04 Agosto 2019
Nos pontos centrais da sua história, a Igreja permaneceu parada no meio do caminho da investigação científica na tentativa de impedir seu avanço. Isso nunca funcionou bem para a Igreja. Seja a teoria copernicana ou os contraceptivos, quando a fé entra em conflito com as provas científicas e a experiência pessoal, a ciência e a experiência tendem a vencer.
O comentário é de Melissa Jones, professora da Brandman University, publicado por National Catholic Reporter, 31-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muitos de nós lutamos para reconciliar princípios antiquados de uma fé que amamos com as florescentes evidências científicas sobre o mundo que nos rodeia. No novo livro “Teilhard's Struggle: Embracing the Work of Evolution” [A luta de Teilhard: abraçando a obra da evolução, em tradução livre], a Ir. Kathleen Duffy, das Irmãs de São José, retrata o padre francês Teilhard de Chardin como o padroeiro dessa luta.
A luta de Teilhard: abraçando a obra da evolução”,
em tradução livre
Kathleen Duffy, SSJ (Ed. Orbis Books, 2019, 176 páginas)
Teilhard era um padre jesuíta e um paleontólogo talentoso que se esforçou para reconciliar a evidência fóssil da teoria da evolução de Charles Darwin com os ensinamentos teológicos católicos tradicionais. Seu amor pela Terra e as escavações geológicas em suas camadas impossibilitaram que ele visse a criação como um evento único.
Isso e a sua visão mística da integração cósmica entre matéria e espírito o levaram a um conflito vitalício com as autoridades da Igreja. Ele não podia aceitar o dualismo persistente no catolicismo que via a matéria e o espírito como coisas separadas.
Duffy usa uma citação da sua obra “O meio divino” para explicar seus pontos de vista: “Por meio de todas as coisas criadas, sem exceção, o divino nos assalta, nos penetra e nos molda. Nós o imaginamos como algo distante e inacessível, ao passo que, de fato, nós vivemos imersos em suas camadas ardentes”.
Duffy é professora de Física do Chestnut Hill College, na Filadélfia, e é autora de vários livros sobre Teilhard. Ela também participa dos esforços para que ele seja nomeado “doutor da Igreja”. A sua experiência como física, religiosa e professora faz dela um excelente guia para nós que hesitamos em enfrentar os trabalhos de Teilhard por causa da sua complexidade e linguagem única.
Ela começa concentrando-se em seu principal ensaio, “O poder espiritual da matéria”. Isso prepara o terreno para entender o trabalho da sua vida – uma luta para encontrar a salvação espiritual viajando ao coração da matéria. Nesse ensaio, ficamos sabendo da visão mística que o colocou em uma batalha íntima com a matéria e a luta que o leva a concluir que a matéria é algo vivo, que evolui e está preenchida pela presença encarnada de Deus. Ele vê a matéria como algo que abrange toda a realidade que nos rodeia e aconselha que podemos ser destruídos por ela ou aprender a usá-la como o caminho para a salvação.
O foco de Duffy em pontos-chave da luta da vida de Teilhard ajuda a reduzir a ampla complexidade dos seus escritos místicos, científicos e teológicos.
Além dos seus escritos seminais, ela examina as cartas dele. Ao fazer isso, ela revela o lado humano do grande pensador e nos permite ver que suas ideias podem ser relevantes para as nossas próprias lutas pessoais e intelectuais.
Ela descreve uma criança profundamente perturbada pela sua observância da mutabilidade e da decadência, e que foi motivada pela pergunta: “O que mantém tudo unido?”.
Em sua busca pela permanência e pela consistência, ele ficou fascinado pelas rochas e pela religião. Ele encontrou sua paixão pessoal nas camadas paleontológicas da crosta terrestre e a sua resposta teológica na carta de Paulo aos Colossenses (1,17b): “Tudo nele se mantêm unido”.
Duffy diz que Teilhard combinou sua compreensão de Paulo com a sua leitura da “Evolução criativa” de Henri Bergson para encontrar uma reconciliação entre evolução e encarnação.
A autora explica que o trabalho de Teilhard como maqueiro durante a Primeira Guerra Mundial teve uma profunda influência em seu pensamento e o ajudou a entender a importância da comunidade. Ela usa cartas, seus escritos e eventos históricos para unir experiências díspares em sua vida, como as dificuldades e os sucessos do seu trabalho paleontológico, seu exílio na China, suas amizades e amores.
O que permanece presente ao longo da narrativa é a tensão da sua luta com as autoridades da Igreja e o seu tenaz compromisso de trabalhar dentro da Igreja, apesar da censura que ele suportou.
Duffy habilmente traz ao leitor a percepção de que essas experiências e lutas eram essenciais à sua integração espiritual, teológica e pessoal. Ela escreve que ele “se recusou a se satisfazer com a sua fé até que ela se encaixasse na sua experiência”. Ela observa que ele levou cerca de 30 anos para construir uma declaração de fé que unisse “sua experiência humana, os dados disponíveis sobre o cosmos e a sabedoria encontrada na sua tradição de fé”.
Os escritos de Teilhard foram abafados durante a sua vida. Assim, vemos que a Igreja, como em tantas outras vezes no passado, bloqueou o tipo de pensamento criativo que poderia tê-la ajudado a prosperar diante do fluxo intelectual. Como escreve Duffy, “ele viu o seu papel no ato de ajudar a libertar a Igreja de modos ultrapassados e estáticos de pensar e de ser”.
Ele concebeu um espírito divino que não está acima de nós, mas à nossa frente, puxando-nos para a convergência e a salvação. Parece que o próprio Teilhard sabia que precisava permanecer fiel à fé católica para puxá-la na direção da sua visão da integração.
Mesmo que tenha sido suprimida, a obra que Teilhard deixou é fascinante. Podemos apenas imaginar os dons que poderiam ter vindo desse grande intelecto se a sua luta para reconciliar teologicamente a matéria e o espírito nos ensinamentos da Igreja tivesse sido alimentada e trazida à tona enquanto ele estava no seu melhor momento criativo.
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Livro explica como Teilhard de Chardin uniu sua fé com sua experiência de mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU