03 Setembro 2019
Herbicida produzido pela Monsanto prejudica várias culturas e só funciona em variedade de soja vendida por ela mesma.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 02-09-2019
A velocidade e a inconsequência com que o governo Jair Bolsonaro (PSL) tem liberado o uso de agrotóxicos no país já começa a incomodar o próprio agronegócio – em tese, um dos principais beneficiários de tal política.
Em ofício protocolado no Ministério da Agricultura na última sexta-feira (30), ao qual o Brasil de Fato teve acesso, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) manifestam “preocupação com o futuro de toda a agricultura brasileira”, devido à liberação, em 22 de agosto, do herbicida dicamba.
Segundo os produtores, apenas uma variedade de soja geneticamente modificada é tolerante ao dicamba. Todas as demais seriam negativamente afetadas pelo produto, que, segundo o documento enviado ao Ministério, é altamente volátil (evapora e se espalha) em temperaturas acima de 29 graus.
Além da soja, o dicamba mataria também lavouras de algodão, batata, café, cítricos, feijão, leguminosas, tomate, uva e milho, entre outras.
De acordo com a Associação Brasileira dos Defensivos Genéticos (Aenda), apenas três grandes companhias multinacionais produzem herbicidas à base de dicamba, entre elas a Bayer-Monsanto.
Não por acaso, é a mesma Bayer-Monsanto que detém a tecnologia para produção de sementes resistentes ao dicamba – chamada de Intacta 2 Xtend – e está programando seu lançamento comercial no Brasil para 2021.
A semente já foi “apresentada” a produtores Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia num grande evento denominado Gigantes da Soja, realizado entre o fim de 2018 e começo de 2019.
Operação casada
No ofício enviado ao ministério, a CNA e a Aprosoja lembram que, nos EUA, onde o dicamba foi liberado em 2016, quase 4 milhões de hectares de soja foram danificados, o que gerou 2.700 processos judiciais. Com isso, vários estados norte-americanos teriam estabelecidos restrições ao uso do herbicida.
Os produtores lembram ainda que a volatização do produto seria ainda maior no Brasil, devido ao clima tropical do país.
“Ademais”, diz o texto, “a tecnologia Xtend virá associada a outras biotecnologias (…), tendo que ser adquiridas como se em ‘pacote fechado’, nada menos que uma venda casada”.
Em entrevista ao Canal Rural no último dia 23, o presidente da Aprosoja, Bartolomeu Braz, criticou a liberação.
“Não podemos aceitar esse domínio de mercado. O Brasil já evoluiu bastante, temos um clima tropical e ao que parece não temos a necessidade de usar esse produto. Nosso manejo é diferente dos americanos e precisa ser pensado de maneira diferente”.
O documento das entidades representativas do agronegócio não chega a exigir a proibição do dicamba, mas pede o estabelecimento de medidas de controle, a elaboração de mais pesquisas, tendo em vista as características do clima brasileiro, e a “responsabilização da empresa detentora da biotecnologia”, em casos de danos às lavouras.
Leia mais
- Fim do Glifosato na Europa pode ser um marco histórico na luta contra os agrotóxicos
- Monsanto prepara sucessor do 'Roundup Ready'
- Enquanto Blairo Maggi vira piada na ONU, CTNBio libera nova soja transgênica
- Lançado na Europa mapa do envenenamento de alimentos por agrotóxicos no Brasil
- “Há um ciclo de envenenamento por agrotóxicos entre Brasil e Europa”
- De abelhas a trabalhadores: o ciclo de morte gerado pelos agrotóxicos
- Agrotóxicos: rede de supermercados sueca pede boicote para os alimentos brasileiros
- Afinal, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo?
- Capítulo venenoso na história do Brasil
- Governo autoriza 42 novos agrotóxicos e somando 239 registros no ano
- Agrotóxicos liberados pelo governo intoxicaram 92 crianças e funcionários em escola de Goiás
- Ministra da Agricultura transforma o Brasil no paraíso dos agrotóxicos
- Como os agrotóxicos afetam a sua saúde
- É possível reduzir ou acabar com o uso de agrotóxicos?
- Agrotóxicos podem ser a causa de casos de câncer e malformação?
- Brasil consome 18% dos agrotóxicos do mundo, mesma porcentagem dos Estados Unidos
- Agrotóxicos chegam às torneiras de uma em cada quatro cidades, segundo recente levantamento de dados
- No centésimo dia, governo autoriza mais 31 agrotóxicos; metade deles, “extremamente tóxicos”
- “Decisão de Bolsonaro sobre agrotóxicos é política”
- Por que a ministra da Agricultura anunciada por Bolsonaro é conhecida como “musa do veneno”
- Governo libera registro de mais de um agrotóxico por dia neste ano
- Política envenena?
- Governo libera para cinco fabricantes agrotóxico que causa contaminação em rios
- Isenção fiscal de agrotóxicos: impactos para o meio ambiente, saúde e economia são tema de debate em audiência pública
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Em ofício, CNA e ruralistas atacam liberação de agrotóxico que mata lavouras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU