). Essa agregação opera, como vemos, autonomamente em uma (ou várias) áreas do aparato estatal e nos remete a diferentes características do estado; dentre elas, a mais importante no plano teórico, a da independência da superestrutura em relação à estrutura econômica, por um lado e, por outro, a da agregação de sua própria lógica institucional, baseada nos interesses muito especiais dos seus administradores de momento. É certo que se pode apontar que esse é um dado impossível de ser entendido, independentemente do contexto temporal, político e institucional em que vivemos, mas a verdade é que a manifestação da administração do tempo dos processos de acordo com uma agenda política específica nos fala dessa independência e agregação.
Assim, pode-se dizer que as linhas, no que diz respeito ao design macro do rearranjo dos partidos políticos, já estão desenhadas. As primeiras ações pré-eleitorais do MAS nos libertam da necessidade de aprofundar a análise. As candidaturas ao parlamento de Morales, Salvatierra e outros são uma ofensa não tanto para o país, mas para os adeptos deste partido. A mensagem é clara; não importa respeito ao eleitorado e menos ainda aos próprios eleitores, porque a imposição desses candidatos responde, claramente, a cálculos políticos pessoais e não tem nada a ver com um projeto de renovação partidária e menos com um projeto democrático, de fortalecimento da institucionalidade do país. A fraqueza deste partido se estende até o presente e não tem por que não deixar sua marca nas próximas eleições, em termos do declínio da sua base eleitoral.
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Bolívia. MAS: da fortaleza à fraqueza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU