08 Outubro 2018
Charles Dickens descreveu a famosa Revolução Francesa como “a melhor e a pior época". O catolicismo também parece estar experimentando um momento revolucionário, alimentado pelos escândalos de abuso sexual por parte do clero, e pela semana de abertura do Sínodo dos Bispos deste mês que acontece em Roma. Nesse sentido, parece ser uma experiência altamente dickensiana.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 06-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Na sexta-feira, o Centro de Proteção Infantil (CPI) da Universidade Gregoriana, administrada por jesuítas em Roma, lançou formalmente um novo programa de mestrado em proteção infantil, uma expansão significativa de seus esforços para levantar uma nova corte global de especialistas.
"Nosso objetivo é construir uma rede de pessoas qualificadas e comprometidas, que sejam verdadeiros salvaguardadores da Igreja", disse o jesuíta alemão Hans Zollner, diretor do CPI e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores do Vaticano.
O CPI foi fundado em 2012, originalmente em Munique, como uma resposta aos escândalos de abuso que vieram à tona na Alemanha em 2010 e 2011. Mais tarde, O Centro mudou-se para Roma e se tornou a ponte principal na Cidade Eterna para sobreviventes de abuso, defensores e especialistas comprometidos com a causa de uma reforma sobre o assunto.
"Nossa rede está crescendo. Todos os dias descobrimos pessoas que querem trabalhar conosco para construir um mundo mais seguro para as crianças”, disse Zollner.
O dia 6 de outubro foi escolhido como a data de lançamento, pois foi o aniversário de um ano do encerramento da conferência do CPI chamada “Dignidade Infantil no Mundo Digital”, que reuniu a nata acadêmica, policial e clínica, que juntos discutiram as soluções necessárias para manter as crianças seguras em um universo digital do século XXI.
A inauguração contou com um discurso do cardeal Reinhard Marx, de Munique, que ajuda financeiramente o CPI e atua como membro do conselho dos cardeais (C9) do Papa Francisco.
"O abuso é um crime e, na sociedade civilizada, deve ser investigado e tratado severamente", disse Marx.
"É chocante e incompreensível ver que na Igreja, aparentemente, manteve-se outros padrões, como suprimir, encobrir e negar os fatos", ressaltou o cardeal.
"Essas aparentemente foram as principais diretrizes para lidar com o abuso sexual no passado e, possivelmente, também continuam sendo", acrescentou.
Marx delineou várias desculpas convencionalmente dadas pelos líderes da Igreja, incluindo: a conversa sobre uma crise de abuso é uma “conspiração maligna” pelos meios de comunicação contra a Igreja; A maioria dos abusos não ocorre na Igreja, mas na família; Estes são erros que não irão se repetir; A Igreja deve mostrar misericórdia, reconciliação e benevolência para com os abusadores; E, por fim, a desculpa de que os agressores não fazem parte do clero, e que na verdade são amigos que geralmente se conhecem desde o seminário.
"Aqueles que usam essas desculpas são igualmente culpados em causar o sofrimento das vítimas e se tornam cúmplices dos perpetradores", acrescentou.
O evento na Gregoriana também contou com dois especialistas: Elizabeth Letourneau, diretora do Centro Moore de Prevenção ao Abuso Sexual na Universidade John Hopkins, e Dana Humaid, major do serviço policial dos Emirados Árabes Unidos, que atualmente faz parte do Ministério do Interior do país. Ambos os programas e eventos descritos foram desenvolvidos em cooperação com o CPI. É motivo de muita esperança saber que um instituto católico de pesquisa é visto como um grande influenciador para essas questões.
Tendo participado da conferência sobre o mundo digital no ano passado, Humaid concluiu que: "O que está acontecendo é muito alarmante para deixarmos de lado".
Em Roma, no Sínodo dos Bispos, o arcebispo Anthony Fisher, de Sydney, na Austrália, se dirigiu aos jovens no salão nesta quinta-feira, usando uma linguagem que facilita o contato com as pessoas que estão com medo da crise dos abusos, e que desejam ouvir de seus líderes.
"Peço desculpas pelos atos vergonhosos de alguns padres, religiosos e leigos, perpetrados contra você ou outros jovens como você, e pelo terrível dano que isso causou", disse Fisher.
“Também lamento o fracasso de muitos bispos e outros por não responder apropriadamente quando tais abusos foram identificados. Me ponho a disposição para deixá-los ao máximo em segurança”, continuou.
Os acontecimentos desta semana sugerem que mudanças estão acontecendo na Igreja, lições foram aprendidas e que toda a mágoa e dor das duas últimas décadas não foram totalmente em vão.
Por outro lado, já fazem seis semanas desde que um ex-embaixador papal nos Estados Unidos acusou Francisco de ter conhecimento de acusações de má conduta sexual contra o ex-cardeal Theodore McCarrick há cinco anos e não foram tomadas nenhuma medida, obrigando os canais de comunicação do Vaticano a emitirem uma resposta.
Enquanto isso, uma enorme crise de abuso sexual segue estabelecida no Chile; Os Estados americanos estão se mobilizando para investigações aos moldes da que aconteceu na Pensilvânia; A Igreja alemã divulgou um estudo que foi citado por Marx; e, mais recentemente, o advogado americano Jeff Anderson entrou com uma ação contra o Vaticano nos tribunais dos EUA para a liberação de arquivos sobre padres abusadores, acumulados desde que o papa João Paulo II ordenou que fossem enviados à Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano em 2001.
Além disso, quando o Sínodo dos Bispos foi aberto na quarta-feira, o Papa, o chefe sinodal italiano e o presidente da Conferência do Brasil discursaram sem mencionar os escândalos de abuso.
Isso, na verdade, é apenas uma lista parcial dos desenvolvimentos que podem induzir alguém a se desesperar, mas de fato também há uma boa notícia.
Talvez tudo isso apenas indique que a história católica é quase sempre uma mistura do sublime e do ultrajante, em que um se torna maior em um momento ou outro. Este é um movimento que acontece na história da Igreja, e que se confirmou ainda mais nesse mês de outubro.
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Semana será marcada pelos "melhores e piores momentos" sobre a crise de abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU