04 Dezembro 2018
“Não há crescimento sem crise – não tenham medo das crises, não tenham medo –, assim como não há fruto sem poda nem vitória sem luta. Crescer, criar raízes significa lutar sem trégua contra todo mundanismo espiritual, que é o pior mal que pode nos acontecer. Se o mundanismo afeta as raízes, adeus, frutos, e adeus, plantas.”
O jornal L’Osservatore Romano publicou a íntegra do discurso do Papa Francisco à comunidade jesuíta do Colégio Internacional do Gesù, em Roma, proferido nessa segunda-feira, 03-12-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caros irmãos, bom dia!
Obrigado pela visita de vocês, estou contente. Vocês recordam neste ano o 50º aniversário do Colégio do Gesù, aberto por iniciativa do Padre Arrupe, em 1968.
No 50º ano, o do Jubileu, a Escritura diz que “cada um de vocês recuperará a sua propriedade e voltará para a sua família” (Lv 25, 10; trad. Bíblia Pastoral). Mas ninguém deve fazer as malas! Todos vocês, porém, são chamados a voltar ao “lugar” que lhes é próprio, a “desejar o que é essencial e original” (São Pedro Fabro, Memorial, 63), a revisitar aquela família em que Deus os regenerou, em que vocês professaram a pertença a Ele.
Deus os fundou como jesuítas: este jubileu é um momento de graça para fazer memória e se sentir com a Igreja, em uma Companhia e em uma pertença que tem um nome: Jesus. Fazer memória significa se fundar novamente em Jesus, na sua vida. Significa reiterar um “não” claro à tentação de viver para si mesmos; reafirmar que, como Jesus, existimos para o Pai (cf. Jo 6, 57); que, como Jesus, devemos viver para servir, e não para ser servidos (cf. Mc 10, 45).
Fazer memória é repetir com a inteligência e a vontade que a Páscoa do Senhor basta para a vida do jesuíta. Mais nada é preciso. É bom retomar a segunda semana dos Exercícios, para se refundar na vida de Jesus, em caminho rumo à Páscoa. Porque formar-se é, acima de tudo, fundar-se. Sobre isso, permito-me aconselhá-los a voltar ao Colóquio do serviço para ser como Jesus, para imitar Jesus, que esvaziou a si mesmo, aniquilou-se ou obedeceu até à morte; o Colóquio que leva você até o momento de pedir com insistência calúnias, perseguições, humilhações.
Esse é o critério, irmãos! Se alguém não conseguir isso, fale a respeito com o pai espiritual. Imitar Jesus. Como ele, naquela estrada que Paulo nos diz em Filipenses 2, 7, e não ter medo de pedir isso, porque é uma bem-aventurança: “Bem-aventurados quando forem insultados, caluniados, perseguidos...”. Essa é a estrada de vocês: se vocês não conseguirem fazer esse Colóquio com o coração e dar toda a vida, convictos, e pedir isso, não estarão bem enraizados.
Fundar-se, portanto, é o primeiro verbo que gostaria de lhes deixar. São Francisco Xavier, que hoje festejamos, escrevia a esse respeito: “Eu lhes peço, em todas as suas coisas, que se fundem totalmente em Deus” (Carta 90 de Kagoshima). Desse modo, acrescentava, não há adversidade a que não se possa estar preparado. Vocês moram na casa onde Santo Inácio viveu, escreveu as Constituições e enviou os primeiros companheiros em missão pelo mundo. Fundem-se nas origens. É a graça destes anos romanos: a graça do fundamento, a graça das origens. E vocês são um viveiro que traz o mundo a Roma, e leva Roma ao mundo, a Companhia no coração da Igreja, e a Igreja no coração da Companhia.
O segundo verbo é crescer. Vocês são chamados, nestes anos, a crescer, afundando as raízes. A planta cresce a partir das raízes, que não se veem, mas sustentam o todo. E deixa de dar frutos não quando tem poucos ramos, mas quando as raízes se secam. Ter raízes é ter um coração bem enxertado, que em Deus é capaz de se dilatar. A Deus, semper maior, responde-se com o magis da vida, com entusiasmo límpido e pujante, com o fogo que irrompe dentro, com aquela tensão positiva, sempre crescente, que diz “não” a toda acomodação.
É o “ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” do Apóstolo Paulo (1Cor 9, 16), é o “não parei um instante” de São Francisco Xavier (Carta 20 a Santo Inácio), é aquilo que levava São Alberto Hurtado a ser uma flecha afiada nos membros adormecidos da Igreja. O coração, se não se dilata, se atrofia. Não se esqueçam disso. Se não se cresce, se murcha.
Não há crescimento sem crise – não tenham medo das crises, não tenham medo –, assim como não há fruto sem poda nem vitória sem luta. Crescer, criar raízes significa lutar sem trégua contra todo mundanismo espiritual, que é o pior mal que pode nos acontecer, como dizia o Padre De Lubac. Se o mundanismo afeta as raízes, adeus, frutos, e adeus, plantas.
E, para mim, esse é o maior perigo neste tempo: o mundanismo espiritual, que leva você ao clericalismo e assim por diante. Se, ao contrário, o crescimento é um constante agir contra o próprio ego, haverá muito fruto. E, enquanto o espírito inimigo não se render tentando buscar as “consolações” de vocês, insinuando que se vive melhor se se tem o que se quer, o Espírito amigo os encorajará suavemente ao bem, a crescer em uma docilidade humilde, indo em frente, sem rupturas e sem insatisfações, com aquela serenidade que vem somente de Deus.
Alguém que tem maus pensamentos poderá dizer: “Mas isso é pelagianismo!”. Não, isso é o confronto com o Cristo Crucificado, com quem você fará o colóquio, aquele citado acima, porque somente com a graça do Senhor pode-se seguir por essa estrada.
Gostaria de citar dois sinais positivos de crescimento, a liberdade e a obediência: duas virtudes que avançam se caminham juntas. A liberdade é essencial, porque “onde há o Espírito do Senhor, há liberdade” (2Cor 3, 17). O Espírito de Deus fala livremente a cada um através de sentimentos e pensamentos; não pode ser encerrado em tabelas, mas deve ser acolhido com o coração, em caminho, por crianças livres, não por servos.
Desejo que vocês sejam filhos livres que, unidos nas diversidades, lutam todos os dias para conquistar a maior liberdade: a de si mesmos. A oração lhes será de grande ajuda, a oração que nunca deve ser negligenciada: é a herança que o Padre Arrupe nos deixou no fim, o “canto do cisne” de Arrupe. Leiam aquele apelo, aquela conferência que ele deu aos jesuítas no campo de refugiados da Tailândia. Depois, ele pegou o avião e aterrissou em Roma, onde teve o derrame.
E a liberdade vai com a obediência: assim como para Jesus, assim também para nós o alimento da vida é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34) e dos Padres que a Igreja dá. Livres e obedientes, a exemplo de Santo Inácio, quando estava em uma longa espera em Villa d’Este e, manso e decidido ao mesmo tempo, com toda a liberdade apresentava ao papa a total obediência da Companhia, em uma Igreja que, certamente, não resplandecia pelos costumes evangélicos. Lá está a fotografia do adulto jesuíta, crescido.
A liberdade e a obediência dão vida àquele modo de agir criativo com o superior. Uma vez, eu disse a um grupo de jesuítas que se preparavam – creio eu – para se tornar superiores que o geral da Companhia era um pastor de “um rebanho de sapos”, porque a liberdade do jesuíta, com a iniciativa, leva a tantas iniciativas, e o pobre superior deve ir de um lado para o outro... Fazer a unidade não com ovelhas mansas, mas com os sapos! E isso é verdade, é importante.
Mas onde está a garantia desse vínculo com o superior, dessa unidade? Na “conta de consciência”. Por favor, nunca deixem isso, porque é o que assegura a possibilidade de o superior reger o “rebanho de sapos”, de levá-lo a uma harmonia diferente, porque ele conhece você e, amanhã, será você que receberá a conta dele, porque somos todos irmãos que nos conhecemos bem. Liberdade, obediência, conta de consciência como método, como caminho.
Fundar-se, crescer e, por fim, amadurecer. É o terceiro verbo. Não se amadurece nas raízes e no tronco, mas pondo os frutos para fora, que fecundam a terra com sementes novas. Aqui entra em jogo a missão, pôr-se cara a cara com as situações de hoje, cuidando do mundo que Deus ama.
São Paulo VI disse: “Onde quer que, na Igreja, mesmo nos campos mais difíceis e de ponta, na encruzilhada das ideologias, nas trincheiras sociais, houve e há o confronto entre as exigências candentes do homem e a perene mensagem do Evangelho, lá estavam e estão os jesuítas” (Discurso por ocasião da 32ª Congregação Geral da Companhia de Jesus, 3 de dezembro de 1974).
Essas palavras estão na mensagem que eu penso que, talvez, foi a mais profunda de um papa à Companhia. Nos entroncamentos mais intricados, nas terras de fronteira, nos desertos da humanidade: aqui o jesuíta é chamado a estar. Ele pode se encontrar como um cordeiro no meio dos lobos, mas não deve combater os lobos, deve apenas permanecer como cordeiro. Assim, o Pastor o alcançará lá, onde está o seu cordeiro é (cf. São João Crisóstomo, Homilia 33 sobre o Evangelho de Mateus).
A paixão e a disciplina nos estudos contribuem com essa missão. E sempre fará bem a vocês aproximar ao ministério da Palavra o ministério da consolação. Ali vocês tocam a carne que a Palavra assumiu: acariciando os membros sofredores de Cristo, aumenta a familiaridade com a Palavra encarnada. Que os sofrimentos que vocês veem não os assustem. Levem-nos para diante do Crucifixo. Eles são levados ali e na Eucaristia, onde se recebe o amor paciente, que sabe abraçar os crucificados de todos os tempos. Assim, amadurece também a paciência, e, junto, a esperança, porque são gêmeas: crescem juntas. Não tenham medo de chorar em contato com situações duras: são gotas que irrigam a vida, tornam-na dócil. As lágrimas de compaixão purificam o coração e os afetos.
Olhando para vocês, vejo uma comunidade internacional, chamada a crescer e amadurecer juntos. O Colégio do Gesù é e foi uma academia ativa na arte de viver incluindo o outro. Não se trata apenas de se entender e de se querer bem, talvez às vezes de se suportar, mas de carregar os fardos uns dos outros (cf. Gl 6, 2). E não só os fardos das fragilidades recíprocas, mas também das diversas histórias, culturas, das memórias dos povos.
Fará muito bem a vocês compartilhar e descobrir as alegrias e os problemas verdadeiros do mundo através da presença do irmão que está ao seu lado; abraçar nele não apenas aquilo que interessa ou fascina, mas também as angústias e as esperanças de uma Igreja e de um povo: alargar as fronteiras, deslocando cada vez mais o horizonte, sempre um pouco mais longe.
Que a bênção que eu lhe dou possa alcançar também os seus países e lhe seja de ajuda para lhes fundar, crescer e amadurecer para a maior glória de Deus.
Agradeço-lhes e peço-lhes que rezem por mim. Obrigado.
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Liberdade e obediência: dois sinais positivos de crescimento. Discurso do papa ao Colégio Internacional do Gesù, em Roma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU