10 Janeiro 2019
“Trabalhar menos resolve realmente o quê?, me perguntaram recentemente. Eu prefiro inverter a questão: existe alguma coisa que trabalhar menos não resolva?”
A opinião é do historiador e jornalista holandês Rutger Bregman, autor de “Utopia para realistas: como construir um mundo melhor” (Ed. Sextante, 2018), em artigo publicado por The Guardian, 18-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se você perguntasse a John Maynard Keynes qual seria o maior desafio do século XXI, ele não precisaria pensar duas vezes. O lazer.
De fato, Keynes previu que, salvo “erros desastrosos” cometidos pelos formuladores de políticas (austeridade durante uma crise econômica, por exemplo), o padrão de vida ocidental multiplicaria o de 1930 em pelo menos quatro vezes dentro de um século. De acordo com seus cálculos, em 2030, estaríamos trabalhando apenas 15 horas por semana.
No ano 2000, países como o Reino Unido e os Estados Unidos já eram cinco vezes mais ricos do que em 1930. No entanto, à medida que avançamos nas primeiras décadas do século XXI, os nossos maiores desafios não são muito o lazer e o tédio, mas sim o estresse e a incerteza.
Trabalhar menos resolve realmente o quê?, me perguntaram recentemente. Eu prefiro inverter a questão: existe alguma coisa que trabalhar menos não resolva?
Tomemos as mudanças climáticas. Uma mudança mundial para uma semana de trabalho mais curta poderia cortar pela metade o CO2 emitido neste século. Países com uma semana de trabalho mais curta têm uma pegada ecológica menor. Consumir menos começa trabalhando menos – ou, melhor ainda –, consumindo a nossa prosperidade na forma de lazer.
As horas extras são mortais. Longos dias de trabalho levam a mais erros: cirurgiões cansados são mais propensos a escorregões, e soldados que ficam muito pouco tempo de olhos fechados são mais propensos a errar os alvos.
De Chernobyl ao ônibus espacial Challenger, gerentes sobrecarregados geralmente demonstram ter desempenhado um papel nos desastres. Não é por acaso que o setor financeiro, que desencadeou o maior desastre da última década, está absolutamente gemendo de tantas pessoas fazendo horas extras.
Inúmeros estudos mostraram que pessoas que trabalham menos estão mais satisfeitas com suas vidas. Em uma recente pesquisa realizada entre mulheres trabalhadoras, pesquisadores alemães quantificaram o “dia perfeito”. A maior parte dos minutos (106) iria para “relações íntimas”. No fim da lista, estavam o trabalho (36) e os deslocamentos (33).
Os pesquisadores observaram que, “a fim de maximizar o bem-estar, é provável que o trabalho e o consumo (que aumentam o PIB) possam desempenhar um papel menor nas atividades diárias das pessoas em comparação com agora”.
Obviamente, você não pode simplesmente cortar um trabalho em pedaços menores. No entanto, pesquisadores da Organização Internacional do Trabalho (OIT) concluíram que o trabalho compartilhado – no qual dois empregados de meio turno dividem uma carga de trabalho tradicionalmente atribuída a um trabalhador de tempo integral – chegou perto de resolver a última crise econômica. Particularmente em tempos de recessão, com o aumento do desemprego e a produção excedendo a demanda, compartilhar trabalhos pode ajudar a amenizar o impacto.
Além disso, países com semanas de trabalho mais curtas consistentemente se classificam no topo dos rankings de igualdade de gênero. A questão central é conseguir uma distribuição mais equitativa do trabalho. Somente quando os homens fizerem a sua parte na cozinha, na limpeza e em outras formas de trabalho doméstico é que as mulheres estarão livres para participar plenamente na economia em geral.
Tomemos a Suécia, um país com um sistema verdadeiramente decente de assistência infantil e licença-paternidade – e a menor disparidade de tempo de trabalho entre homens e mulheres.
Além de distribuir empregos de forma mais igualitária entre os sexos, nós também temos que compartilhá-los ao longo das gerações. As pessoas mais velhas, cada vez mais, querem continuar trabalhando mesmo depois de atingirem a idade de aposentadoria. Mas, enquanto os trintões estão se afogando no trabalho, nas responsabilidades familiares e nas hipotecas, os idosos lutam para serem contratados, embora o fato de trabalhar (um pouco) provou trazer benefícios para a saúde.
Jovens trabalhadores que estão entrando agora no mercado de trabalho podem muito bem continuar trabalhando até os 80 anos. Em troca, eles poderiam trabalhar não 40 horas por semana durante todos esses anos, mas talvez apenas 20-30. “No século XX, tivemos uma redistribuição de riqueza”, observou um importante demógrafo. “Neste século, a grande redistribuição será em termos de horário de trabalho.”
E depois há a questão da desigualdade econômica. Os países com as maiores disparidades de riqueza são precisamente aqueles com as semanas de trabalho mais longas. Enquanto os pobres estão trabalhando mais horas apenas para sobreviver, os ricos estão achando cada vez mais “caro” tirar uma folga à medida que aumentam suas taxas horárias. Hoje em dia, trabalho e pressão excessivos são símbolos de status. O tempo para si mesmo é cada vez mais cedo comparado ao desemprego e à preguiça, certamente em países onde a lacuna de riqueza se ampliou.
Não tem que ser assim. Temos a capacidade de cortar um grande pedaço da nossa semana de trabalho. Isso não apenas tornaria toda a sociedade mais saudável, mas também daria um fim em incontáveis pilhas de tarefas inúteis e até mesmo prejudiciais (uma pesquisa recente constatou que 37% dos trabalhadores britânicos pensam ter um “trabalho de merda”).
Uma renda básica universal seria a melhor maneira de dar a todos a oportunidade de fazer mais trabalhos não remunerados, mas incrivelmente importantes, como cuidar de crianças e idosos.
“Mas todo mundo não ficaria grudado na TV o tempo todo?”, você poderia se perguntar. Na verdade, é precisamente em países com excesso de trabalho como o Japão, a Inglaterra e os Estados Unidos que as pessoas assistem a uma quantidade absurda de televisão. Até quatro horas por dia na Inglaterra, o que soma nove anos ao longo de uma vida média.
É claro, nadar em um mar de tempo livre não deve ser fácil. Mas é por isso que a educação do século XXI deveria preparar as pessoas não apenas para ingressar na força de trabalho, mas também (e mais importante) para a vida.
“Como os homens não estarão cansados em seu tempo livre”, escreveu o filósofo Bertrand Russell em 1932, “eles não exigirão apenas diversões que sejam passivas e vãs.”
Nós podemos nos virar com a boa vida, se tirarmos o tempo para isso.
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Uma solução para (quase) tudo: trabalhar menos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU