21 Março 2019
Um professor do Dartmouth College que diz ser um religioso agnóstico, mas cujo trabalho se concentrou nas ligações entre a ciência e os mistérios da Criação, é o vencedor do Prêmio Templeton de 2019.
A reportagem é publicada por Religion News Service, 19-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Marcelo Gleiser, 60 anos, natural do Brasil, é o primeiro latino-americano a ganhar o prestigioso prêmio, que homenageia um indivíduo “que fez uma contribuição excepcional para afirmar a dimensão espiritual da vida, seja por meio de uma intuição, descoberta ou trabalhos práticos”, diz a Fundação John Templeton, sediada em West Conshohocken, Pensilvânia.
Marcelo Gleiser | Foto: Dartmouth College/Eli Burakiae/Divulgação
Gleiser, que é professor da cátedra Appleton de Filosofia Natural e professor de Física e Astronomia no Darmouth College, em Hanover, New Hampshire, ganhou a honraria por ser “uma voz proeminente entre os cientistas, passados e presentes, que rejeitam a noção de que apenas a ciência pode levar a verdades últimas sobre a natureza da realidade”, anunciou a fundação no dia 19 de março, ao anunciar o prêmio. “Em vez disso, em sua carreira paralela como intelectual público, ele revela os vínculos históricos, filosóficos e culturais de estar vivo”.
Embora Gleiser se descreva como agnóstico, ele é um crítico declarado do ateísmo.
“Eu vejo o ateísmo como um modo de ser inconsistente com o método científico, pois ele é, essencialmente, a crença na não crença”, disse Gleiser em uma entrevista em 2018 à Scientific American. “Você pode não acreditar em Deus, mas afirmar a sua inexistência com certeza não é cientificamente consistente.”
A fundação ressalta que a pesquisa de Gleiser “examinou uma ampla gama de tópicos, desde o comportamento de campos quânticos e partículas elementares até a cosmologia do universo primordial, a dinâmica das transições de fase, a astrobiologia e novas medidas fundamentais de entropia e de complexidade baseadas na teoria da informação”.
Um marco em sua obra científica foi a descoberta, em 1994, dos “oscilos”. Trata-se de “pequenos ‘nódulos’ de energia de vida longa feitos de muitas partículas”, observou a fundação, e Gleiser continua trabalhando sobre as suas propriedades.
Em uma entrevista ao RNS antes do anúncio, Gleiser disse que reagiu com descrença quando lhe disseram que ele havia ganhado o prêmio, que oferece 1,1 milhão de libras esterlinas (1,45 milhão de dólares ou 5,5 milhões de reais). Ele afirmou: “Estou profundamente comovido e honrado com isso”.
Heather Templeton Dill, presidente da Fundação John Templeton, cujo falecido avô, filantropo e investidor, Sir John Templeton, criou o prêmio em 1972, disse em um comunicado que Gleiser “encarna os valores que inspiraram meu avô a estabelecer o Prêmio Templeton e a criar a Fundação John Templeton”.
“Dois valores que foram especialmente importantes para ele e que são o foco de vários subsídios da Fundação são a busca da alegria em todos os aspectos da vida e a profunda experiência humana da contemplação.”
Templeton Dill acrescentou: “O trabalho do professor Gleiser exibe uma inegável alegria da exploração. Ele mantém o mesmo senso de reverência e de admiração que experimentou pela primeira vez quando criança, na praia de Copacabana, contemplando o horizonte ou o céu estrelado à noite, curioso sobre o que estava além”.
“Como ele escreve no livro de 2014 ‘A Ilha do Conhecimento’, ‘a contemplação é a ponte entre o nosso passado e o nosso presente, que nos leva para o futuro enquanto continuamos pesquisando’.”
Gleiser nasceu no Rio de Janeiro em uma importante família judaica, tendo recebido uma educação conservadora em escola hebraica, de acordo com um perfil biográfico fornecido pela fundação.
O perfil também observa que “as histórias do Antigo Testamento, ensinadas como história literal, provocaram em Gleiser uma mistura de fascinação e medo, resultando em um crescente ceticismo em relação aos textos antigos”.
Gleiser é bacharel em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1981. Um ano depois, fez um mestrado em Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Obteve um doutorado em Física Teórica no King’s College de Londres em 1986.
Embora tendo publicado amplamente em revistas acadêmicas, Gleiser também assumiu o papel de intelectual público, cofundando o blog “13.7: Cosmos and Culture”, da National Public Radio, e escreveu uma coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo, o maior jornal do Brasil. Ele também narrou a edição latino-americana da série de documentários de quatro partes intitulada “O Universo conhecido” para o canal National Geographic.
Em um agradecimento em vídeo do prêmio, Gleiser disse que o “caminho para o entendimento científico e a exploração científica não tem a ver apenas com a parte material do mundo”.
“Minha missão é trazer de volta para a ciência e para as pessoas que se interessam por ciência esse apego ao misterioso, fazer com que as pessoas entendam que a ciência é apenas mais uma maneira de nos envolvermos com o mistério de quem somos.”
A Fundação Templeton ressalta que, ao longo dos anos, Gleiser tornou-se cético em relação aos pronunciamentos de que “a física resolveu a questão da origem do universo. Ele também rejeitou cada vez mais as alegações de colegas cientistas que afirmavam a irrelevância da filosofia ou da religião”.
Gleiser disse ao RNS que essa posição, assim como o seu agnosticismo, deriva da sua crença de que “a ciência tem que mostrar uma alma” e que, no fim, tanto a religião quanto a ciência “compartilham a mesma semente”.
“Você deve manter a mente aberta”, disse. “O mistério (sobre o universo) permanece.”
Gleiser disse que seus esforços futuros incluirão um foco nos desafios que a humanidade e o planeta enfrentam, incluindo a ameaça existencial das mudanças climáticas.
“A Terra é um lugar muito especial”, disse ele ao RNS. “A vida é única, e a vida inteligente é rara.” Como tal, disse Gleiser, “precisamos de uma nova moral para o século XXI (baseada na crença) de que toda a vida é sagrada e devemos olhar para além do tribalismo que nos rodeia”.
Ao vencer o Prêmio Templeton, Gleiser se soma a companheiros de destaque. O vencedor do Templeton de 2018 foi o Rei Abdullah II da Jordânia, que foi homenageado pelo seu compromisso com a promoção do diálogo inter-religioso e por afirmar a tradição da paz no Islã.
Outros vencedores incluem a Madre Teresa, Alexander Solzhenitsyn, Billy Graham, Desmond Tutu e o Dalai Lama, assim como uma distinta lista de cientistas, incluindo Martin Rees, John Barrow, George Ellis, Freeman Dyson e Paul Davies.
Gleiser receberá formalmente o prêmio em uma cerimônia pública em Nova York no dia 29 de maio.
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Físico brasileiro, conhecido por duvidar dos céticos, vence o Prêmio Templeton de 2019 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU