03 Julho 2019
O convite para o almoço de Steve Bannon, o ex-assessor de Donald Trump, chegou-me via SMS, no domingo 19 de maio. Ele me convidou para acompanhá-lo em sua suíte no hotel Bristol, que segundo os jornais custa 8 mil euros por noite. Por que um americano da extrema direita católica procura um ateu de esquerda e homossexual declarado? Eu não poderia recusar-me a encontrar um dos estrategistas políticos mais conhecidos e um dos mais duros opositores do Papa Francisco.
O relato é de Frédéric Martel, sociólogo e jornalista francês, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 30-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em Roma, Steve Bannon está perto do Instituto Dignitatis Humanæ, uma associação e lobby discretos, do qual o cardeal Raymond Burke é presidente. O conselho administrativo reúne alguns dos prelados de orientação mais extremistas do Vaticano e dos círculos católicos fundamentalistas. O projeto de Bannon é criar uma escola de formação extremista no mosteiro de Trisulti, "A academia judaico-cristã ocidental". Burke e seu colaborador Benjamin Harnwell querem criar um movimento para empurrar a Igreja na "direção certa". Ou seja, contra as ideias do Papa Francisco.
No Hotel Bristol, Bannon começou por me elogiar por meu livro Sodoma: ele diz que ficou impressionado com a leitura e perguntou a um amigo jornalista em Roma se realmente 80% dos padres e cardeais no Vaticano são realmente gays. "Ele respondeu: você está errado, Steve, não são 80, mas sim 90", conta rindo.
Steve Bannon é inteligente e, no fundo, um libertário: sobre a moral sexual ele não tem nenhum tabu. Segundo ele, a batalha em Roma não deve ser travada sobre o tema da questão sexual, aliás, a Igreja deveria virar a página porque esse é um tema que divide.
Bannon não parece nada incomodado com a minha hipótese de que os principais cardeais da cúria sejam homossexuais. Também concordamos com o diagnóstico: a questão da moral sexual divide a Igreja, mas essa batalha não tem mais razão de ser, tornou-se esquizofrênica e hipócrita, visto o quanto a homossexualidade está difundida no Vaticano. Em todos os outros pontos, ao contrário, discordamos. Para Bannon é fundamental a luta contra a Europa federal, contra a imigração, contra o comunismo cubano-venezuelano e, obviamente, contra a China e o islã. E por estas razões, é preciso se opor ao Papa Francisco.
Em suas recentes entrevistas, Bannon lançou a ofensiva contra o Santo Padre com os tons que o caracterizam. Segundo ele, as hostilidades foram abertas por Francisco quando, durante sua viagem ao México, desafiou Trump celebrando uma missa na fronteira e denunciando aqueles que "constroem muros ao invés de pontes" e que, portanto, "não podem se chamarem de cristãos".
Hoje, Bannon ataca o papa como "aliado do partido de Davos" e por suas posições ecológicas: "O papa está politicamente posicionado, aderiu às ideias do establishment globalizado, incluindo as mudanças climáticas: é um verde, nem é mais de centro esquerda, é agora de extrema esquerda”. Segundo Bannon, o papa pertence ao ramo da Teologia da Libertação, o movimento pós-marxista nascido na América Latina que pregava uma "opção preferencial pelos pobres". Em uma recente entrevista ao NCRegister, Bannon disse que "a Igreja Católica é agora controlada por um grupo que vem da Teologia da Libertação, a escola de Frankfurt conquistou Roma, tudo o que fazem é inspirado em Gramsci: existe uma guerra pela hegemonia cultural". Quanto à China, Bannon se opõe com palavras muito duras à estratégia do compromisso desejada pelo Papa. O de Pequim, diz o ex-conselheiro de Trump,"é um regime totalitário" que está se tornando "um Estado em que a vigilância em massa dos cidadãos é sem precedentes na história". Com um país assim, "nenhum acordo secreto é possível". E se o papa tenta, "assine um pacto com o diabo".
Bannon também é crítico com a cúpula organizada no Vaticano em fevereiro contra os abusos sexuais: "Foi um desastre", mesmo que aqueles eventos estejam "corroendo" a Igreja e estejam prestes a se tornar "metástases". Mas o Papa, diz Bannon, não fez nada para efetivamente lutar contra os abusos.
A base para a guerra de Bannon contra o Papa, a academia "judaico-cristã" no mosteiro de Trisulti, está, no entanto, parada, bloqueada por um recurso administrativo. Mas ele garante: "O projeto já começou, a Academia já existe, vamos começar a formar pessoas". No mosteiro ou, se for impossível, em Roma.
A mais recente reviravolta foi a luta fratricida entre o cardeal Burke e Steve Bannon. Eu também, inadvertidamente, me encontrei envolvido na polêmica: um artigo do site de extrema-direita LifeNews contou minha discussão com Bannon sobre moral sexual e homossexualidade nos termos que resumi aqui. Burke disse que ficou chocado a ponto de decidir romper toda relação com Bannon (o artigo da LifeNews foi aprovado pelo próprio Bannon).
No final do longo almoço - mais de duas horas, nós dois sozinhos - ainda tenho dúvidas sobre as motivações de Steve Bannon. Por que quis se encontrar comigo? Quer dividir a frente de seus adversários? Queria informações para identificar os gays no Vaticano? Ele é homofóbico ou secretamente gay? Nada disso. Heterossexual e histórico, Bannon é bastante gay-friendly em privado. Mas em Roma enfrenta três batalhas nas quais precisa dos católicos: uma guerra contra o Islã e o nacionalismo chinês; uma defesa das raízes cristãs da Europa e, por fim, um desafio para aquele Papa demasiado progressista que, com suas posições sobre a pobreza, sobre a China e sobre o mundo árabe, se tornou seu inimigo natural.
Tanto que ele ainda seja o peixe piloto de Donald Trump nesta cruzada ou que esteja agindo sozinho, é claro que Steve Bannon está se preparando para as próximas lutas. Está no centro da guerra entre o Papa e o presidente norte-americano. Francisco é o adversário global de Donald Trump.
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Steve Bannon pronto para a cruzada: "O Papa é da extrema esquerda" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU