Os homens ficam na proa, as crianças e as mulheres na popa do veleiro de 18 metros de comprimento. Eles têm rostos cansados, onde aparece um sorriso quando dizem: "Não é desconfortável, melhor dez anos aqui do que um segundo na Líbia". Cinquenta e quatro migrantes, apertados em um bote em péssimas condições no mar da Líbia, foram salvos e carregados a bordo do veleiro Alex da ONG italiana Mediterrânea. Entre eles 11 mulheres, três das quais grávidas e uma em estado grave, crianças com fraldas, homens e meninos que estão sendo agora medicados, reidratados enquanto o barco está se dirigindo em direção à Itália. Seguidos e acompanhados por um barco de patrulha líbica por muito tempo antes dele abandonar a caçada.
A reportagem é de Marco Mensurati, publicada por La Repubblica, 04-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Agora, o "barco Alex da #Mediterrânea, está indo para o norte, saindo da área da SAR líbica. Pedimos ao ITMRCC Roma a designação urgente de #Lampedusa como o porto seguro mais próximo para o desembarque das 54 pessoas a bordo", twittou em 21.30 a ONG mediterrânea Saving Humans.
A resposta do ministro do Interior Salvini é clara: "Se a ONG Mediterrânea" realmente se preocupa com a segurança dos imigrantes, que o navio Alex se dirija para o porto seguro mais próximo, que fica na Tunísia e não em Lampedusa". Só que na realidade, no momento do tweet do ministro, o veleiro estava a mais de 90 milhas dos portos da Tunísia e menos de 60 de Lampedusa.
E, no mesmo momento, a unidade da Polícia de Finanças, V 800, a mesma que havia sido danificada na última noite de 29 de junho pelo navio Sea Watch durante a manobra de atracação no cais depois de ter ignorado o aviso de pare da polícia, levou 55 migrantes a salvo em Lampedusa, junto com um barco da guarda costeira, entre eles 22 mulheres e um menor encontrados a duas milhas da ilha em um bote. Testemunha das operações é o ex-prefeito Giusi Nicolini: "Para mim todos são bem-vindos, mas é necessário explicar por que os 42 resgatados pelo Sea Watch não podiam ser trazidos da mesma maneira para Lampedusa.”
Tudo começou no início da tarde. O veleiro Alex da Mediterrânea, em uma missão de observação da zona SAR líbica, primeiro identificou os restos de um bote de borracha, de mais outro naufrágio silencioso do qual nunca saberemos os mortos. Pouco tempo depois, na proximidade das plataformas de petróleo, apareceu outro barco com 54 pessoas a bordo, incluindo 11 mulheres e 4 crianças.
Não havia tempo a perder. A ONG chamou a sala de operações da Guarda Costeira de Roma pedindo orientações. A resposta foi clara: deixar a intervenção para os barcos de patrulha da Líbia, que no entanto levariam os sobreviventes de volta à Líbia, um país em guerra, onde os centros de detenção são bombardeados.
O Alex, veleiro de 18 metros, em teoria não poderia e, acima de tudo, não é estruturado para levar a bordo dezenas de migrantes. Mas, dada a péssima situação do bote, de uma mulher grávida em estado grave, de crianças com fraldas, os voluntários decidiram carregar os náufragos a bordo. Um por um, com seus coletes salva-vidas, auxiliados pelos 11 tripulantes, foram levados a bordo no barco, onde um profissional de saúde os visitou e reidratou. Mais 10 horas de viagem marítima os aguardavam antes de chegar perto de um porto, seguido por um barco de patrulha líbico. Antes de abandonar a presa.
Pouco antes do socorro no mar dos náufragos, o navio da Mediterrânea havia relatado o naufrágio, na página do Facebook: "Estamos patrulhando junto com a Open Arms na SAR da Líbia, que é a zona onde a responsabilidade de ação em caso de naufrágio seria da chamada "Guarda costeira líbica". Nosso farol é, como sempre, o respeito pelos direitos humanos. Durante nossa patrulha encontramos os restos de um bote de borracha. Quase certamente um naufrágio. Quantos mortos nunca o saberemos. Os escombros de um bote de borracha semiafundado com motor. Nenhuma indicação de resgate efetuado. Há uma séria possibilidade de que se trate dos restos de um naufrágio fantasma. No silêncio a humanidade morre. Sem testemunhas", escreve a ONG.
Pouco depois aconteceu o resgate dos 54 sobreviventes que, sem eles, no melhor dos casos terminariam em centros de detecção da Líbia agora bombardeados, se não afogados no mar. No silêncio geral.
E, Filippo Miraglia da Arci, associação entre os fundadores da Mediterrânea, às palavras de Salvini, que convida a levar os sobreviventes para a Tunísia rebateu: "Já foi declarada inviável pelo tribunal de Agrigento, pela decisão de Carola Rackete e pelas instituições internacionais. A Tunísia não é um porto seguro, o ministro deve entender isso: por semanas segurou um navio com 75 náufragos a bordo e, depois de fazê-los descer, impediu-lhes de pedir asilo enviando-os de volta para os países de origem e desrespeitando o "princípio da non refoulement", garantido pela Convenção de Genebra. Agora o Alex deve trazer os sobreviventes para a Itália, não há outro caminho. Se se quiser lutar contra o tráfico de seres humanos é preciso aviar imediatamente uma ponte aérea e um programa de evacuação para as 6000 pessoas cativas nos campos de detenção da Líbia tirando-as das milícias rivais que disputam o controle do território e que as usam como arma de chantagem para seus interesses".