09 Janeiro 2020
A gestão do abuso sexual de menores é marcada por realidades culturais. A dimensão crucial da prevenção não é apenas legal, mas também espiritual, moral e pastoral.
A reportagem é de Lucie Sarr, publicada por La Croix International, 08-01-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O padre Moïse Adeniran Adékambi faz parte da Diocese de Porto-Novo, no Benin. Também é ex-diretor do Centro Bíblico para a África e Madagascar (Cebam), secretário-geral da Associação Pan-Africana de Exegetas Católicos e vigário-geral da Diocese de Gaspé, no Canadá.
Em entrevista ao La Croix Africa, ele fala sobre o abuso sexual e a sua gestão pela Igreja africana.
O que achou do motu proprio Vos estis lux mundi (Vós sois a luz do mundo), publicado pelo Papa Francisco, que trata do abuso sexual de menores e de pessoas vulneráveis?
O abuso sexual de menores e de pessoas vulneráveis e a sua gestão são marcados por realidades culturais. Penso, por exemplo, no sistema legislativo e jurídico na África. No Ocidente, o ser humano tornou-se um homo juridicus, um homem legal, o que se reflete em todos os tipos de relações interpessoais: entre pais e filhos, entre maridos e esposas, entre homens e mulheres, entre superiores e subordinados, entre adultos e crianças etc. Todos são verdadeiramente sujeitos de direitos e deveres. Nas culturas africanas, sejam tradicionais ou modernas, ainda não é assim. E não creio que a Igreja possa fazer muita diferença. O que falta é implementação. E acho que a implementação não ocorrerá na nossa cultura jurídica atualmente.
As culturas africanas não oferecem mecanismos para combater o abuso sexual de menores?
O abuso sexual de menores e de pessoas vulneráveis é um dos crimes que toda sociedade humana experimenta. Nas nossas sociedades africanas tradicionais e modernas, há homens e mulheres sexualmente pervertidos. Nas sociedades tradicionais, havia casos de abuso sexual de menores do sexo oposto por homens adultos. Posso lhe dizer que esses casos foram punidos. A cultura e a sociedade não toleram isso.
O Papa Francisco visa a proteger os menores e a evitar o abuso sexual. Agora, que essa proteção e prevenção sejam alcançadas por meio de relatos, é uma questão completamente diferente. Para pessoas e culturas acostumadas à dimensão jurídica das relações interpessoais, a diferença entre relatar e denunciar não é fácil. Como será em um contexto cultural como o nosso? Eu não sei. Estou absolutamente certo de que isso exigirá uma revolução nas mentalidades e sei que essa revolução não ocorre em um piscar de olhos, com uma decisão ou em uma geração.
Existe omissão em relação ao abuso sexual de menores ou de pessoas vulneráveis na África?
As nossas sociedades africanas tradicionais e modernas também têm casos de abuso sexual de menores. É um fato universal. No entanto, o que estamos experimentando na Igreja hoje tem ocorrido principalmente na Europa. Na África, são raros os casos conhecidos. Pode-se dizer que isso ocorre porque não existem dados estatísticos e de pesquisa. Pode-se até dizer que isso se deve a razões culturais, por causa de uma cultura patriarcal como a do Ocidente de ontem e da África de hoje, que impede que as vítimas se pronunciem, muito menos que denunciem os perpetradores.
No entanto, se existe uma razão cultural para essa crise, certamente não se trata apenas da concepção cultural da autoridade, tanto na sociedade quanto na Igreja. Estou convencido de que há também uma crise nos valores promovidos pela cultura moderna. Eu não gostaria de me aventurar nesse assunto, com certeza. No entanto, se tivesse tempo, eu pesquisaria possíveis ligações entre o abuso de menores e a revolução cultural, com suas consequências para a nova sociedade ocidental e até africana. Essa revolução, não devemos esquecer, assumiu uma forma de revolução sexual. Eu gostaria de concluir enfatizando a dimensão crucial da prevenção. Não é apenas legal. É também espiritual, moral e pastoral.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Abusos sexuais: “Há uma crise nos valores promovidos pela cultura moderna” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU