02 Julho 2019
"Devemos admitir: a Igreja não é democrática e ninguém pretende que o seja. E, no entanto, nós, como mulheres, podemos fazer a diferença: encontrar coragem para falar, pressionando por uma maior colegialidade, abrindo espaços para deixar entrar a luz”. Quem afirma isso, passando com facilidade do tema da "resiliência" e da liberdade feminina às hierarquias, e ao direito de denunciar todas as formas de abuso dentro da Igreja, são duas madres superiores: Sally Hodgdon, da congregação das Irmãs de São José de Chambéry e a Irmã Veronica Adeshoa Openibo, da Sociedade do Santo Menino Jesus.
A entrevista é de Ilaria De Bonis, publicada por Jesus, junho-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desde as primeiras palavras, entendemos que estamos diante de duas líderes viajadas, que não têm medo nem pelos na língua. Neste último ano e meio, elas se distinguiram pela coragem de suas denúncias.
A Irmã Sally é uma sufragista moderna: defende o direito de voto para mulheres (religiosas) nos Sínodos dos bispos; a Irmã Veronica foi uma das três convidadas (dentro de uma quase totalidade de homens) a participar da cúpula sobre a proteção dos menores no Vaticano. E ela corajosamente denunciou os abusos sexuais sofridos por religiosos nos conventos e nas casas de formação na África. O seu convite é derrubar o muro do silêncio, "não ter medo, não cobrir as violências dentro da Igreja". Porque "sofrer não é normal": esta é a chave para sair do abuso psíquico e físico das mulheres.
Marcamos um encontro com as duas religiosas no antigo bairro de Monteverde, em Roma, entre as glicínias e as vilas art nouveau, na nova sede da Sociedade do Menino Jesus, toda vitrais e luz branca. A Irmã Verônica nos leva ao terceiro andar para admirar um espetacular terraço com vista para os telhados da metade da cidade, do Vittoriano ao Eur. Este é um "convento" decididamente não convencional, não só por sua decoração moderna e quadros nas paredes, mas também pelo ar de liberdade que se respira. "A Igreja é uma instituição antiga", começa a Irmã Sally, "muito hierárquica e patriarcal, onde os bispos não são eleitos por nenhuma assembleia, mas são designados de cima, e o próprio Papa é escolhido por um conclave de cardeais. É por isso que não podemos falar em democracia. Mas certamente podemos pressionar mais sobre a sinodalidade”.
Como podemos contar mais, hoje, como mulheres em uma Igreja que ainda é tão masculina e hierárquica?
Irmã Sally Hodgdon: Nosso compromisso é por uma circularidade e colegialidade cada vez maiores das decisões dentro da Igreja. Nós, irmãs, temos nossa integridade e não podemos sacrificá-la por nenhum motivo. Não devemos abdicar de nossos princípios: o que significa ser tenaz e resiliente quando necessário. A Igreja não é democrática, isso é um fato, mas esperamos que o Papa Francisco possa desempenhar seu serviço pelo maior tempo possível, porque está realmente fazendo um ótimo trabalho tentando trazê-la de volta ao espírito do Vaticano II e ampliar a participação para todo o povo de Deus, não só das mulheres.
Irmã Veronica Openibo: A Igreja não é claramente uma instituição democrática, mas espero que seja cada vez menos hierárquica e mais sinodal, e é por isso que insistimos em estar presentes durante os encontros no Vaticano. Quando encontramos os cardeais, os bispos e o próprio Papa, apresentamos nossas reivindicações. De dentro, nós, irmãs, podemos trabalhar juntas para orientar a Igreja em direção a uma nova direção. Quando o Papa foi eleito, ele imediatamente disse que não concordaria mais em usar o anel de ouro: "Eu pensei que tivesse sido escolhido como o sucessor de um pobre pescador da Galileia", disse Francisco, "não do Império Romano". Aqui está, nosso desafio é seguir o seu ensinamento.
Vocês registraram alguma mudança nos últimos anos, em relação com o espaço de autonomia das mulheres, religiosas ou não, na Igreja?
Irmã Sally: Sim, absolutamente sim. É preciso admitir que nos últimos nove anos houve algum progresso. Ainda mais desde 2012, notamos algumas melhoras: a Igreja masculina ouve mais a nossa voz. Podemos verificar isso concretamente.
Irmã Veronica: Sem dúvida. Cada vez mais leigos, leigas e religiosas são convidados a dar sua opinião durante os encontros internacionais. Isso também aconteceu na Comissão para a proteção de menores no Vaticano. Havia pessoas de grande experiência, muitas mulheres, leigas ou não: essa é a verdadeira face da Igreja. Violência e abusos não são uma coisa normal, não devem ser tolerados, mas se o convite para se sentir livre para falar sobre isso parte de cima, talvez seja mais fácil que alcance a base.
Irmã Sally: Mas se falamos de poder, então as mulheres não têm o suficiente. O direito de voto no Sínodo, por exemplo, não existe para nós. Naquele dos jovens, do qual participei, não pude votar. Sou superiora geral de uma grande congregação, meus confrades homens de congregações religiosas votavam e eu não. Eles eram padres e eu não. No entanto, é a participação que conta: os jovens, as jovens e as irmãs presentes fizeram a diferença no que diz respeito às emendas ao documento final. Nós éramos um grupo pequeno, mas propiciamos uma grande contribuição. É uma questão de conscientização: nós, religiosas, temos muitas capacidades e até mesmo diferentes dons, oferecemos nossos recursos para ajudar a Igreja, mas, em troca, gostaríamos da oportunidade de sentar às mesas. Em vez disso, muitas vezes temos que lutar para conseguir um espaço.
Então, existem progressos reais?
Irmã Sally: Depende de como você mede o progresso. Cada cultura tem seus parâmetros. Nos Estados Unidos, por exemplo, queremos ver mudanças instantâneas, tudo se move rapidamente e a tecnologia avança muito rápido. Mas a Igreja de Roma se move lentamente, através de pequenos movimentos. É simplesmente lenta. Mas se não houvesse divergências e desafios dentro da Igreja, seria sim um lindo sonho, mas também chato!".
A violência dentro da Igreja contra freiras e crianças foi escondida por muito tempo. Alguma coisa está mudando hoje?
Irmã Sally: Durante a última sessão plenária da UISG também falamos sobre casos de abusos contra freiras e crianças por parte de alguns padres. Nosso objetivo é construir uma atmosfera de confiança, dentro da qual as irmãs se sintam à vontade para compartilhar com suas superioras e coirmãs as horríveis violações sofridas. Encorajamos essas religiosas a denunciar a violência a seus líderes dentro das congregações. A UISG irá apoiá-las: a ideia é criar círculos de escuta em várias partes do mundo, onde as freiras abusadas possam encontrar ajuda profissional e pessoas válidas para acompanhá-las ao longo do caminho da cura.
E vocês irmãs, quão independente são do poder masculino? Quanta autonomia vocês consideram ter das hierarquias eclesiásticas?
Irmã Sally: Nossas congregações o são: nós temos um espaço de autonomia quase total do Vaticano. Certamente ele protege o patrimônio das congregações religiosas, há trâmites formais a respeitar, devemos comunicar quaisquer mudanças que fizermos à nossa Regra de Vida e nossas Constituições, bem como a aprovação do Capítulo geral, cujo relatório deve ser enviado ao Papa, etc. ... No entanto, no que diz respeito à vida do dia-a-dia, não há interferências. Não devemos pedir permissão a ninguém para fazer o que fazemos, nem mesmo aos bispos. No máximo, nos coordenamos com eles. Nas dioceses, temos a obrigação de informar os bispos sobre nossas atividades, mas isso não significa ser subordinadas. Uma vez inseridas em uma diocese, tentamos trabalhar juntos de maneira circular. Mas isso, para ser sinceras, nem sempre funciona. Depende dos bispos!
Irmã Veronica: Muitas vezes essa circularidade não funciona como deveria, porque as mulheres e os homens têm modelos de referência diferentes. Mas também há muitos bispos realmente generosos, alguns são como irmãos para nós e é possível dialogar com eles. É mais fácil quando se estabelece uma relação de amizade. Mas, em qualquer caso, para ser sincera, com os bispos italianos, aqui em Roma, nós madres superiores de uma congregação estrangeira não temos muitos contatos, nem oportunidades particulares para interagir, se não justamente para as questões mais práticas.
Que instrumentos vocês têm para se opor a escolhas que não compartilham?
Irmã Sally: Acredito que a maior independência que temos é que sempre podemos dizer não a qualquer momento e sair. Por exemplo, aconteceu em um dos países onde estamos presentes na missão, o tratamento de alguns religiosos em relação a nós não foi respeitoso, então, depois de várias tentativas de mediação, saímos. Nós não queremos que nossas coirmãs sofram ou tenham que sofrer abusos de poder, e se isso acontecer, nós vamos embora.
Irmã Verônica: Sim, eu também acredito que temos uma certa liberdade de manobra, depende da nossa coragem. Isso também se aplica à violência: quando vemos algo errado, precisamos falar, não ficar em silêncio.
Para mudar a Igreja, como mulheres, é melhor estar dentro ou fora?
Irmã Sally: Há espaço para as mulheres em ambas os lados: fora e dentro da Igreja. E nós precisamos dos dois lados. Quando se está dentro é possível tirar o melhor, podem ser colocadas sobre a mesa questões urgentes. Também notei que, em alguns temas, quando a mídia fala sobre determinados argumentos, sua voz pode ajudar a mudar as coisas. Às vezes, ao contrário, quem tenta mudar a Igreja de fora é muito negativo. A transformação acontece quando se derrubam os muros do túnel e a luz entra: é uma ideia nova que abre caminho ....
Irmã Verônica: Eu prefiro trabalhar de dentro, mas acho que deva haver uma convergência. A única coisa certa é que a transformação do coração e da mente diz respeito tanto aos homens como às mulheres. Porque diz respeito ao ser humano em geral e não apenas à Igreja. Se o outro nos toca profundamente com suas ideias, com sua experiência, pode haver uma conversão, uma transformação.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A ofensiva das religiosas. Entrevista com Sally Hodgdon e Veronica Adeshoa Openibo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU