06 Abril 2019
"A construção dos bodes e das conspirações é uma arma política formidável porque divide a sociedade unindo amigos contra inimigos. Assim nascem os "partidos da nação" que se mobilizam contra os antinacionais, isto é, os internacionalistas e os cosmopolitas, e contra os invasores. Surgem os populistas que pretendem falar em nome de todo o povo, de nós, em nome 'dos italianos', e proclamam que eles vêm antes de todos os outros", escreve Gustavo Zagrebelsky, jurista e ex-presidente da Corte Constitucional da Itália, em artigo publicado por La Repubblica, 28-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O medo é o fio condutor da nossa história, desde a época dos grandes conflitos na Europa, da "guerra civil de religião", dos conflitos de classe e da chamada guerra civil europeia do século passado até nós e ao ressurgimento do nacionalismo, do chamado soberanismo e do racismo, que se denomina de "suprematismo branco".
As instituições que criamos, começando pelo Estado, são filhas do medo, certamente não da confiança. No Estado há algo paradoxal e contraditório: tem suas raízes no medo e visa combatê-lo. A segurança é sua razão de ser. E como faz isso? Através da concentração, poderíamos dizer, da "administração do medo" em suas mãos. Se, por hipótese utópica, o Estado finalmente vencesse sua batalha contra o medo, não teria mais razão para existir. Pelo contrário, a disseminação do medo nada mais faz que reforçar essa administração.
O círculo vicioso das sociedades temerosas reside nisto: a solução é buscada em outro medo, em um medo maior que prevaleça sobre os menores. Esse é o paradoxo das instituições humanas: para neutralizar o medo, um medo maior é criado. Quanto maior o medo, mais a demanda por um medo maior cresce e, por essa razão, existe a disposição a fazer muitos sacrifícios em relação a direitos e liberdades. Você me protege e, em troca, eu lhe entrego a submissão. Quanto mais temo, mais estou disposto a me submeter, pois, segundo as aspirações democráticas, associamos o consenso ao medo. Mas, isso é um acréscimo. A raiz não sumiu. O consenso entra na equação, mas como um penúltimo componente; o último é o medo.
Se hoje o tema do medo domina as discussões sobre a crise da democracia, é apenas o afloramento de um elemento primordial em todas as sociedades. É até supérfluo recordar que a mais famosa representação da essência do Estado moderno, elaborada em tempos de lutas internas ferozes por territórios em que estavam coexistindo crenças religiosas e políticas implacavelmente inimigas, teve em seu centro o problema da libertação do medo. O Leviatã foi uma filiação do medo. Hoje, os medos se multiplicaram, por exemplo, devido à disponibilidade de recursos naturais essenciais que são escassos e pelas chamadas identidades culturais ameaçadas pelo dito multiculturalismo.
Antigamente o medo se referia ao presente, hoje é ao presente e ao futuro. Portanto, entre todos os componentes da convivência humana, o medo é o mais determinante. Se distinguirmos o medo difundido como veneno social do medo concentrado como ferramenta de dominação política, podemos dizer que sem o primeiro, o segundo teria uma vida difícil, porque se mostraria em sua total arbitrariedade, seria desprovido de legitimidade, teria que se sustentar pela pura força sem justificação. Em última análise, os "regimes fortes" não se baseiam na força, mas no medo, porque o medo invoca a força e a torna não apenas tolerável, mas também desejável. Tempo de medos, tempo de autoritarismos.
A história é um testemunho generoso de exemplos, mas também o é a atualidade. A internalização e a globalização do medo estão avançando. E o medo nos torna todos piores. Salve-se quem puder. Primeiro nós, os outros ao mar. O medo é intolerante porque leva à barbárie do bode expiatório e à teoria da conspiração. Primeiro foram os cristãos, depois os judeus, depois os hereges e os satanistas, depois os maçons, depois os grupos de negócios, depois os socialistas; finalmente os migrantes invasores, manobrados por obscuras potências.
A construção dos bodes e das conspirações é uma arma política formidável porque divide a sociedade unindo amigos contra inimigos. Assim nascem os "partidos da nação" que se mobilizam contra os antinacionais, isto é, os internacionalistas e os cosmopolitas, e contra os invasores. Surgem os populistas que pretendem falar em nome de todo o povo, de nós, em nome "dos italianos", e proclamam que eles vêm antes de todos os outros. Fazem do medo alheio sua própria força: a divisão amigo-inimigo é a maior e a máxima e mais cruenta representação e, ao mesmo tempo, legitimação e constitucionalização da violência como matéria e instrumento de ação política.
É pleno de significado que aquela doutrina, que é mantida viva nas diatribes dos doutos como nas banalidades e nos clichês, e às vezes nas ações de tantas pessoas, tenha sido elaborada entre as duas grandes guerras, na época da chamada "guerra civil europeia". Esta justificava a ideia de política como "integração", uma palavra que é em si mesma bastante inocente, aliás, pacífica, se simplesmente indica o ideal da convivência dos distintos, mas que se torna uma palavra terrível quando implica a existência de "não integráveis".
Os não-integráveis, de fato, devem ser mantidos à margem, privados de direitos, rejeitados e perseguidos e, se necessário, eliminados. Estabelecer quem são os inimigos, os não-integráveis, é "operação soberana" que usa argumentos ou fantasmas extraídos de diferenças e preconceitos étnicos e raciais, religiosos, políticos, nacionais, etc. Que o mundo não seja uniforme, de acordo com os critérios agora citados, é um dado de fato e, para alguns (inclusive este escritor), também uma qualidade positiva a ser preservada.
A democracia não conhece aquele tipo de soberania porque é justamente uma forma de convivência para enfrentar as diversidades respeitando-as. Quando, ao contrário, as diferenças de um dado fato são transformadas em medos e obsessões, se tornam um terreno fértil para a violência. É fácil entender que os inimigos da democracia alimentem tal fogo. O medo, além disso, é um ingrediente essencialmente antipolítico, pelo menos na forma como a política é entendida na democracia moderna.
Ao contrário das concepções antigas segundo as quais a política era a arte da "boa governança" da polis, nas concepções democráticas atuais por política se entende a escolha de fins e a competição para persegui-los. Pois bem, quando o medo domina, essas coisas se tornam um luxo que não se pode pagar. Diante do perigo iminente, a política se cala, os políticos se calam, aliás, os "politiqueiros" e antigas categorias como "direita" e "esquerda" são postas de lado. Existem apenas mais fatos nus que, como dizem, não são nem de direita nem de esquerda, contra os quais é proibido dividir-se.
O antídoto para o medo é a confiança. É difícil dizer se pode ser considerado mais "natural" o medo ou a confiança. No entanto, sabemos com certeza que existem fases históricas nas quais o medo e o discurso de ódio prevalecem. Esta é uma dessas. O "politicamente correto” é uma acusação à qual poucos sabem rebater. Sobre o valor da confiança poucos têm consciência, talvez porque ela esteja implícita na democracia, um regime político baseado na promessa tácita de confiar uns nos outros, isto é, de não enganar e não tentar subjugar uns aos outros. Claro, não há necessidade de falar sobre as coisas óbvias.
Na linguagem política e jurídica, porém, a confiança aparece com palavras eticamente exigentes, como fraternidade e solidariedade. Uma vez que essas paixões existem ou não existem, mas evidentemente não podem ser impostas por lei, as palavras relativas são relegadas à linguagem adocicada, consolatória, precisamente aquela politicamente correta dos que fazem sermões constitucionais. No entanto, se as olharmos do ponto de vista social, são plenas de conteúdo. Assim como todo agricultor tem que se preocupar não só com a saúde das plantas, mas também e sobretudo com a boa qualidade do solo, a democracia precisa de boas instituições, mas principalmente de ter boa qualidade de seu húmus social. Aqui, na medida em que se deseja viver em paz, somos chamados em causa. Todos nós, sem exceção.
A passividade, a indiferença, a estranheza, o "não cabe a mim" são a tentação a que se cede facilmente para viver em paz. "Não me cabe, de novo": lembramo-nos das palavras proferidas por um pastor protestante, Emil Martin Niemöller, num período sombrio e terrível da história que está logo atrás de nós. "Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os socialdemocratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era socialdemocrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse".
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Como salvar a democracia do medo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU