12 Novembro 2013
Alguns fiéis começaram a dar início a uma explícita contestação, ponta do iceberg de uma campanha conservadora que vê em Bergoglio o símbolo a ser atingido. Exatamente aquilo que, para o mundo, é fascinante, para tais católicos é causa de escândalo, e chegam a descrever o papa como o mais rasteiro dos populistas.
A análise é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 11-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Desde a sua eleição, o Papa Francisco está produzindo uma série de benefícios para a ação da Igreja, que não acenam a diminuir, como é possível conferir pelo aumento dos fiéis nas audiências e nos Angelus dominicais. E, acima de tudo, pelas muitas pessoas que, no mundo inteiro, graças ao papa, voltam ao desejo de uma vida espiritual e voltam a frequentar as igrejas e a se aproximar dos sacramentos.
"O mundo está apaixonado pelo Papa Francisco – escreve o cardeal de Nova York – e, se eu recebesse um dólar por cada nova-iorquino, católico ou não, que me disse o quanto gosta do atual Santo Padre, eu pagaria a salgada conta dos restauros da Catedral de St. Patrick! Ao longo dos nossos 2.000 anos de história, tivemos muito poucos papas tão dignos do alto ofício".
Portanto, deveríamos estar muito felizes com o Papa Francisco, mas para não poucos católicos chamados de "denominação de origem controlada" e para alguns "ateus devotos" no passado zelosos defensores de Ratzinger, as coisas, de fato, não são assim: ao contrário, começaram a dar início a uma explícita contestação, ponta do iceberg de uma campanha conservadora que vê em Bergoglio o símbolo a ser atingido.
Exatamente aquilo que, para o mundo, é fascinante, para tais católicos é causa de escândalo, e chegam a descrever o papa como o mais rasteiro dos populistas. O primado da consciência pessoal, a abertura à cultura moderna, a escolha de não insistir nos chamados valores inegociáveis de vida-escola-família, o fato de não querer ingerências na vida dos indivíduos (como quando disse: "Quem sou eu para julgar?" a propósito dos gays), a instituição de uma consulta popular em todo o mundo sobre os temas espinhosos da moral familiar, a preferência pelos pobres e o consequente novo crédito concedido à teologia da libertação, condenada por Wojtyla e Ratzinger, o fato de falar da Igreja como de "um hospital de campanha", o estilo conciliar permanente desejado pelo cardeal Martini, o ataque ao clericalismo e à cortesania da Cúria, a condenação de toda forma de proselitismo, simpatia para com os meios de comunicação a ponto de conceder uma entrevista ao fundador deste jornal [Eugenio Scalfari], o estilo de vida austero que o leva a rejeitar o apartamento papal e a vila de Castel Gandolfo e a caminhar nos seus sapatos pretos levando consigo a maleta de trabalho, a preferência pelos carros pequenos, o curvar-se para lavar os pés de uma mulher e ainda mais muçulmana... eis alguns elementos que fascinam muitos contemporâneos e que, ao contrário, são fonte de decepção para aqueles católicos normalmente empenhados na fidelidade "sem 'se' e sem 'mas'" ao papa e ao papado. Mas não neste caso.
Entre eles, um dos mais moderados é Vittorio Messori, que nesse domingo no jornal Corriere della Sera criticava aquilo que ele definia como "um mito antigo e sempre recorrente", isto é, o sonho suscitado em muitos pela ação do Papa Francisco "de um retorno à Igreja primitiva, toda pobreza, fraternidade, simplicidade, ausência de estruturas hierárquicas, de leis canônicas", um sonho que, para Messori, nada mais é do que um mito sem fundamento bíblico e histórico.
O que está em jogo na ação do Papa Francisco, porém, é, a meu ver, muito mais simples do que esse mito e consiste no direito de todos os batizados de ter uma Igreja simplesmente normal, na qual se possa confiar, uma Igreja onde os bispos não tenham residências luxuosíssimas e caros carros azuis, onde o banco vaticano esteja ao menos no nível ético de um banco italiano comum, onde o carreirismo e a sujeira (termos utilizados pelo Papa Bento XVI) não sejam tão flagrantes a ponto de condicionar o governo papal, onde as nomeações dos bispos ocorra por efetivas qualidades humanas e pastorais e não por servilismos que promovem incolores "yes-men", onde os escândalos de pedofilia não sejam encobertos e os culpados protegidos, onde na Cúria os corvos não voem até a escrivaninha papal em testemunho de venenosas lutas internas em comparação com as quais um condomínio qualquer, com todas as suas disputas, se torna uma imagem da concórdia paradisíaca, uma Igreja onde as ordens religiosas não sejam guiadas por personagens culpados de pedofilia como nos Legionários de Cristo ou de sequestro de pessoas e fraude como nos camilianos etc, etc.
É isso que está em jogo na ação papal: não o mito da Igreja primitiva, mas a realidade da Igreja atual, para que possa voltar a ser uma Igreja normal, limpa, confiável, digna da confiança dos pais de mandar os seus filhos para o oratório e de todos os crentes de confiar os seus recursos para socorrer os necessitados. Deriva daí que o papa, que hoje governa a Igreja, é, como diz o Evangelho, "um sinal de contradição", no sentido de que está destinado a manifestar a verdadeira natureza daqueles que se dizem crentes, isto é, se é por amor à Igreja ou por amor ao mundo.
No primeiro caso, a religião é uma das tantas ideologias voltadas à conquista do poder; no segundo, é o sinal de um modo novo e revolucionário de estar no mundo e transmite o ar cheio de frescor do Evangelho.
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Os inimigos devotos do Papa Bergoglio. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU