15 Janeiro 2019
"Ouvi as palavras desumanas usadas para descrever nossos irmãos e irmãs imigrantes com profunda tristeza", disse o cardeal Joseph Tobin, em resposta ao discurso do presidente Donald Trump na terça à noite, na Sala Oval.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 11-01-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Esses homens, mulheres e crianças não são nem números nem estatísticas criminais, mas pessoas de carne e osso com suas próprias histórias. A maioria está fugindo da miséria humana e da violência brutal que ameaça suas vidas. Caricaturas falsas e amedrontadas querem provocar uma espécie de amnésia que fazia com que essa grande nação negasse suas raízes na imigração e nos refugiados.
Verdadeira desumanização. Como me disseram ontem, foi uma surpresa que o presidente não tenha usado a palavra untermensch.
"Fico animado todos os dias com as famílias que encontro, principalmente as crianças. E também com os voluntários", afirmou a Irmã Missionária de Jesus Norma Pimentel, coordenadora das instituições de caridade Catholic Charities do Vale do Rio Grande, ontem, no Washington Post.
Eles vêm das comunidades locais, mas também de todos os Estados Unidos. Diariamente, vemos o quanto pessoas de várias religiões trabalham em conjunto para ajudar a pessoa diante de nós. Independentemente de quem somos e de onde viemos, vamos continuar fazendo parte da família humana e ser chamados a viver em solidariedade uns com os outros.
O que a irmã vê - e o presidente não percebe - é que as pessoas podem se unir para aliviar o sofrimento humano. Mas ela não é narcisista.
"A tragédia humana na fronteira [dos EUA], em que milhares de crianças e famílias estão fugindo das perseguições e da violência dos países do Triângulo Norte da América Central, como a Guatemala, Honduras e El Salvador, é onde o governo e o Congresso deveriam prestar atenção”, disse Donald Kerwin, diretor executivo do Centro de Estudos Migratórios, em um comunicado divulgado após o breve discurso de Trump.
Uma série de medidas para impedir a fuga dessas populações vulneráveis de seus países, bem como separação de famílias, detenção obrigatória, tolerância zero e recusa de entrada na fronteira, minam seus direitos legais e humanos, garantidos por legislação nacional e internacional. Eles estão se entregando a agentes de patrulha da fronteira em busca de proteção, não para tentar entrar no país ilegalmente. O governo e o Congresso precisam agir para acabar com essas políticas desumanas e proteger crianças e mulheres vulneráveis.
A "crise" de que o presidente fala é, em grande parte, uma decisão sua.
"Mães e crianças estão fugindo dos próprios elementos criminosos que identificamos como um perigo mortal", twittou o bispo Daniel Flores. “Será que não somos capazes de sustentar uma resposta que proteja os vulneráveis e restrinja as ameaças?" Imagine só: alguém sugerir que façamos mais do que ignorar e levantar uma parede, mas que realmente tentemos resolver essa questão.
"O direito de buscar refúgio e asilo em face de um 'receio fundamentado' de sofrer perseguição é uma pedra angular da ordem contemporânea internacional", de acordo com um relatório do Hope Border Institute chamado Sealing the Border: The Criminalization of Asylum Seekers in the Trump Era, publicado no ano passado.
Esse direito tem sido fundamental para o discurso jurídico, ético, moral e religioso e para as práticas intrínsecas a conceituações de responsabilidades, deveres e direitos fundamentais no mundo todo e reflete-se em diversas religiões e tradições culturais há séculos. ... As políticas do governo Trump invertem e restringem o exercício do poder discricionário e impõem uma abordagem que aumenta a vulnerabilidade dos requerentes de asilo e imigrantes ilegais que querem entrar ou já moram nos Estados Unidos, sem levar em conta os direitos a proteção humanitária ou a laços e contribuições comunitárias. As políticas e práticas do governo Trump presumem a ilegitimidade das solicitações bona fide de asilo, principalmente na fronteira. Tudo isso tem um impacto desproporcional sobre os imigrantes e requerentes de asilo do México e da América Central, particularmente em crianças, mulheres e famílias. Isso representa uma violação do direito nacional e internacional e de princípios fundamentais de justiça e equidade.
Sugiro a leitura do relatório completo, que é um exemplo clássico da impunidade com que poderosos por vezes abusam dos impotentes, invertendo os ensinamentos de Jesus.
Essas vozes religiosas também são as vozes da razão. A hiperventilação da Casa Branca e do Fox News é apenas o exemplo mais recente do truque político mais antigo: quando estiver com problemas, é só encontrar um bode expiatório.
Nos anos 50, o psicólogo social Muzafer Sherif realizou um famoso experimento com adolescentes em Oklahoma. Os rapazes eram levados para um campo e divididos em dois grupos: os Rattlers e os Eagles. Depois, realizou exercícios de trabalho de equipe com cada grupo, mas não entre os dois grupos, e fez os dois times competirem. "Os pesquisadores documentaram que rapidamente surgiu um crescente senso de inimizade mútua entre os rapazes e um desespero crescente de ambos os lados para vencer as competições", segundo Marc Hetherington e Jonathan Weiler em seu novo livro Prius or Pickup? How the Answers to Four Simple Questions Explain America's Great Divide.
Trump e sua equipe estão tratando o povo americano do mesmo modo como Muzafer Sherif tratou os adolescentes em Oklahoma. Pode funcionar com alguns, por algum tempo, mas não a longo prazo. Porque, além das vozes dos líderes religiosos sobre o tratamento a imigrantes, Deus falou sobre o assunto em Êxodo 22:21: “Não afligirás estrangeiro, nem o oprimirás; pois foste estrangeiro na terra do Egito”.
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A voz religiosa é a voz da razão na 'crise' da imigração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU