15 Janeiro 2020
O nome do Papa Emérito Bento XVI foi removido como coautor de um polêmico livro a ser lançado em breve no qual se defende a prática católica do celibato clerical após versões contrastantes surgirem quanto ao envolvimento do ex-pontífice na preparação da obra.
A remoção, confirmada em um tuíte de 14 de janeiro pelo Cardeal Robert Sarah, autor do livro, ocorre depois de uma estranha e dramática disputa pública entre Sarah e Dom Georg Gänswein, secretário pessoal de Bento.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-01-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Na verdade, o anúncio da mudança na autoria do livro veio somente 90 minutos depois que Sarah havia tuitado uma nota defendendo a escolha de listar Bento como coautor. Nela, o religioso afirmou que o ex-papa tinha revisado o manuscrito do volume, o projeto de capa e também consultado a data da publicação.
Sarah, chefe do dicastério litúrgico do Vaticano, chegou a citar uma comunicação, de 25 de novembro, com Bento em que este dizia: “De minha parte, o texto pode ser publicado da forma prevista por você”.
Dentro de uma hora, Gänswein teria dito a agências noticiosas da Itália e de língua alemã que Bento XVI achou que estava preparando um ensaio para o volume e que não pretendia ser listado como coautor.
“Ele nunca aprovou nenhum projeto de coautoria de um livro, e nunca viu nem autorizou a capa”, disse Gänswein à agência Ansa, da Itália.
Capa do livro de Bento XVI e Robert Sarah em defesa
do celibato sacerdotal. Publicação original em francês.
Foto: Divulgação
O livro, a ser lançado na França em 15 de janeiro, carrega o título Des profondeurs de nos cœurs (“Das profundezas dos nossos corações” [em tradução livre]). O volume, em que o autor defende o celibato clerical em termos bem claros, ocorre no momento em que o Papa Francisco está considerando a possibilidade de permitir que homens casados sejam ordenados como padres na região amazônica.
O anúncio do envolvimento de Bento XVI provocou uma onda de reações entre teólogos, preocupados com o impacto de um ex-papa a interferir em assunto sob consideração ativa do pontífice reinante.
A capa original listava os dois autores como “Bento XVI” e “Robert Cardeal Sarah” e destacava fotos de ambos. O texto inclui um ensaio de cada um, além de uma introdução e uma conclusão, partes que originalmente teriam sido escritas em conjunto. Gänswein agora diz que Bento apenas escreveu um ensaio e não esteve envolvido nos demais textos.
Até mesmo para os padrões vaticanos, onde o desencontro de ideias entre autoridades religiosas nos corredores é a norma, a presente disputa entre Sarah e Gänswein acabou superando o que normalmente se espera, sendo particularmente dramática.
Capa do livro de Bento XVI e Robert Sarah em defesa
do celibato sacerdotal. Publicação em inglês.
Foto: Ignatius Press | CNS
As idas e vindas ocorridas na noite de 13 de janeiro, quando vários meios de comunicação de língua espanhola publicaram reportagens segundo as quais uma fonte “muito próxima” a Bento XVI, e que não quis se identificar (presumivelmente Gänswein), tinha negado que o ex-pontífice sabia que Sarah estava trabalhando em um livro.
Pouco depois da publicação das reportagens, Sarah foi ao Twitter e compartilhou fotos das três cartas que recebera de Bento em setembro e outubro como planos para o livro que, então, tomava forma.
Em seu primeiro tuíte na manhã de 14 de janeiro, Sarah falou que poderia “solenemente afirmar” que Bento quis fazer parte do livro e que revisou as correções tendo em vista a produção do texto final.
Em nota postada três horas depois, em que relatou ter revisado o manuscrito com Bento, o cardeal considerou “profundamente desprezível” a criação desta polêmica em torno do assunto, mas disse que perdoava aqueles que o “caluniaram”.
Dado que a retirada do nome de Bento XVI como um dos autores do novo volume não resolve a disputa entre Sarah e Gänswein em torno da extensão do envolvimento do ex-papa, uns estão propondo que o próprio Bento XVI venha a explicar quais eram as suas intenções originais.
“Será que Joseph Ratzinger falará por si mesmo, sem o filtro de algum assessor?”, perguntou Massimo Faggioli, historiador e teólogo católico da Universidade Villanova, empregando o nome de batismo do religioso alemão.
Outros levantaram dúvidas em conversas com o sítio eletrônico National Catholic Reporter a respeito do papel de um futuro papa emérito.
Christopher Bellitto, historiador que tem escrito sobre os séculos dos papas, sugeriu que, a certa altura, Francisco crie uma comissão de leigos e especialistas clericais para estabelecer diretrizes voltadas aos casos em que um papa decide renunciar.
“As diretrizes devem incluir especialmente como e quando o ex-papa irá se comunicar com o mundo exterior, incluindo uma declaração daquilo que deveria ser óbvio: como ex-papa, as suas palavras e ações não contam com uma autoridade maior do que aquela de um bispo em comunhão com o papa reinante”, disse Bellitto, professor de história da Universidade Kean, em Nova Jersey.
“Um ex-papa não deve publicar com o título que ele não mais carrega”, disse o historiador. “Aquele título e seu nome emprestam à sua escrita uma autoridade que não deveria se representar como possuindo. Em outras palavras, é impreciso”.
Natalia Imperatori-Lee, teóloga da Manhattan College, afirmou que esta saga em torno do livro sobre o celibato “mostra que os próprios cardeais ainda estão aprendendo a trabalhar com o ofício do ‘papa emérito’”.
“Talvez o próximo conclave possa definir restrições e normas para este papel”, sugeriu ela.
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Bento XVI tira seu nome de livro sobre celibato após disputa quanto à coautoria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU