22 Mai 2019
"Atualmente, milhões de pessoas morrem a cada ano em todo o mundo vítimas de doenças transmitidas pelas águas contaminadas. A falta de água adequada para o consumo mata mais crianças do que a violência, segundo a UNICEF. Como Jesus se comportaria diante de situações tão aviltantes como estas que estamos vivendo em nossos dias?", escreve Flávio José Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e Pós doutorando no PROCAM-IEE/USP, em artigo publicado por EcoDebate, 21-05-2019.
Diante das notícias recentes do envenenamento das nossas águas com agrotóxico em um quarto das cidades brasileiras, o que teria a experiência de Jesus e a sua relação com a água, um dos elementos essenciais à vida neste planeta, a nos ensinar?
Tendo crescido em uma região semiárida, Jesus sabia da importância da água para o seu povo. Por isso mesmo ele a utilizou como referência em alguns dos seus ensinamentos para facilitar o entendimento de quem o escutava. Um exemplo claro é quando diz que “…aquele que beber da água que eu der, nunca mais terá sede” (Jo 4,14). Outro exemplo é o relato do seu primeiro milagre que tem a água como protagonista quando a transforma em vinho durante uma festa de casamento em Caná (Jo 2, 1-12).
Uma das primeiras cenas da jornada de Jesus rumo a sua missão e ao encontro dos pobres é o seu batismo realizado por João Batista (Mt 3, 13-17). Este ato é repleto de simbolismo pela sua humildade, pois com este gesto ele se coloca ao lado de todas as pessoas deserdadas daquela sociedade e que estavam juntando-se ao grupo de João Batista. Passados mais de dois mil anos o rio Jordão, que foi o palco para este encontro, está sofrendo com a construção de canais de transposição para irrigação e recebendo toneladas de esgotos diariamente. Aos que hoje vão o rio Jordão com a intenção de repetir o gesto de Jesus com o ritual do batismo, a contaminação por alguma doença pode ser um dos resultados do contato com aquela água. Difícil imaginar João batizando as pessoas naquele rio hoje em dia.
Jesus viveu em uma região que ficava em torno do Lago da Galileia onde os mais pobres e estrangeiros tiravam o seu sustendo com a pesca. Alguns dos seus discípulos vinham desta região e eram pescadores. Infelizmente este lago, que foi cenário de várias pregações de Cristo, está sofrendo o impacto do modelo de desenvolvimento do agronegócio industrial com os campos de irrigação. Ambientalistas denunciam que a contaminação com agrotóxicos é tamanha que é aconselhável aos turistas que vão aquela região não se banharem nele. Seu nível também está baixando devida a retirada de suas águas de forma desordenada para irrigar as plantações.
Além dos problemas citados acima, há também o conflito entre Israel e a Palestina que envolve a água e tem causado opressão e morte. Devemos começar a refletir porque o atual governo brasileiro tem a gestão da água de Israel como modelo quando aquele país trata dessa maneira os seus mananciais.
A água, símbolo de compromisso através do ritual do batismo em tantas religiões, está sendo privatizada, mercantilizada, poluída e menosprezada em todo o planeta. O Papa Francisco, em sua famosa encíclica Laudato Si[1] nos adverte que, enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições econômicas para prover de água limpa e saneamento as populações mais pobres.
Como cristãos podem reverter este quadro e fazer com que a água seja fonte de vida e não de opressão e morte? Atualmente, milhões de pessoas morrem a cada ano em todo o mundo vítimas de doenças transmitidas pelas águas contaminadas. A falta de água adequada para o consumo mata mais crianças do que a violência, segundo a UNICEF. Como Jesus se comportaria diante de situações tão aviltantes como estas que estamos vivendo em nossos dias? É hora de começarmos a campanha Direito à Água como um direito universal “para que todos tenham vida, e vida em abundância”.
Notas:
[1] Leia Laudato Si acessando aqui.
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Jesus, água e agrotóxicos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU