21 Janeiro 2019
A denúncia por abuso sexual contra o já falecido sacerdote – apresentada pela Comissão de Escuta, que está sob a responsabilidade de D. Charles Scicluna – golpeou novamente uma já cambaleante Igreja Católica e abriu um novo campo de investigação, desta vez, na Congregação Jesuíta que, até quinta-feira, estava de fora do escândalo de abusos sexuais contra menores que assola a milenária instituição.
A reportagem é de Claudia Carvajal e Camilo Villa e foi publicada por Diario UChile, 18-01-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Na tarde desta quinta-feira, a Companhia de Jesus informou publicamente sobre o início de um processo canônico contra um de seus sacerdotes mais emblemáticos, Renato Poblete Barth, depois de ter recebido uma denúncia por “abusos de caráter grave no âmbito sexual, de poder e de consciência”, conforme pode ser lido no comunicado da ordem religiosa.
A notícia sacudiu todo o país, e com razão. O sacerdote Renato Poblete foi uma ilustre figura durante as duas décadas em que esteve no comando do Hogar de Cristo (1982-2000), pois, durante sua gestão, a instituição fundada por Alberto Hurtado viveu um crescimento exponencial, passando de sete residências para 50 em todo o Chile. O capelão ficou conhecido como o “empreendedor da solidariedade”.
A descrição que a própria instituição de beneficência fez dele evidencia o papel desempenhado por Poblete. “Em 1982 trabalhavam 162 funcionários e em 2000, eram 3.200; de 85 voluntários passou-se para 5.000. De 350 assistidos por dia se chegou a 22 mil. São apenas números, mas que denotam, em parte, o imenso trabalho realizado pelo padre Renato. Ele assumiu o Hogar de Cristo quando era uma pequena obra e a converteu em uma grande empresa, reconhecida, respeitada e admirada por sua eficiência.
Em uma pesquisa envolvendo esses anos, a instituição alcançou 86% de confiabilidade, o que dá conta da imagem que se conseguiu projetar com esta obra. As pessoas não só conheciam o Hogar de Cristo, como aprendiam a gostar e a ajudar o lugar” se lê no texto escrito logo depois da notícia do falecimento do jesuíta, em fevereiro de 2010.
Foi a própria Companhia de Jesus que entregou, de motu proprio, a informação sobre o processo canônico contra o religioso falecido, o qual teria iniciado pela denúncia de uma mulher que afirma ter sido vítima de abusos sexuais por parte de Renato Poblete, fatos que teriam ocorrido entre 1985 e 1993, quando a denunciante era menor de idade. “Em meio à comoção que esta notícia nos causou, reiteramos nosso compromisso de colocar todos os meios que estão ao nosso alcance para dar garantias de que esta denúncia será investigada com rigorosidade”, finaliza o comunicado publicado na quinta-feira na página da congregação católica na internet.
Sobre o caso, o sacerdote jesuíta e pesquisador do Centro Teológico Manuel Larraín, Jorge Costadoat, destacou à Rádio e Diário Universidad de Chile estar profundamente abalado pela notícia. “Estou atordoado. Estou muito arrasado. Renato foi um amigo querido. Mas com tudo o que vimos nos últimos anos, a tendência é de acreditar nas vítimas. Está sendo acusada uma pessoa que não pode mais se defender. Está morta, mas me uno à pessoa que pede a verdade e a justiça. Me dói ver sua situação. Espero que ela tenha força de seguir adiante com sua denúncia e que encontre todas as ajudas necessárias para contar o que lhe aconteceu. Espero que a investigação seja muito séria”, manifestou o religioso.
Assim como Jorge Costadoat, são muitos os que estão realmente afetados pela notícia. Para o historiador e especialista em Igreja Católica, Marcial Sánchez, a situação é compreensível, levando em conta que o acusado era uma referência na Igreja chilena. Assim, o acadêmico manifestou que nada mais o surpreende da instituição eclesiástica.
“Afeta porque atinge uma das pessoas que foi um marco na história dos jesuítas no país e não somente nos jesuítas, mas em âmbito nacional. Neste sentido, dentro da Igreja Católica em seu conjunto, depois da profunda crise que a igreja chilena está vivendo, e depois de ter conhecido casos como os do padre Cristián Precht, começando uma investigação a respeito do padre Poblete, pode-se esperar qualquer coisa, considerando o que está acontecendo na igreja católica chilena, a respeito dos abusos de poder, de consciência, e também sexuais”.
Nesse sentido, o especialista manifestou que qualquer sacerdote importante envolvido em casos de abuso não representa realmente um pilar da igreja, mas um pilar falso que, de qualquer maneira, iria cair um dia.
“A Igreja, efetivamente, tem pilares, que são seres humanos e que de uma ou outra forma tem dado conta da mensagem de Cristo. Esses pilares, hoje em dia, estão sendo mexidos, e estão sendo tocados por estas investigações realizadas, e isso é excelente, porque qualquer instituição que tenha pilares falsos não serve para nada, cai como um castelo de cartas. Portanto, e obviamente, esses não são os verdadeiros pilares; provavelmente há outros sacerdotes que a própria história não resgatou como mereciam e, eles sim, são os verdadeiros pilares”.
Diferente de outros casos em que há denúncias de abuso, desta vez foi a própria ordem religiosa que tornou pública a situação. Sobre isso, Marcial Sánchez alegou que é um precedente de valor que mostra a seriedade e o compromisso dos jesuítas.
“Acredito que o fato de que tenha sido a própria Companhia de Jesus que tenha divulgado o fato e que não tenha saído na imprensa ou em outra via primeiro, fala muito bem do tema em termos de respeito pela vítima. Provavelmente a vítima tenha ido a diversas instâncias para denunciar e nunca foi ouvida, mas neste caso, a Companhia atendeu a denúncia no sentido da visibilidade do fato”.
Além disso, o especialista destacou que se a Companhia reconheceu a situação, é porque realmente a denúncia tem fundamento.
Por sua vez, o teólogo e acadêmico Álvaro Ramis valorizou a postura da Companhia de Jesus, no entanto, advertiu que a situação não é fácil para uma congregação que, em geral, se manteve afastada dos escândalos que deixam a Igreja imersa em uma de suas piores crises.
“Evidentemente não será fácil para o universo jesuíta, em geral, nem para as obras sociais do Hogar de Cristo poder se desligar desta situação, portanto, é importante estabelecer critérios de veracidade, além de poder restituir a justiça às vítimas e, finalmente, dar um novo impulso à importância da obra social que está aí, de fundo”.
A respeito deste caso e de eventuais fatos desconhecidos, a Companhia de Jesus pede a quem tiver informação ou antecedentes de abusos que envolvem jesuítas, a procurar a instituição e denunciar o fato. “Como assinalamos em outras ocasiões, toda informação, testemunho ou denúncia que se quer fazer chegar sobre abusos vinculados a jesuítas no Chile, pode ser enviada a Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ”, se lê no comunicado.
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Chile. Caso Renato Poblete: Quando os pilares da Igreja começam a desabar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU