04 Novembro 2019
O caso do prédio de luxo de Londres registra uma sutil polemica entre o Secretário de Estado e o cardeal Becciu, que traz à luz as contradições entre a gestão financeira e uma Igreja dos pobres indicada pelo Papa.
A reportagem é de Carlo Di Cicco, publicada por Tiscali, 30-10-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com o dinheiro dos pobres não se pode fazer especulação financeira. Agora, também no Vaticano, com a escaramuça pública entre dois importantes cardeais, vem à tona o verdadeiro impasse: como concretizar verdadeiramente a Igreja pobre e dos pobres. A escolha de Francisco de uma Igreja pobre dos pobres, que se pensava fosse um desejo nobre, mas espiritual e abstrato como havia sido durante tanto tempo inclusive no passado, produz ao longo do tempo uma contradição insuperável que requer escolhas drásticas e compartilhadas sobre a gestão financeira.
Há duas semanas da celebração do terceiro dia mundial dos pobres, implementada por decisão firme de Francisco, após os primeiros sussurros, são registradas as primeiras admissões públicas sobre o que acontece do outro lado dos portões de bronze sobre o dinheiro doado à Igreja para fazer obras de bem. E se, por um lado, assistir à troca de pontos de vista alternativos entre dois cardeais de alta escala sobre um caso financeiro que mais uma vez provoca um terremoto na Santa Sé pode despertar surpresa e até certo desconforto, pelo outro, começa-se a pensar que há males que vêm para o bem.
Talvez esse escândalo financeiro que não está completamente esclarecido em todos os seus aspectos, possa acelerar o início de uma maneira mais competente e evangélica de administrar dinheiro, que continua sendo a força mais poderosa alternativa a Deus. Nesse caso também acontece o paradoxo de que aqueles que - dentro e fora do Vaticano - são mais astutos e corruptos habilmente desviam a atenção para os peixes pequenos para distrair dos furos que todo o sistema financeiro mundial produz e tolera nos mais poderosos. A compra de um prédio de luxo em Londres para conseguir um bom lucro com sua venda tornou-se involuntariamente a pedra que provocou o tropeço para aqueles que estavam envolvidos, embora Francisco tivesse pedido para não investir mais em fundos especulativos, por não estrarem de acordo com a natureza e os propósitos da Igreja.
O dia-chave para entender o que realmente está acontecendo foi vivido ontem, quando o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, usou o adjetivo "opaco" para definir o investimento em Londres que ele está tentando esclarecer em todos seus aspectos. O cardeal Becciu, prefeito do Dicastério para a causas dos santos, respondeu que, na época do investimento ele era substituto na secretaria de Estado e, nessa posição - ao que parece - permitiu e até solicitou o investimento, considerando-o vantajoso. Por que opaco? Não há nada opaco, foi sua resposta à declaração do cardeal Parolin. A troca de palavras entre as duas eminências ocorreu poucas horas após a citação no caso da compra-venda de Londres do primeiro-ministro Giuseppe Conte.
Um jornal de Londres revelou que Conte, poucos dias antes de se tornar presidente do conselho, na condição de advogado, atendendo um pedido, formulou um parecer sobre a transação financeira, recebendo uma boa quantia. Certamente para turvar as águas do caso para os atos dos magistrados do Vaticano. Não poderiam faltar algumas notas de misteriosa mistura entre política e Vaticano, alusões a manobras misteriosas, segredos inconfessáveis que sempre cercaram a história do dinheiro do Vaticano. Uma aura de mistério que Francisco está tentando destruir de maneira definitiva, favorecendo de todos as maneiras a transparência financeira. Para ter uma certeza jurídica sobre o episódio que os repórteres tentam reconstruir peça por peça desde agosto passado, será necessário aguardar o final do processo que está sendo instruído para as cinco pessoas funcionários do Vaticano identificadas e investigadas pela operação de Londres. Enquanto isso, ficamos com as inesperadas declarações dos dois cardeais, mas na esperança de que a situação venha a ser esclarecida.
Está certo – está é a pergunta - que o Vaticano, com dinheiro das esmolas, compre prédios de luxo em Londres? "O óbolo de São Pedro é bem administrado na minha opinião", mas o investimento financeiro imobiliário no centro da nova investigação judicial no Vaticano "é opaco". "Esta operação - respondeu Parolin aos jornalistas à margem de um evento na Embaixada da Itália na Santa Sé - foi uma operação bastante opaca. O que era opaco? Agora não vamos entrar nos detalhes, agora estamos tentando esclarecer".
Tempestiva a resposta do cardeal Angelo Becciu confiada à Ansa: "Por que deveriam ser opacos? Antes de tudo, é praxe que a Santa Sé invista em construção, sempre fez isso: em Roma, em Paris, na Suíça e também em Londres. Pio XII foi o primeiro a comprar imóveis em Londres. A proposta deste palácio histórico e artístico nos foi apresentada e, quando foi feita e realizada, não havia nada opaco. O investimento foi regular e registrado de acordo com a lei". Becciu, definiu como "lamacentas" as acusações feitas contra ele, disse que "nunca usou de forma irresponsável" o dinheiro dos pobres e que "as dificuldades do investimento imobiliário de Londres nasceram com o sócio majoritário", ou seja, Raffaele Mincione que o cardeal não menciona.
A acusação que mais queima e que o cardeal Becciu rechaça de forma definitiva é a de "terem me pintado como alguém que brincava e usava de forma irresponsável o dinheiro dos pobres" e explica um pouco mais sobre dinheiro e pobres. "Na Secretaria de Estado, tínhamos um fundo intitulado: 'dinheiro dos pobres'. E para os pobres era destinado. Se, em vez disso, por dinheiro dos pobres queremos nos referir ao Óbolo de São Pedro, precisamos esclarecer. O Óbolo não é apenas para a caridade do Papa, mas também para o sustento de seu ministério pastoral". De qualquer forma, acrescenta, é uma questão de "acusações que enlameiam que rejeito de maneira firme e definitiva. Tenho a consciência limpa e sei que sempre agi no interesse da Santa Sé e nunca no meu interesse pessoal. Os que me conhecem de perto podem atestar isso".
Enquanto isso, as investigações sobre o caso continuam em harmonia com o desejo de Francisco de querer uma Igreja transparente. Nesse vórtice também aparece o sucessor de Becciu na secretariado de estado, o venezuelano Edgar Peña Parra que - aparentemente - quis remediar à compra-venda. O próprio cardeal secretário de Estado, ao expressar um parecer sóbrio sobre o caso, transferiu a atenção da imprensa para problemas muito mais graves para o futuro do mundo. Outros eventos pedem a atenção, como a viagem apostólica de Francisco ao Japão e à Tailândia, de 19 a 26 de novembro.
Segundo o Secretário de Estado, será uma visita importante como uma oportunidade para o papa lançar "um apelo para levar o desarmamento a sério, em referência aos principais lugares que ele visitará, Hiroshima e Nagasaki". "Hoje - apontou o cardeal - estamos realmente em grande perigo" ", a tendência é rearmar e aumentar os arsenais em vez de diminuí-los, sem levar em conta que isso não produz maior segurança, mas subtrai recursos para o desenvolvimento sustentável de todos os homens e mulheres". A preocupação com a Síria é igualmente grave e constante. "A situação - disse Parolin - nos preocupa, continua a fazê-lo e não parece ter muitas perspectivas de solução. A Santa Sé sempre insistiu na importância do diálogo e da negociação para resolver esses problemas, que, no entanto, parecem marcar o passo e continuam causando grande sofrimento, principalmente para a população”.
Ainda sobre o assunto de transações imobiliárias no Vaticano, em um aspecto diferente daquele do inquérito, deve-se registrar uma entrevista com o jornal Avvenire, proferida pelo bispo Nunzio Galantino, atual presidente da APSA, ou seja, o dicastério que administra o patrimônio da Santa Sé considerado fabuloso na opinião pública. "Trata-se - certificou Galantino - de 2.400 apartamentos, a maioria em Roma e em Castel Gandolfo. E de 600 imóveis, entre lojas e escritórios. Os que não geram renda são os apartamentos de serviço ou os escritórios da Cúria. Quanto ao seu valor de mercado, é impossível fazer uma estimativa. Vamos tomar, por exemplo, os prédios da Piazza Pio XII: quanto valem efetivamente? Se você os transformar em um hotel de luxo, é um discurso, se você colocar os escritórios da Cúria Romana, como agora, não valem nada. Além disso, cerca de 60% dos apartamentos são alugados para funcionários com dificuldades, aos quais é concedido um aluguel reduzido. Essa é uma forma de habitação social: se as grandes empresas privadas o fazem, são entidades bem-intencionadas que cuidam de seu pessoal; se o Vaticano o faz, somos incompetentes ou, pior, não sabemos administrar o patrimônio".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Escândalo financeiro no Vaticano: o Papa Francisco não abandona o objetivo de uma Igreja pobre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU