04 Novembro 2019
O mercado quer ganhar e ganhar dinheiro, e o preço é pago pelos trabalhadores. Mas, “a luta continua”, e Ken Loach levanta o punho e sorri. São 83 anos lutando contra a injustiça do capitalismo e colocando o dedo na ferida. Agora, temos que lutar contra a expressão máxima da exploração, “o sistema de exploração chegou à perfeição, com o trabalhador forçado a se explorar”.
É o que acontece com Ricky, um dos protagonistas de seu novo filme, Sorry We Missed You, um retrato da insegurança trabalhista na sociedade atual. Loach, com um roteiro de Paul Laverty, traça um panorama muito amargo, porque é real, das condições de trabalho de uma família britânica comum. A cada dia, trabalham mais, a cada dia, têm menos tempo juntos, a cada dia, o desânimo ganha terreno em suas vidas ...
Um filme extraordinário, repleto de humanidade e uma verdade perturbadora pela tristeza que arrasta. Sorry We Missed You estreou no Festival de Cannes e no Festival de San Sebastián conquistou o Prêmio do Público como Melhor Filme Europeu.
Loach, octogenário imparável, apresentou seu filme em um cinema lotado, atendeu com gosto a imprensa e, entre uma coisa e outra, correu em direção à Ponte Zurriola para acompanhar as trabalhadoras das residências de Anciãos de Gipuzkoa, em greve naqueles dias por suas condições de trabalho. Há alguns dias, escreveu a seus distribuidores na Espanha para perguntar como estavam indo as negociações dessas trabalhadoras.
A entrevista é de Begoña Piña, publicada por Público, 01-11-2019. A tradução é do Cepat.
A precariedade no trabalho chegou a um ponto que já é insuportável?
Hoje, o desemprego é menor do que alguns anos atrás, mas aumentou esse tipo de trabalho que não permite você viver. O trabalho é muito precário. Com este filme, não quis fazer nenhuma declaração final, mas pensei muito na história, porque é uma situação que, de fato, pode acontecer. Milhões de pessoas conhecem essa história.
Mas, quanto é possível resistir?
Lenin dizia que a classe dirigente sobreviveria a qualquer crise, enquanto a classe trabalhadora pagasse o preço.
Como podemos lutar contra isso?
Acho que temos que lutar da maneira tradicional, temos que pertencer a um sindicato. E, a partir daí, ir provocando movimentos políticos que defendam nossos interesses. O problema é que a política dos sindicatos social-democratas hoje é que o chefe, o patrão, se beneficie antes que o trabalhador tenha um bom salário. E se a prioridade é essa, jamais poderemos mudar. Assim, apenas resistiremos ao que pudermos.
Já não está na hora de criar sindicatos europeus?
Isso mesmo, essa é a luta. Estamos perdendo a ideia do coletivo. Desde Margaret Thatcher, o culto ao individualismo foi aumentado e o coletivo diminuindo. O bem comum diminuiu e subiu o êxito pessoal.
O momento atual conta com algo diferente em relação a essa luta?
Sim, porque a situação afeta uma grande maioria das pessoas, não apenas a classe trabalhadora, a classe média também perde privilégios. É o momento exato de lutar.
No filme, você insiste em como o trabalho precário rouba a nossa vida privada ...
A vida familiar perde sua integridade, está se desintegrando. Se você trabalha 14 horas por dia, não tem tempo para os seus filhos. Paul Laverty reuniu muito material e os trabalhadores lhe diziam que não viam seus filhos e que quando os viam, estavam esgotados e não lhes aguentavam. O filme está suavizado, não é nada comparado ao que realmente acontece, há histórias muito piores. Esta família trabalhadora do filme está a ponto de se destruir.
Esta família já passa muito mal...
Mas, pode ser pior. No domingo, encontrei-me com uma mulher cujo marido tem diabetes. Foi a sua consulta no hospital e a empresa o demitiu. No próximo trabalho precário que teve, não foi ao hospital. Os companheiros disseram ao chefe que ele não estava bem, que estava mal, que lhe dessem um respiro. O homem morreu. Tinha 53 anos.
A situação é limite, mas a reação não é muito insuficiente?
Mas, as pessoas reagem. Nesse mesmo dia, conhecemos um sindicalista que estava tentando criar uma defesa. É verdade que a solidariedade morreu como fundamento social, embora em pequenos coletivos siga existindo.
Na Inglaterra, quais são as possibilidades de que a situação dos trabalhadores mude?
Bom, isto é o fim do sistema. Com Jeremy Corbyn, sim, há uma possibilidade porque ele acredita nisso. A primeira coisa é isso, será isso, devolver ao trabalhador salários decentes. Ainda que, é claro, a BBC e os jornais jamais falem disso.
E com o Brexit?
Desde que levantamos, estamos falando sobre o Brexit, mas é a outra questão a que mais importa. E agora temos um trabalhista que acredita e quer agir. O problema agora, se sairemos ou não da Europa, é muito mais do que Brexit.
Você espera um futuro próximo agitado em seu país?
Será uma luta interessante. A direita nunca investe em regiões pobres, não querem que as empresas privadas sejam retiradas da Saúde... mas, a política de Corbyn nesses territórios é popular. Os meios de comunicação falam muito mal dele, o chamam de velho, incompetente e, pior, o mais pernicioso, diz que é racista. Isso é uma mentira malvada e tudo porque supostamente apoiou os palestinos. Espero que essa campanha violenta da mídia contra ele não cause danos.
O adolescente de seu filme está completamente perdido. A juventude está assim?
Acredito que é algo que acontece em qualquer geração. É um processo. Primeiro, há esperança, depois vem o fato de ter que sobreviver em um mundo no qual a mudança que você está esperando nunca chega e, depois, a desilusão. Nosso trabalho é deter isso. Temos que continuar lutando, eles precisam continuar lutando porque temos e têm forças para mudar.
Os jovens reagiram à crise climática.
Sim, é a grande causa dos jovens, a mudança climática está unindo-os. E nós, todos nós, devemos fazer parte dessa campanha. Jeremy Corbyn esteve com os jovens na manifestação do clima.
Tudo isso se acelerou desde a crise de 2008. O que faremos para não piorar?
Nada do que acontece é uma surpresa, efetivamente. É seu jogo. Não é uma falha da economia de mercado, ao contrário, é um desenvolvimento lógico do mercado. Mas, nós aprendemos disso uma lição: a estrutura econômica deve mudar, a economia deve ser planificada, a economia deve ser baseada na propriedade comum. Além disso ... o petróleo está se esgotando e se queremos mudar, não podemos continuar utilizando-o... a mudança climática... tudo isso também precisa mudar.
A União Europeia também precisará mudar, não é?
Claro. A precariedade do trabalhador advém da concorrência entre as empresas. Se uma decide pagar menos a seus trabalhadores, o produto que vende sairá mais barato e o da empresa ao lado terá que fazer o mesmo. A fundação da União Europeia está baseada no livre mercado, sendo assim, a comunidade europeia nos leva a esse trabalho precário.
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“O sistema chegou à perfeição, com o trabalhador forçado a se explorar”. Entrevista com Ken Loach - Instituto Humanitas Unisinos - IHU