28 Mai 2019
Nos últimos cinquenta anos, a população das cidades cresceu exponencialmente, de modo que hoje a maioria dos homens e mulheres do mundo mora na cidade, nas megalópoles, a tal ponto que se pode afirmar que agora estamos na presença de uma grande cidade global. As populações abandonam inexoravelmente o campo e os espaços rurais para convergirem para essas imensas cidades que são lugares de transformação de identidade, de vida, de visões e de estilos: um verdadeiro laboratório da nova humanização. Este nosso século começou como época das cidades e é difícil prever seus resultados e direções.
O comentário é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, 05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A cidade é uma realidade que surgiu para proteger a humanidade e promover processos de humanização na sociabilidade. Isso se opõe ao perigo de um nomadismo que dessitua o homem e não lhe permite cuidar, trabalhar e "reinar" sobre a terra; opõe-se à absolutez do clã que fornece uma identidade aprisionada no espaço da similaridade e do parentesco; se opõe ao isolamento resultante de uma troca rara e do difícil encontro com os outros. A cidade foi e é o lugar por excelência para a construção e manifestação da humanidade, o lugar mais fecundo para a exaltação do ethos, precisamente porque construir uma cidade significa fazer uma obra arquitetônica ética, que molda a relação das pessoas entre si.
Mas, diante do fenômeno "cidade", os cristãos que a habitam e participam como cidadãos de sua construção, que relação conseguem tecer e que postura devem ter? A cidade é uma realidade que há pelo menos três milênios registra o confronto dos crentes no Deus de Abraão com ela e com o que ela representa no mundo. Não é fácil delinear essa relação vivida de forma diferente nas diversas épocas e áreas culturais. Seria possível afirmar que a cidade sempre carrega o sinal de ambiguidade e que o juízo sobre ela oscila entre a condenação da cidade violenta e homicida e a invocação da cidade da paz, uma cidade futura que parece poder resultar apenas como dom do outro.
Os crentes, portanto, são sempre habitantes da cidade, mas vivem dentro dela a condição de peregrinos e viajantes, e mesmo não tendo dívidas com ela, nunca se identificam com a cidade em que habitam. Nesse breve contributo, só poderei fazer alusões a algumas cidades que na Bíblia adquirem um valor emblemático e, consequentemente, podem oferecer uma mensagem eloquente para a nossa atualidade. Deve-se imediatamente constatar que nas primeiras páginas da Bíblia a cidade aparece sob um signo negativo. É Caim, o assassino fratricida, o primeiro construtor de uma cidade, que chama Enoque, como o filho que ele havia gerado (cf. Gen 4:17). Nessa afirmação há uma marca sombria, originada de uma cultura que julgava negativamente o fenômeno da urbanização e o abandono da vida nômade.
A cidade permite uma epifania do mal, da violência, muito mais do que a vida nômade ou rural, por isso é imediatamente assimilada às realidades dos submundos, as periferias infernais, da organização da criminalidade e do vício. Nas cidades nascem as artes, desenvolve-se as atividades artesanais, mas a prostituição também se estabelece mais facilmente (cf. Gen 4, 21-22). Por essa razão, foi possível repetir com tristeza: "Deus fez o primeiro jardim, Caim fez a primeira cidade". Precisamente nessa visão pessimista da cidade, sempre dentro dos primeiros capítulos do Gênesis, para denunciar o pecado social é descrita a construção por parte dos homens da cidade de Babel, "portão de Deus" (cf. Gen 11,1-9). Babel é a cidade que se volta contra Deus, a cidade idólatra que quer ocupar o céu, negar o Deus vivo e celebrar o homem; é a cidade totalitária e autossuficiente, a megalópole que, em vez de subjugar a terra, sobe ao céu; é a cidade da alienação, que cria escravos, oprimidos e nega toda alteridade e diversidade. Essa cidade, que sabemos ter sua mais alta encarnação no império totalitário da Babilônia, assume um valor simbólico na Bíblia: os profetas a condenam, pressagiam "problemas" e advertências, pregam sua destruição.
Os crentes deverão, portanto, sempre se opor a Babel, encarnada no poder totalitário e violento dos babilônios, dos assírios, dos soberanos helenistas e do imperialismo romano ... Para Isaías, Jeremias e os outros profetas, até o Apocalipse de João, a cidade de Babel/Babilônia reúne em si todas as perversões da história e as alienações da humanidade oprimida. Mas diante da Babilônia, eis o anúncio da cidade de justiça e da paz, Jerusalém, a cidade de Deus porque desejada por ele, dotada de uma vocação centrípeta para todos os povos e populações, vocação para a comunhão, para a unidade e fraternidade: é "a cidade de Deus com os homens" (cf. Ap 21, 3). Por quatrocentos anos, Jerusalém foi a cidade do Messias, aquela em que Deus havia colocado sua presença no templo construído por Salomão. Foi depois destruída pelos babilônios em 587 a.C. e depois reconstruída de acordo com a profecia e a vontade do seu Senhor, para ser sinal de uma cidade que desce do alto, cujo arquiteto e construtor é apenas Deus (cf. Hb 11:10). A última parte do livro de Isaías (cf. Is 56-66) contém um hino profético para a nova Jerusalém, a cidade umbigo de toda a terra, lugar de encontro para todos os povos e todas as culturas, na qual reconhecerão a presença do único Senhor, o Vivo, o Deus de Israel.
O Apocalipse de João, fechamento e selo de toda a revelação bíblica, dedica significativamente seus últimos capítulos ao juízo sobre a Babilônia (cf. Ap 17-20) e à vinda gloriosa da Jerusalém celestial (cf. Ap 21-22): uma cidade gloriosa, onde o sol não se põe; onde não há mais morte nem choro ou violência; onde Deus enxuga as lágrimas dos olhos dos seres humanos e vive para sempre com eles, junto com o Cordeiro, vítima na história, mas vivente e reinante nessa cidade santa que acolhe toda a humanidade. Enquanto isso, os crentes vivem predispondo tudo para o advento dessa Jerusalém que desce do céu, ou seja, do reino de Deus, Vivem nas cidades que lhes couberam pela sorte; vivem como estrangeiros e peregrinos (cf. Hb 11,13; 1Pd 2,11), sem serem poupados da solidariedade e da companhia dos homens; vivem dando o testemunho da sua participação na vida da cidade terrena, a pólis, mas sabendo que a sua cidadania está no céu (cf. Fp 3.20).
Todos elementos trazidos à luz pelo esplêndido texto das origens cristãs que é o A Carta a Diogneto. Sim, os cristãos vivem em Babel, mas se opõem à idolatria que a inspira; vivem em Sodoma, mas resistem à tentação de não hospedar, aliás, de devorar e explorar os estrangeiros que chegam às cidades; vivem na Babilônia e em Roma, mas indicam caminhos para uma convivência agradável, boa e pacífica. E fazem isso até pagar um preço alto: aceitam, se necessário, serem expulsos das cidades, serem perseguidos dentro delas. Sua vocação como cristãos, de fato, os impede de desertar, de se isolarem da cidade terrena que é sempre Babilônia e, ao mesmo tempo, Jerusalém.
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Os cristãos entre Babel e Jerusalém - Instituto Humanitas Unisinos - IHU