17 Fevereiro 2019
Ministros da pastoral gay da Holanda publicaram uma carta aberta ao Papa Francisco, protestando contra o banimento de padres homossexuais pelo Vaticano, e alegando que a credibilidade do Evangelho está em perigo pela atitude da Igreja sobre a homossexualidade.
O artigo é de Robert Shine, publicado por New Ways Ministry, 15-02-2019. A tradução é de Natália Froner dos Santos.
O Grupo de Trabalho dos Pastores Gays Católicos (WKHP), que representa mais de 40 padres homossexuais, diáconos e ministros leigos da Holanda, escreveu a carta, datada de 9 de outubro de 2018, e assinada pelo presidente Frans Bossink, publicada em seu sítio esta semana. Este comunicado chega à frente da cúpula do Vaticano sobre abusos sexuais do clero, que começa na próxima semana.
Em questão na carta, está a atual proibição do Vaticano de aceitar homens gays no sacerdócio, que o Papa Francisco reafirmou em 2016, uma política sobre a qual os membros do grupo de trabalho estão "profundamente infelizes".
O grupo listou seis objeções à proibição de padres homossexuais.
Primeiro, a proibição do Vaticano “ignora completamente” a realidade de que já há inúmeros padres gays no ministério, o que “sempre foi o caso”.
A carta continua:
“Neste documento padres homossexuais recebem, implicitamente, a mensagem de que (a) eles não servem para esse trabalho por conta de sua orientação sexual, e (b) eles nem deveriam ter se tornado padres. Essa mensagem pode ser entendida facilmente por eles como uma desqualificação, portanto, pode ser onerosa e desmotivadora em relação ao seu ofício como sacerdotes. Certamente, é como nós mesmos sentimos o documento.”
A real questão, de acordo com o grupo, não é a orientação sexual, e sim sobre como sacerdotes e homens em formação lidam com sua sexualidade:
"Seminaristas e sacerdotes heterossexuais e homossexuais que estão cientes da natureza de sua sexualidade, que a aceitam como dada por Deus, que não se envergonham, que podem (aprender a) falar sobre isso de maneira apropriada e significativa, e que podem (aprender a) lidar com isso adequadamente em seu papel como sacerdote (ou seminarista), não são o problema em nossa opinião. Pelo contrário, eles podem e funcionam bem, e têm um papel valioso a desempenhar dentro de nossa Fé e Igreja.
“Seminaristas e padres que negam ou reprimem sua sexualidade para si e para os outros, têm mais chances de manifestar-se como sendo eles o problema, no contexto de nossa Fé e Igreja. Uma séria de desequilíbrios, abusos e condutas inapropriadas para com os outros e consigo mesmos pode ser o resultado.”
A carta do grupo pastoral responsabilizou o Vaticano, e potencialmente o próprio Papa, de acreditar que padres abertamente homossexuais são os responsáveis por abusos sexuais do clero. A carta desafia esse mito:
“Nós acreditamos que a atual crise a respeito do contexto [da homossexualidade] é principalmente o resultado de desaprovação, repressão, negação e a fraca integração da sexualidade, e especialmente da homossexualidade, por parte de muitos padres individuais e dentro de nossa Igreja como um todo. Uma pessoa é simplesmente incapaz ou não está disposta a discutir, ou é proibida de mencionar, exceto dentro do sacramento da confissão. Em nossa opinião, isso é prejudicial para a Igreja como um todo e para os próprios sacerdotes (gays) em particular".
Os membros do grupo ampliaram seu escopo ao sugerir que a abordagem da Igreja em relação à homossexualidade indica problemas mais amplos:
“Nossa avaliação é que a maneira pela qual nossa Igreja Católica Romana lidou com pessoas homossexuais, falou e escreveu sobre isso até os dias de hoje, não é algo que tenha sido recebido positivamente na Holanda. Isto é igualmente verdade para não-católicos, tanto quanto para os católicos. A pregação do evangelho e sua credibilidade é e continuará sendo afetada negativamente com essa atitude em relação à homossexualidade”.
A carta termina com um apelo ao Papa Francisco para intervir e derrubar a proibição do Vaticano sobre o sacerdócio de homossexuais, juntamente com membros expressando sua vontade de encontrar-se com o Papa ou seus representantes para continuar a discussão.
A questão dos sacerdotes gays talvez seja levantada durante a cúpula de fevereiro, já que o debate da homossexualidade está relacionado com a pauta dos abusos sexuais. A própria liderança de Francisco tem sido sombria. Em 2013, ao ser perguntado sobre o assunto, ele deu sua famosa declaração “Quem sou eu para julgar?”. Em maio de 2018, foi relatado que o Papa disse a bispos italianos para “manter seus olhos abertos” sobre estes candidatos e “quando houverem dúvidas, melhor não deixá-los entrar”. Então, em dezembro, em uma entrevista, o Papa falou que a existência de padres gays é “algo que me preocupa”. Os holandeses estão certos em pedir que Francisco seja mais claro sobre o que ele pensa sobre a questão dos padres gays.
Enquanto isso, as opiniões dos bispos sobre homossexualidade e o clero são mistas. A situação da Alemanha exemplifica essa divisão: algumas autoridades disseram que aceitarão gays no seminário, enquanto bispos do alto escalão promovem discursos homofóbicos. Muitos católicos rejeitam as teorias que ligam sacerdotes homossexuais aos abusos, mas, como Jamie Manson, do National Catholic Reporter, apontou recentemente, o Vaticano ainda confia na ciência do lixo desmistificada em suas políticas.
O diretor executivo do New Ways Ministry, Francis DeBernardo, sugeriu ao Metro Weekly que parte dos ataques negativos contra padres gays pode estar ligada a ataques de direita contra o papa:
“Existem defensores anti-gays na Igreja que têm, há muito tempo, acreditado no mito de que se você é gay, é também sexualmente ativo, o que é uma definição totalmente ignorante e irresponsável. Aqueles que pedem o bode expiatório de padres gays são os mesmos que querem derrubar o papado do Papa Francisco, porque o veem como muito liberal. Fazer a acusação de que ele está protegendo padres gays é uma maneira de enfraquecer sua autoridade. E isso funciona, pois, como provar que não existem padres gays? É como o bicho papão no armário. Se você mencioná-lo, está assumindo que ele é real”.
Como esses debates vão se desenrolar na próxima semana, de fato, se eles serão levantados, não está claro. Francis DeBernardo, da Bondings 2.0, estará fazendo reportagens de Roma com qualquer evolução. Mas por enquanto, é um sinal de esperança e bem-vindo à Igreja que esses ministros holandeses se manifestem publicamente em defesa dos padres gays que oferecem tanto ao povo de Deus.
O New Ways Ministry relançou nossa campanha “O Dom das Vocações dos Sacerdotes Gay” para mostrar nosso apoio aos homossexuais e religiosos que fielmente, respeitosamente e eficazmente serviram ao Povo de Deus, e para pedir aos líderes da igreja que acabem com as falsidades e acabem com a proibição de padres gays.
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Holanda. Ministros da pastoral gay publicam carta aberta ao Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU