06 Dezembro 2019
Estudante apresentou documentário como conclusão do curso de jornalismo em Recife. Trabalho conta massacre e escravidão dos indígenas.
A reportagem é de Tácita Martins, publicada por G1, 04-12-2019.
Povo Nawa foi perseguido e escravizado na época do boom da borracha no Acre (Foto: Tarisson Nawa/Arquivo pessoal)
Por cerca de 100 anos, o povo Nawa foi considerado extinto nas terras que ocupavam no Vale do Juruá. Tirados de suas malocas pelo donos de seringais na época do boom da borracha no Acre, eles foram escravizados e mortos ao terem contato com os chamados coronéis e patrões, donos dos seringais.
Só anos depois, foram reconhecidos os sobreviventes do povo Nawa. E foi essa história que motivou o estudante Tarisson Nawa, de 23 anos, a produzir o documentário “Memórias Nawa: das malocas ao contexto urbano”, de pouco mais de meia hora, para concluir sua formação em comunicação social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O mesmo projeto agora vai ser aprofundado em uma curso de mestrado no Rio de Janeiro. A ligação do estudante com o assunto é mais do que científica, mas sim de ligação com suas origens e identidade.
“O povo Nawa foi considerado, por mais de 100 anos, um povo extinto. A história do povo de forma documental tinha a proposta de incluir os Nawas dentro da historiografia tradicional que os indígenas são compreendidos no estado. Então, escutei relatos de história oral dos mais velhos do meu povo, das minhas lideranças, sobre os períodos, desde o início das malocas, correrias e cativeiros”, conta.
Com a chegada dos seringalistas na região, os índios eram caçados e obrigados a trabalharem na extração da borracha na região. Este primeiro contato foi a ruptura inicial desse povo com relação à sua identidade.
“A intenção era justamente ouvir esses relatos para compreender como os indígenas, meus parentes, chegaram até a cidade. Pensando que o povo Nawa, a grande maioria vive em bairros de Mâncio Lima, que foi a cidade onde nasci”, explica.
Tarisson Nawa, registrado como José Tarisson Costa da Silva, decidiu fazer jornalismo na UFPE. Ao chegar próximo do final do curso, esteve na cidade onde nasceu, em Mâncio Lima, no interior do Acre, e teve contato com a sua etnia.
Despretensiosamente, começou a gravar os relatos dos mais velhos sobre a exploração do povo Nawa. Tempos depois, resolveu se aprofundar no assunto e fazer um trabalho de conclusão de curso sobre o tema.
“Minha família saiu do território por perseguição e por violência dentro da região onde meus parentes se deslocavam quando a seringa ainda era muito usada, era o meio de saída de sobrevivência. Meus parentes viviam essa relação com os donos de seringais e por mudanças muito intensas na região para tentar dar conta do sistema, que era essa relação que estabeleciam com os donos de seringais”, conta.
Indígenas eram obrigados a trabalhar com extração de borracha (Foto: Reprodução)
Os períodos são conhecidos, dentro da cultura Nawa, como malocas, correria e cativeiro. Todo esse processo explica como os indígenas saíram das aldeias para ocupar espaços urbanos.
“O processo de correria da nossa região é um processo de invasão com a chegada dos chamados seringalistas, os patrões da borracha. Nós estávamos em um processo brasileiro e mundial de novas descobertas. E é uma época que vai acontecer o período da borracha. É um processo também de colonização, é um processo de correria, mas também de contato. Correria porque você corria dentro da mata e, dentro desse processo de correria, é onde vai começar a acontecer a ruptura das relações sociais indígenas, porque uma das primeiras atitudes tomadas pelos não índios, pelos capangas, era assassinar o chefe”, explica Jósimo Constant, sociólogo e antropólogo Puyanawa, durante o documentário apresentado.
Povo era caçado pelos capangas e obrigados a trabalhar com extração de borracha (Foto: Tarisson Nawa/Arquivo pessoal)
Na época, os indígenas tinham duas saídas: se submeter aos patrões da borracha ou fugir, mas, correndo o risco de serem mortos durante a fuga.
Só depois de muitos anos, foi constatado uma sobrevivente, Mariana, tataravó de Lucila Costa, que hoje tem 48 anos e se tornou uma liderança do povo Nawa.
“Constataram que uma índia tinha sobrevivido, porque a gente era identificado como seringueiros, chamavam a gente de caboclo. Quando foram chegando os coronéis da seringa, eles matavam muitos indígenas”, relembra.
E foram os descendentes de Mariana, a última índia Nawa, que migraram para diversos seringais na região do rio Moa. Lucila lembra que no centenário de Cruzeiro do Sul, conhecida como a terra dos Náuas, que os indígenas protestaram enquanto toda a cidade estava em festa em 2004.
“Nós fizemos uma marcha, lembrando que nosso povo foi massacrado naqueles 100 anos. Foram 100 anos sem identificação, sem realmente dizer quem eram. Os mais velhos tinham medo de se identificar como povo Nawa”, diz.
Lucila é a liderança Nawa na região (Foto: Reprodução)
Atualmente, o povo Nawa ocupa diversas áreas na região do Juruá e também em outros estados. Segundo as lideranças, há três aldeias com cerca de 400 indígenas da etnia Nawa, no Novo Recreio, no Parque Nacional da Serra do Divisor.
Muitos dos indígenas também moram em Mâncio Lima, no interior do Acre. E foi lá que Tarisson decidiu gravar o documentário, dividido em duas partes. As primeiras filmagens ocorrem em 2018 e seguiram no ano seguinte.
“A intenção era produzir um documentário tratando dessas questões para já iniciar o levantamento das informações. E também surgiu um incômodo, porque, quando a gente pesquisa a história dos Nawas nas redes sociais, nas plataformas de vídeo, são quase inexistentes produções em audiovisual de alguns indígenas e quase não tinha nada do meu povo” relembra.
E foi assim que Tarisson achou uma forma de divulgar a história do seu povo que passou tanto anos com medo e omitindo sua identidade.
“A intenção é viabilizar a história dos Nawas. Era pra ser uma história contada por um Nawa para os Nawas e veicular isso em outros espaços de divulgação”, conta.
Para Lucila, o documentário agrega conhecimento e populariza a história do povo que foi tão perseguido na época da borracha, sendo escravizado e obrigado a trabalhar com seringa.
“Ele é do nosso povo. Uma das pessoas que realmente convivem com a gente. Acho o trabalho muito importante para as pessoas saberem que a gente existe”, finaliza.
Estudante apresentou documentário na Universidade Federal de Pernambuco (Foto: Arquivo pessoal)
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Documentário conta história de povo indígena no AC que chegou a ser considerado extinto por 100 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU