16 Julho 2019
Um arcebispo no Brasil foi acusado de incitar “uma infiltração esquerdista” na Igreja, em uma carta ao embaixador do Vaticano enviada por um grupo de associações profissionais e patronais da cidade de Londrina, Paraná.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 15-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A carta foi publicada em 2 de julho e é assinada por associações comerciais que representam empreiteiras, indústrias metalúrgicas, agricultores, varejistas e associações profissionais de médicos e engenheiros. O documento, que contém ferozes críticas ao arcebispo Geremias Steinmetz, é dirigido ao arcebispo Giovanni D’Aniello, que atua como núncio apostólico no Brasil desde 2012.
No documento, as associações elogiam as virtudes dos antecessores de Steinmetz e depois acusam o arcebispo de continuar “permitindo que o PT [Partido dos Trabalhadores] aparelhasse a estrutura da nossa Igreja”.
O Partido dos Trabalhadores governou o Brasil de 2003 – quando Luís Inácio Lula da Silva se tornou presidente – até 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment. Desde então, o país tem visto uma crescente polarização política, complicada ainda mais com a eleição do presidente arquiconservador Jair Bolsonaro em 2018.
Em quase todas as manifestações e documentos públicos da Arquidiocese, nota-se a influência das teses esquerdistas e socialistas defendidas por esse partido (e que são, diga-se, contrárias à Doutrina Social da Igreja)”, diz a carta das associações.
“Em diversas paróquias, permite-se que sejam divulgadas meias verdades e velhas mentiras, tais como a identificação entre o socialismo e o cristianismo; a luta de classes marxista, que opõe ricos e pobres; a malfadada Teologia da Libertação (condenada com veemência pelos santos padres João Paulo II e Bento XVI); e a ideologização da Igreja (condenada com veemência pelo santo padre Francisco)”, continua o documento.
A carta conclui dizendo que muitos católicos da cidade se sentem “órfãos”.
“Precisamos de um Arcebispo que possa fazer a Igreja de Londrina voltar a sorrir. Queremos um Padre, um Pastor, um Guia. Queremos amar o nosso Arcebispo tanto quanto amamos a nossa Igreja.”
Não é a primeira vez que Steinmetz é criticado por católicos anti-PT em Londrina. Em 2018, a Arquidiocese de Londrina realizou um encontro de comunidades eclesiais de base – um movimento historicamente vinculado à fundação do PT em 1980. Gravações de participantes segurando bandeiras pró-PT viralizaram na internet, e ativistas conservadores acusaram Steinmetz de promover propaganda política.
Desta vez, o problema parece ser um documento publicado pela arquidiocese sobre uma das principais políticas do governo de Bolsonaro.
Em maio, Steinmetz divulgou um guia com informações sobre a reforma da previdência que Bolsonaro está tentando aprovar no Congresso. A reforma eleva a idade mínima de aposentadoria para a maioria dos brasileiros, em uma tentativa de economizar até 270 bilhões de dólares do sistema de previdência social nos próximos 10 anos. A publicação arquidiocesana apresenta um guia de 10 pontos sobre as perdas que os trabalhadores sofrerão se a reforma previdenciária for promulgada.
“Essas associações são organizações de empregadores. Eles são livres para expressar a sua opinião, mas a Igreja não pode ficar em silêncio quando sabe que as pessoas serão prejudicadas”, disse Steinmetz ao Crux. Segundo o arcebispo, os signatários do documento não tentaram falar com ele sobre o assunto antes de publicarem sua crítica. “Eu só soube da carta deles pela imprensa.”
Steinmetz argumenta que seu trabalho pastoral está de acordo com a doutrina social da Igreja e com a orientação de Francisco: “Eu estou com a consciência tranquila.”
No comunicado oficial emitido pela arquidiocese em resposta à carta, Steinmetz disse ter “consciência que dentro da Igreja existem tensões e ideias diferentes” e que os católicos “sempre foram livres para acatar ou não as matérias que são puramente de índole pastoral”.
No dia 10 de julho, duas dezenas de associações de trabalhadores e movimentos sociais de Londrina divulgaram uma carta expressando seu apoio a Steinmetz. No documento, eles dizem que o ataque das associações de empregadores foi motivado pelo desejo de “parar uma Igreja que se compadece das profundas dificuldades que têm sido infligidas aos segmentos mais pobres da sociedade”.
“Eles condenam o posicionamento de Dom Geremias porque ele não está feliz com as injustiças sociais e porque seu ministério é uma jornada em defesa daqueles que foram injustiçados”, afirmam os movimentos no manifesto.
No mesmo dia, a reforma da previdência foi aprovada na Câmara dos Deputados do Brasil. Ela ainda precisa ser aprovada no Senado.
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Arcebispo brasileiro é atacado por liderar ''infiltração esquerdista'' na Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU