30 Setembro 2019
O Sínodo para a Amazônia tem gerado expectativas, "uma alegria e esperança que não podemos decepcionar", segundo um de seus presidentes, o cardeal Pedro Barreto. Foram quase dois anos de preparação, de muitas reuniões e, principalmente, de muita escuta, uma das grandes contribuições do Sínodo para a Amazônia, que vem criando um clima de consenso em amplos setores eclesiais, diante dos novos caminhos vislumbrados, embora também tenha havido fortes críticas que magoam, especialmente aquelas que vêm de dentro da Igreja.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
O cardeal peruano ressalta que antes do Sínodo "esperamos que a Igreja descubra um processo de renovação no estilo de Jesus, que não veio a ser servido, mas a servir". Essa é uma atitude que nos remete ao Mistério da Encarnação de Cristo, segundo o presidente do Sínodo para a Amazônia, um Cristo “que está encarnado em uma história, em um povo específico, em uma cultura específica e a partir daí ele quer dinamizar um processo, eu diria diferente, do que humanamente alguém possa estar pensando”.
Cardeal Pedro Barreto | Fotos: Luis Miguel Modino
Ao longo do processo de escuta, destaca-se o encontro de Washington, um dos símbolos do poder econômico, onde os povos indígenas dos cinco continentes “que não se entendiam por suas línguas, mas, mesmo assim, citaram e falaram de suas experiências comuns”, algo que nos remete ao Pentecostes e mostra a presença do Espírito. Tudo isso se manifesta no Povo de Deus, que vai estar presente no Sínodo, e na sociedade, especialmente nos mais jovens, novos portadores de uma bandeira de luta a favor do Planeta, de ecologia integral.
Depois de quase dois anos do processo sinodal, como o senhor está vendo o momento em que estamos vivendo, uma semana antes do início da assembleia sinodal?
Em primeiro lugar, uma esperança crescente, alegria, não apenas para nós, mas para os indígenas da Amazônia. Todas as expectativas foram levantadas, que começaram precisamente no encontro com o Papa Francisco em Puerto Maldonado, em 19 de janeiro do ano passado, durante sua visita pastoral ao Peru. E aí começou uma alegria e esperança que não podemos decepcionar.
Em segundo lugar, dentro da Igreja, pudemos vivenciá-lo com grande alegria, nas diferentes reuniões que realizamos e na que realizamos recentemente em Bogotá, organizada pelo CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano) e REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica), como um consenso muito amplo, uma harmonia da diversidade de origens da Amazônia. Acredito que estamos em um momento muito, muito importante, para poder agradecer a Deus por tudo o que estamos vivendo, em uma atitude de serviço, mas também em uma atitude anterior de escuta, de discernimento.
Poderíamos dizer que esse vento do Espírito que sopra de maneiras diferentes ajuda a reconhecer que as críticas existentes não deixam de ser atitudes marginais que não respondem ao sentimento geral da Igreja?
Sim, as críticas são realmente muito fortes, dentro e fora da Igreja. As que mais poderíamos dizer que magoam são as de dentro, porque esperamos que a Igreja descubra um processo de renovação no estilo de Jesus, que não veio a ser servido, mas a servir, e acredito que essas dificuldades ou críticas estão sinalizando um avanço, eu diria qualitativo, no que significa este Sínodo especial da Amazônia. É o único sínodo que foi preparado, de certa forma, eu diria sobre a escuta sinodal das populações indígenas.
De fato, essa nova atitude chegou em certa medida com o Papa Francisco, que é alguém que gosta de escutar. Poderíamos dizer que mesmo antes da celebração da assembleia, já é uma das grandes contribuições do Sínodo para a Amazônia para a história e a prática pastoral da Igreja?
Sim, de fato, acho importante ressaltar que o Papa Francisco, com sua espiritualidade, está ajudando a Igreja a esse processo sinodal, que envolve escutar, envolve discernir e também significa agir. Então, o que nos resta, já antes do Sínodo como fruto, é a capacidade de escutar. Não apenas para ouvir, não é simplesmente estudar algumas questões sociológicas sobre a Amazônia, é o contato com a pessoa. E aqui está algo que o Papa Francisco evidentemente insistiu, que é a cultura do encontro, a deixar-se encontrar na realidade do outro. E a partir dessa realidade, entrar em um processo de busca da vontade de Deus.
No fundo, estamos falando sobre a Encarnação, o Mistério da Encarnação de Cristo. É um Cristo que é o enviado do Pai, que está encarnado em uma história, em um povo específico, em uma cultura específica, e a partir daí ele quer dinamizar um processo, eu diria diferente, do que alguém pode estar pensando humanamente. Creio que o Sínodo já está produzindo seus frutos nesse aspecto, dentro da Igreja de maior capacidade de escuta.
O senhor fala da Encarnação, que é um dos mistérios fundamentais do cristianismo. É verdade que, de algumas correntes eclesiais, por assim dizer, não sei se é o termo mais apropriado, o espiritualismo foi exagerado e essa dimensão da Encarnação foi esquecida. Poderíamos dizer que a crítica vem dessas correntes mais espiritualistas?
Poderia ser, mas estou convencido de que é uma visão doutrinária e teológica, que marcou em grande medida a história da Igreja nos últimos anos, décadas, porque a Doutrina da Fé era a entidade da Santa Sé que se acreditava como Super vigilante das ideias que surgiam, como uma espécie de herança do que antes era a Inquisição. Creio que a coisa mais valiosa nesse processo que estamos experimentando na renovação da Igreja é que a doutrina está a serviço da evangelização e não a evangelização a serviço da doutrina. Eu acredito que antes de uma doutrina existe a pessoa de Jesus, o Evangelho.
Jesus não veio para ensinar uma doutrina, Jesus veio para nos ensinar que, a partir do amor, podemos ter um estilo de vida, um estilo de vida que de alguma forma está presente nos povos indígenas da Amazônia. O Papa Francisco em Puerto Maldonado indicou, temos que aprender com vocês como respeitar a vida e como também respeitar o ambiente natural.
Que é uma doutrina que vem do próprio Vaticano II, que fala das sementes do Verbo. O senhor teve contato em muitas reuniões com povos indígenas de diferentes países, de diferentes povos. Como essas sementes da palavra são percebidas na vida dos povos amazônicos?
Bem, antes de mais nada, quero dizer que tivemos inúmeras reuniões em lugares diferentes e uma especial que foi organizada em Washington, na Universidade de Georgetown, onde foi possível especificar o que o Papa Francisco diz, da periferia ao centro, Washington, como um símbolo do poder econômico, e havia povos indígenas dos cinco continentes. Essa foi para mim a maior riqueza de todo o processo, porque ouvimos um indígena asiático, ou da Oceania, ou da África ou da América, e vimos que eles não eram entendidos por suas línguas, mas mesmo assim citaram e falaram de sua experiência, de coisas que são comuns a eles.
E alguém se perguntou, e eu pessoalmente me perguntei, como pode haver tantos quilômetros, milhares de quilômetros entre os povos originários, mas eles têm um respeito pela vida, um respeito pela natureza, uma sabedoria ancestral, e isso para mim, é muito importante reconhecê-lo. Estamos falando de um mistério dessa sabedoria que está impregnado na cultura aborígine.
Nas suas palavras, vem à mente a cena que conta o livro dos Atos dos Apóstolos no Pentecostes. Poderíamos dizer que este Sínodo para a Amazônia é um novo episódio, uma nova manifestação do Espírito em meio à realidade atual?
Obviamente, e estou feliz que você tenha indicado, porque eu não tinha pensado nisso, mas eu senti e experimentei. Uma coisa é pensar e outra é sentir, você não pode parar de se admirar enquanto a água corre pelas suas mãos, você não pode pegar a água. Penso que isto é a irrupção do Espírito, que existe diversidade de línguas, culturas, mas já existe uma unidade, e aqui há um ensinamento muito grande para a Igreja e para a humanidade. Nesse sentido, um respeito máximo pela pessoa, um respeito máximo pelas culturas e, principalmente, por estar ciente de que nem tudo é perfeito, mas certamente, nós que temos uma cultura mais ocidental, e eu me incluo nisso, temos que nos despojarmos de nossos critérios para poder, pode-se dizer, entrar neste imenso mar, nesses rios profundos de novas culturas que nos ensinarão a encontrar Deus em todas as coisas.
Encontrar Deus primeiro na Criação, e isso nos remeteria ao tema da ecologia integral, que é uma linguagem que não é entendida apenas dentro da Igreja como fora. Um dos grandes desafios para a Igreja hoje é estar próximo ou compartilhar um caminho com os jovens. Neste campo da ecologia integral, os jovens, especialmente na figura de Greta Thunberg, a quem o Papa Francisco incentivou a continuar sua luta pelo cuidado da Casa Comum, é alguém que mostra que pode-se caminhar junto com a Igreja, independentemente da crença de cada um. Poderíamos dizer que entrar nessa dinâmica da ecologia integral pode levar a Igreja a voltar a entrar nesse mundo jovem e descobrir com esses jovens, que eles se preocupam cada vez mais com os cuidados da Casa Comum, um caminho para percorrer juntos?
É um caminho de esperança que a jovem Greta esteja nos dizendo com muita clareza que esse movimento, que começou como algo individual, pequeno, foi ampliado como pequenos círculos concêntricos em relação a essa proposta do cuidado da Casa Comum. O potencial da juventude agora é um potencial que exigirá da Igreja uma atitude de escuta também, dos jovens, dos jovens que realmente querem contribuir para os cuidados da Casa Comum. E a Casa Comum entendida não apenas como natureza, mas também como pessoas e o relacionamento interpessoal. E aí compreendo que, nos primeiros meses do próximo ano, o Papa Francisco convocará jovens economistas a pensar sobre esse novo modelo de desenvolvimento alternativo ao atual, que está mergulhando a humanidade em uma situação quase, quase, sem retorno. Então, estamos vivendo esse momento de emergência em que o Papa Francisco quer confiar que os jovens busquem, a partir deles, esse novo modelo de desenvolvimento.
O Sínodo para a Amazônia poderia se dizer que é um dos mais seguidos pela mídia. De fato, nas últimas semanas, também devido a situações como os incêndios na Amazônia e algumas críticas de alguns governos ao Sínodo, despertou muito interesse. Esse interesse da mídia poderia ajudar a tornar as conclusões do Sínodo mais visíveis para a sociedade atual?
Bem, não posso prever neste momento quais serão as consequências midiáticas, mas logicamente, a mídia tem todo um histórico da encíclica Laudato Si'. A mudança climática, por exemplo, é um evento fenomenológico social, que tem conscientizado a urgência de como mitigar, porque a mudança climática é irreversível, como mitigar as sérias consequências que já estão sendo vividas nos diferentes continentes. Espero que a mídia, especialmente a da Igreja, também possa influenciar essa mudança de mentalidade, como diz o Papa Francisco, de uma vida mais sóbria, uma vida mais simples. Uma vida que Mahatma Gandhi também veio dizer, é preciso viver com menos, para que todos possam sobreviver, nas circunstâncias de pobreza que são vividas no mundo.
O senhor tem sido nomeado como um dos presidentes do Sínodo para a Amazônia. Quais são as suas expectativas, como o senhor acha que essa assembleia sinodal será desenvolvida?
Bem, tenho a experiência do Sínodo de 2005, que foi sobre o tema da Eucaristia. A partir dessa experiência de 2005 até agora, 2019, 14 anos se passaram e eu imagino um Sínodo muito fraterno. Haverá muitas pressões de lugares diferentes, mas eu o verei com um clima espiritual, mas no sentido mais profundo da palavra, que é o que aparece no livro do Êxodo, por exemplo. Deus viu a aflição de seu povo um Deus que ouviu o clamor dos povos indígenas, um Deus que também decidiu que a Igreja como um todo, com o Papa Francisco, possa tomar decisões sobre a proposta do próprio Papa Francisco, novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral.
Quando falamos de ecologia integral, estou pensando sobre o que as populações originárias estão falando em quíchua, Sumak Kawsay, que é um bem viver. O Bem Viver é ecologia integral, é harmonia em si mesma, harmonia com os outros e harmonia também com a natureza, e logicamente nessa trilogia de harmonia Deus está presente.
Sabemos que é um Sínodo de bispos, mas neste Sínodo a presença de não-bispos é bastante significativa. Como você acha que isso pode influenciar o desenvolvimento do Sínodo?
É precisamente uma abertura para uma realidade eclesial que deseja ouvir todos os batizados e batizadas, até os não crentes e outras crenças religiosas. E acredito que aqui, os bispos sempre se pensou neles como colegialidade episcopal, o que ajuda ao Papa Francisco. Nesse caso, para oferecer algumas propostas com as que ele depois poderá nos orientar. Quando falamos dessa abertura para leigos, indígenas ou religiosas, estamos falando de uma experiência sinodal, de caminhar juntos. Porque o que se pretende como objetivo não é apenas caminhar junto aos bispos, é caminhar juntos todos os batizados e batizadas, e todas as pessoas de boa vontade. Portanto, nesse aspecto, parece-me que uma mensagem muito clara está sendo dada, que a Igreja é o Povo de Deus e é por isso que a sinodalidade é essencial para o povo de Deus. É o que aparece nos Atos dos Apóstolos no primeiro Concílio de Jerusalém. Pedro e Paulo estavam de frente um para o outro, Pedro acreditava que apenas o Evangelho era para os judeus e Paulo disse que era também para os gentios, para os não-judeus. Então eles se encontraram e disseram o Espírito Santo e nós decidimos tal coisa. É isso que se pretende com nossos irmãos e irmãs que não são bispos, mas que são tão batizados quanto nós.
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“Esperamos que a Igreja descubra um processo de renovação no estilo de Jesus, que não veio a ser servido, mas a servir”. Entrevista com o Cardeal Barreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU