31 Janeiro 2020
Dias após um encontro secreto em Portugal com mais de 100 bispos do mundo todo, o grupo anti-Francisco intensificou os seus ataques contra a visão do Papa Francisco lançando um livro pró-livre mercado em Madri.
A reportagem é de Cameron Doody, publicada por Novena, 29-01-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
De 22 a 25 de janeiro, o ultraconservador e libertário Instituto Acton reuniu 110 prelados de 42 países em um luxuoso hotel de Sintra, na grande Lisboa, para uma trama anti-Francisco sob a desculpa de “estudos, debates e trocas de experiência” a respeito dos “desequilíbrios socioeconômicos e demográficos do mundo e do papel da religião na construção da justiça social”, como disse um dos participantes.
Dois dias depois, em 27 de janeiro, o fundador e presidente do Instituto Acton, o padre Robert Sirico, aparece em Madri para o relançamento da edição espanhola de seu livro “Defending the Free Market: The Moral Case for a Free Economy” (Em defesa do livre mercado: O caso moral para uma economia livre, em tradução livre).
Segundo um comunicado à imprensa emitido pelo grupo de reflexão (think tank) Civismo, que sediou a apresentação do livro, Sirico fez questão de ir a Madri porque esta cidade baseia o seu livre mercado “em fundações morais adequadas e coerentes”.
O padre também destacou a “capacidade das pessoas de assumirem as rédeas da própria vida, o que as permite ter sucesso econômico e espiritual”.
“O livre mercado em uma sociedade livre leva ao florescimento do ser humano”, Sirico teria dito no evento.
O fundador e presidente do Instituto Acton sustentou que o livre mercado é produtivo, portanto, o motor da prosperidade, ao gerar emprego, oferecer bens e serviços a preços mais baixos – desse modo elevando o padrão de vida – e ao fomentar a riqueza residual.
“A sociedade livre é uma ajuda, não um obstáculo, à justiça social”, alegou Sirico.
Mas esta justiça social, segundo o padre, não consiste em “assistência social impessoal, mas sim que as pessoas cumpram suas responsabilidades de justiça com o próximo, enquanto o Estado desempenha um papel subsidiário”.
Segundo Sirico, esta “justiça social” do livre mercado deve ter como pré-requisito não só a liberdade pessoal como também o critério objetivo com respeito ao bem e ao mal.
“Pessoas virtuosas verão o mercado como um meio, não como um fim; a formação moral delas influenciará suas escolhas econômicas e as instituições que construirão”, explicou o padre.
Deixada à própria sorte, uma sociedade livre construirá instituições que “garantem que as pessoas tenham os meios suficientes para levar uma vida decente”, continuou Sirico, e na qual a Igreja Católica pode contribuir com os seus princípios de liberdade, solidariedade e opção preferencial pelos pobres.
“O livre mercado não é a doutrina oficial da Igreja em assuntos econômicos”, admitiu Sirico, apenas porque a Igreja “não quer promover nenhuma doutrina econômica em particular”.
“Por sua vez, o livre mercado, bem entendido, é coerente com o ensino da Igreja”, concluiu Sirico.
O que, então, há de errado nisso tudo?
Em primeiro lugar, vale lembrar que Sirico já acusou o papa de estar sendo “imprudente” em seu pensamento econômico.
Isso ficou claro em 2015, por ocasião da publicação de Laudato Si’, quando Sirico escreve que este documento “traz um importante desafio aos defensores do livre mercado, aqueles dentre nós que acreditam que o capitalismo é uma força poderosa para o cuidado da terra e para o alívio dos que vivem na pobreza”.
Sirico também já acusou Francisco de ter “um preconceito declarado contra os livres mercados, com suas sugestões de que a pobreza resulta de uma economia globalizada”, quando na verdade, segundo o fundador e presidente do Acton, “o capitalismo levou à maior redução da pobreza global na história mundial”.
Demasiadamente, Laudato Si’ dá razão à agenda secular, por exemplo, ao denegrir os combustíveis fósseis”, disse Sirico.
Esta crítica de Sirico à encíclica de Francisco contou com o apoio de um membro do Instituto Acton e anti-Francisco declarado, Samuel Gregg, que escreveu que Laudato Si’, embora “bem-intencionada”, é “profundamente falha”, estando repleta de problemas conceituais e afirmações empíricas questionáveis” sobre a vida econômica contemporânea.
Mas o mais importante a se destacar é: Será coincidência que este encontro dos bispos sobre economia em Portugal e o lançamento do livro de Sirico em Madri – bem como outras manobras anti-Francisco – aconteçam a apenas dois meses antes do evento “Economia de Francisco: Os jovens, um pacto, o futuro”, que o papa convocou em Assis com o objetivo de construir uma economia mais “justa, sustentável e inclusiva”, com “ninguém deixado para trás”?
Na carta em que apresenta a iniciativa “Economia de Francisco”, Francisco deixou claro que ele busca “um tipo diferente de economia” em relação ao capitalismo libertário: “economia diferente, que faz viver, e não mata, inclui, e não exclui, humaniza, e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta”.
“Certamente existe a necessidade de ‘reanimar’ a economia!”, exclamou o papa, acrescentando: “É preciso corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, e equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das gerações vindouras”.
“Infelizmente, ainda não foi ouvido o apelo a tomar consciência acerca da gravidade dos problemas e sobretudo a pôr em prática um modelo econômico novo, fruto de uma cultura da comunhão, baseado na fraternidade e na equidade”, lamentou Francisco.
Muitas foram as vezes que Francisco condenou a “economia que mata” e muitos foram os seus nãos à “economia da exclusão”, à “nova idolatria do dinheiro” a um “dinheiro que governa em vez de servir” e à “desigualdade social que gera violência”, como escrito em sua exortação apostólica de 2013, Evangelii Gaudium.
“Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias [do gotejamento] que pressupõem que todo o crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo”, observou Francisco na exortação.
“Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar”.
Sirico e seus pares episcopais e econômicos anti-Francisco deveriam meditar sobre estas palavras papais e, nesse meio tempo, dar espaço para que o evento “Economia de Francisco” explore “novas formas de compreender a economia e o progresso, combater a cultura do desperdício, dar voz a quem não tem nenhuma e propor novos estilos de vida”, como deseja o Papa.
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Grupo anti-Francisco intensifica ataque contra a visão econômica do papa lançando livro pró-livre mercado em Madri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU