03 Dezembro 2018
Gudrun Sailer trabalha há quinze anos no Vaticano, é jornalista, redatora do Vatican News. Neste artigo, publicado na página web da katholisch.de-Kolumne "Römiche Notizen", em 26 de novembro passado, descreve com um olhar crítico-benevolente o que observa de perto no Vaticano, especialmente entre os colegas de trabalho de seu mesmo nível, que ela chama de "pequenas engrenagens". Ela percebe inclusive os murmúrios e as pequenas reclamações que relata com certo senso de humor, mas afirma não saber absolutamente nada de supostas conspirações no Vaticano contra o Papa Francisco. Os ataques venenosos contra ele – ela escreve - vêm de fora e operam na rede, citando supostos conspiradores do próprio Vaticano. Mas, pelo que ela sabe, a grande maioria do pessoal que trabalha no Vaticano concorda com o papa tanto com a sua reforma da Cúria como com a sua visão da Igreja. Fora os pequenos contratempos da vida cotidiana, afirma trabalhar pessoalmente com alegria para o Papa.
A reportagem é de Gudrun Sailer e reproduzida por Settimana News, 29-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cerca de 4.500 pessoas trabalham para o papa no Vaticano. Eu conheço apenas uma pequena parte, quase todas pequenas engrenagens, como eu. Mas aquelas que conheço e com que falo, apesar de todas os modificações são, em princípio, leais ao Papa Francisco.
Parece-me estranho inclusive que valha a pena discutir isso. Mas fico espantada toda vez que leio online que no Vaticano está se preparando uma revolta contra Francisco, porque ninguém o suporta mais, e todos sofrem com ele, o déspota. Caras pessoas: não é assim, eu fico murmurando. O que eu vejo é que no meu ambiente as coisas são bem diferentes.
Isso permite várias hipóteses. Ou eu falo sempre com as pessoas erradas, com yes-men, com pessoas duvidosas, hipócritas, simuladas, insinceras, preguiçosas (existem também entre nós, não só entre vocês). Ou os críticos radicais do Papa Francisco - presentes - têm o cuidado de falar sobre seus problemas apenas entre si. Ou pertencem a mais altos níveis de atuação e têm para conosco, no melhor dos casos, uma postura pretensiosa. Ou são apenas "quatro gatos", como dizem os italianos.
De que forma esse entrelaçamento de hipóteses se aproxima da verdade, eu não sei. E, certamente, admito que eu mesma me sinto felizmente como em uma pequena bolha de filtros.
Dito isso, vamos dar uma olhada nas condições de trabalho no Estado do Vaticano.
Francisco, após sua eleição, colocou um fim nas contratações. Ao mesmo tempo, ele deixou claro que queria fazer uma reforma e tomar medidas para reduzir os gastos, mas sem dispensar o pessoal leigo. Mesmo aqueles que se comportam de forma inadequada - os murmúrios são tolerados e praticados - terá um lugar seguro até a idade da aposentadoria. O salário não é extraordinário, mas é seguro e, em contrapartida, temos uma semana de trabalho leve, de 36 horas. O calendário do Vaticano inclui 27 feriados - embora um sempre coincida - a Páscoa - com o domingo.
O seguro para a doença, depois de uma estranha reforma, infelizmente, não é muito melhor do que italiano, é verdade. Mas a aposentadoria permanece em um nível aceitável. Há também subsídios para as famílias mais pobres. E, para cada recém-nascido, o Papa oferece 2,000 euros por ocasião do batismo.
Portanto, é fácil entender, por que nas famílias romanas mais simples, o empregador de batina branca é amado como nenhum outro em Roma e arredores. Quem encontra um emprego como carpinteiro ou farmacêutico ou porteiro, nunca irá deixá-lo voluntariamente por toda a vida.
Isso vale muitas vezes também para aqueles que, seja por serem padres ou porque têm uma formação acadêmica, trabalham junto à Santa Sé no setor administrativo da igreja mundial. Também desempenham um papel importante a figura luminosa do empregador para o qual se presta serviço e todo o ambiente.
E não devemos esquecer a fé comum. As pessoas do Vaticano vivem uma forte identificação com o que fazem, e estão de bom grado o serviço do Papa e da Igreja.
É evidente que pode acontecer que algum empregado do papa tenha algo a dizer dele. Aquele que no Vaticano critica uma ou outra coisa que Francisco defende, faz isso com mais coragem, aliás, do que fazia no passado. Muitos veteranos consideram isso como uma melhoria, porque falar abertamente ajuda a criar um bom clima. Para outros entristece que tenham chegados tempos no Vaticano em que algumas pessoas tenham reclamações em relação ao superior - e é um elemento que caracteriza a vinha do Senhor - que é, ao mesmo tempo, o chefe supremo da Igreja na qual todos nós acreditamos.
A maioria das "pequenas engrenagens" resmunga, como eu também faço, porque agora tem que gastar um bom dinheiro para um exame médico com especialistas externos.
Eles se queixam quando o Papa, nos discursos de improviso para os peregrinos, acrescenta algo que é difícil de traduzir, e quando, durante alguns dias, distribui advertências para todos os lados nos tweets.
Eles ficam nervosos quando Francisco pede para parar o carro no meio da multidão e sai, porque eles têm que protegê-lo e consideram que isso não está certo. Eles reclamam pela terceira mudança de gabinete em um ano e resmungam junto à máquina de café dizendo que o patrão não tem ideia do que está fazendo, especialmente com esta reforma da Cúria.
Eles estão contrariados porque o parcimonioso Francisco retirou o prosecco, que os papas anteriores, durante o Advento, colocavam sobre a mesa de seus funcionários. Agora só restou o panettone. Sim, os murmúrios e os resmungos no Vaticano ficaram, por vezes, dentro dos próprios estreitos horizontes.
Mas além desse horizonte, há outro. Todo mundo com quem eu falo, sabe distinguir um do outro. Francisco iniciou duas reformas: a reforma da Cúria, que abrange todas as pessoas no Vaticano, e a reforma da Igreja, que engloba todos os batizados católicos. A sua visão é global, não local. Ele quer promover uma comunidade de fiéis missionária, alegre e que caminha. Ele quer lutar contra o peso espiritual do coração e programou para a igreja, lá onde é rica e farta, um plano dietético e um programa esportivo: levantar do sofá, sair da sacristia. Essa Igreja cresce na multiplicidade, cresce na periferia. O Vaticano como um centro (não como vértice), deve se adaptar a ele. Disso decorre a reforma da Cúria.
O plano dietético e esportivo, e todo o estilo da Igreja desejado por Francisco, é algo que diz respeito de maneira especial às pequenas engrenagens do Vaticano. Mas não se confundam com aqueles que ficam surpresos que os funcionários do papa sejam estimulados e incentivados a discutir sobre as reformas da Igreja que ele pretende. Esses prós e contras, do meu ponto de vista, não me parecem nem prevalentes nem venenosos e nem devem ser confundidos com uma oposição radical ou, até mesmo, uma sabotagem. Essas coisas as vejo operando de outro lugar, através de forças que atuam na rede a partir de fora, que agitam o grande verbo digital e apelam a supostos críticos corrosivos do papa dentro do próprio Vaticano.
De círculos conspiratórios anti-Francisco diretamente dentro da Basílica do Vaticano, eu não sei nada. Minha impressão é bem outra: a maioria do pessoal do Vaticano compartilha a visão de Francisco. Carrega juntos em seus ombros essas duas reformas com lealdade. Mesmo que isso, neste momento, seja incomodo.
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Papa Francisco e os humores no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU