Por: Patricia Fachin, João Vitor Santos e Ricardo Machado | 06 Agosto 2018
O recente acordo entre PT e PSB, e a aliança entre o PSDB e o Centrão, ambos isolando o candidato Ciro Gomes, do PDT, sinalizam as possíveis coligações que serão feitas daqui para frente entre os partidos na disputa eleitoral deste ano. Para analisar esses possíveis acordos e suas implicações políticas, a IHU On-Line entrevistou Roberto Romano, Giuseppe Cocco, Rudá Ricci, Ivo Lesbaupin e Moysés Pinto Neto por e-mail e Renato Janine Ribeiro por telefone.
Roberto Romano classifica como "cordão sanitário" a estratégia do PT de isolar Ciro Gomes e que uma das hipóteses do plano é construir "um arco de apoio para eleger deputados, senadores, governadores para garantir presença no Legislativo e Executivos dos Estados e no Congresso". De acordo com Moysés Pinto Neto, "desde que o impeachment se tornou uma possibilidade real, o PT vem cada vez mais se mantém numa atitude defensiva e reativa", o que, certa maneira, explica a estratégia petista. Para Giuseppe Cocco, "O desafio é trabalhar na construção de uma confiança potente, alimentada por um novo patamar democrático: para essa perspectiva urgente, o tema da nova proteção social é estratégico, a proposta política capaz de deslocar o debate.
Na avaliação de Ricci, a estratégia petista em relação ao candidato Ciro Gomes tenta “recriar a polarização PT-PSDB na campanha inicial. Para tanto, precisaria diminuir a possibilidade da candidatura Ciro Gomes e atrair o campo de aliados históricos do PT (PCdoB e PSB) e diminuir o índice de intenção de votos de Bolsonaro. Quanto ao Bolsonaro, a candidatura Alckmin tratará de sua desidratação. O PT fez sua lição de casa, neste sentido”. Ribeiro também considera a estratégia “hábil”, mas lembra que Ciro Gomes “sempre foi leal ao PT” e, nesse sentido, esse “foi um ponto muito delicado”. Sobre a relação entre o PSDB e o Centrão, Ivo Lesbaupin considera que "a aliança com o Centrão oferece uma série de vantagens, inclusive a de possibilitar mais tempo de propaganda na televisão".
Os entrevistados também comentam rapidamente o comunicado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes sobre o orçamento disponível até agosto do próximo ano. Segundo Ribeiro, “esse é o tipo de coisa que em condições normais seria negociada nos bastidores pelo governo e com o governo. Quando uma parte do governo, fraca politicamente, mas importante cientificamente, decide vir a público, é porque se esgotaram as condições de negociação do MEC com a Fazenda, pois o MEC e a Capes partiram diretamente para a opinião pública. É essa a avaliação que faço, quer dizer, a crise é muito séria”.
Roberto Romano - Fonte: Unicamp
Roberto Romano é professor aposentado de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Cursou doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, França. Escreveu, entre outros livros, Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico (São Paulo: Kairós, 1979), Conservadorismo romântico (São Paulo: Ed. Unesp, 1997), Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIII (São Paulo: SENAC, 2002), O desafio do Islã e outros desafios (São Paulo: Perspectiva, 2004) e Os nomes do ódio (São Paulo: Perspectiva, 2009).
Cocco, em setembro de 2016, no IHU.
(Foto: Fernanda Forner | IHU)
Giuseppe Cocco é graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e pela Università degli Studi di Padova, mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Conservatoire National des Arts et Métiers e em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne), e doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e editor das revistas Global Brasil, Lugar Comum e Multitudes. Coordena a coleção A Política no Império (Civilização Brasileira).
Publicou, entre outros livros, New Neoliberalism and the Other. Biopower, antropophagy and living money (Lanham: Lexington Books, 2018), em parceria com Bruno Cava; Hélio Oiticica para além dos mitos (Rio de Janeiro: CMAHO, 2016), em parceria com Barbara Szaniecki e Izabela Pucu; e Creative Capitalism and Multitudinous Creativity (Lanham: Lexington Books, 2015), também em parceria com Barbara Szaniecki.
Rudá Ricci em entrevista no Campus da Unisinos,
em Porto Alegre | Foto: Ricardo Machado - IHU
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010) e coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), entre outros.
Ivo Lesbaupin - Reprodução Facebook
Ivo Lesbaupin é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e membro da ONG Iser Assessoria, do Rio de Janeiro. É doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais O Desmonte da nação: balanço do governo FHC (1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).
Janine Ribeiro | Foto: Agência Brasil
Renato Janine Ribeiro foi ministro de Estado da Educação por seis meses no segundo governo de Dilma Rousseff. É professor titular da Universidade de São Paulo - USP, na disciplina de Ética e Filosofia Política. Possui doutorado em Filosofia pela USP, atua na área de Filosofia Política, com ênfase em teoria política. Recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura em 2001 pela obra A Sociedade Contra o Social (São Paulo: Companhia das Letras, 2000). Entre suas publicações, destacamos também A imprensa entre Antígona e Maquiavel: a ética jornalística na vida real das redações (São Paulo: Renato, 2015) e A boa política - Ensaios sobre a democracia na era da Internet (São Paulo: Companhia das Letras, 2017).
Moysés Pinto Neto durante sua palestra no IHU
Foto: Cristina Guerini | IHU
Moysés Pinto Neto é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação – ULBRA e no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas. É autor, entre outros, do artigo Identidade de Esquerda ou Pragmatismo Radical?, publicado na edição nº 259 dos Cadernos IHU ideias, e do artigo Esquecer o neoliberalismo: aceleracionismo como terceiro espírito do capitalismo, publicado na edição nº 245 dos Cadernos IHU ideias.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que significa a estratégia do PT, de isolar Ciro Gomes, do ponto de vista político e da esquerda?
Roberto Romano - A estratégia do PT não pretende apenas isolar Ciro Gomes. Tal cordão sanitário é apenas um efeito da estratégia maior de alianças que a agremiação define, que eu apontaria como a de terra arrasada caso o plano A, a eleição de Luis Inácio da Silva não resulte vitoriosa. Creio que a maior liderança política do país, hoje, é o mesmo Luis Inácio da Silva. Seria uma eleição certa, caso setores da Justiça e do Ministério Público não o tivessem marcado como inimigo número 1. E tal atitude de procuradores, juízes inclinados politicamente no sentido conservador, e setores importantes do empresariado e da classe média manifestam tal hostilidade militante desde o episódio vergonhoso do power point, quando procuradores se manifestaram pela culpa antes mesmo do processo começar. A ausência de equilíbrio e imparcialidade já naquele episódio era patente. Ora, sabedores de tal fato, os dirigentes petistas nada fizeram, em termos de eficácia, no sentido de preparar um cenário adverso, como o veto da candidatura do presidente Luis Inácio da Silva. Sem conseguir a segurança do registro da candidatura, dois pontos conduziram as decisões do partido: primeiro, conseguir um arco de apoio para eleger deputados, senadores, governadores para garantir presença no Legislativo e Executivos dos Estados e no Congresso. O segundo era de impedir qualquer concorrência à esquerda, para que tais apoios fossem inelutáveis. Daí, a recusa radical de Gomes. Por outro lado, o próprio Gomes foi extremamente inábil. Todas as vezes em que o PT lhe pediu um gesto de apoio, ele respondeu sempre de modo ambíguo ou negativo. Seu discurso, como aliás em relação a todos os demais itens de campanha, foi imprudente, dando impressão ou certeza de arrogância de sua parte. No final, resta que a centro esquerda hoje, no Brasil, deixou de existir por um bom período. Como o PSDB assumiu, com Alckmin, a via franca da direita, e como Ciro perdeu força quase total, resta apenas a extrema direita e a esquerda que não tem poder de fogo eleitoral, falo naturalmente dos competentes Manuela e Boulos. Marina embarcou na falácia de isenção ideológica entre direita e esquerda.
Moysés Pinto Neto – Significa que o PT preferiu apostar na sua saída com vantagem de Lula a arriscar-se em uma aliança. Levando em consideração os seus índices altos de popularidade, presume-se que – diante de um contexto fragmentado – o PT ainda tem chance de ir para o segundo turno. Os problemas são como construir alianças a partir de um não-candidato e, se for para o segundo turno, se tem possibilidade de vencer.
A rigor, desde que o impeachment se tornou uma possibilidade real, o PT vem cada vez mais se mantém numa atitude defensiva e reativa, utilizando o mecanismo de duplo vínculo no qual negocia com realismo por trás dos panos enquanto afirma um discurso radical, às vezes até sectário em relação a adversários e mesmo organizações próximas, ainda que não alinhadas. (Poderia citar meia dúzia de episódios de 2016 para cá.) Enquanto seus eleitores “se decepcionam” com as atitudes do partido – alguns até já o tinham abandonado, mas recuaram diante do golpe – o partido constrói uma estratégia voltada para a sua sobrevivência. Aliás, toda leitura política do PT pós-2002 envolve pensar como essas duas faces – partido e movimento – construíram diferentes relações com o restante da sociedade, alternando entre ganha-ganha e perde-perde. Desde 2014, com o #naovaitergolpe, o partido retoma parte do eleitorado orgânico da esquerda que perdeu em 2013, retomou com voto útil (“voto crítico”) no segundo turno de 2014 e reconquistou, usando a retórica anti-Temer, até agora. Perde, em compensação, boa parte de votos centristas que consideram essa retórica pesada demais – sobretudo o eleitor pragmático e de baixo interesse na política – e a outra parte do apoio que já perdera em 2013, frustrado com a atitude estrategicamente bizarra adotada pelo partido e a extrema dificuldade de conversar com qualquer outra força política de esquerda.
Ciro Gomes, por outro lado, jogou na sua melhor forma, mas perdeu como sempre. Tentou três jogadas que, se funcionassem, o empurrariam para a cabeça das pesquisas: começar despertando a solidariedade petista e confrontando a política de austeridade de Temer, a fim de conquistar parte do lulismo; depois, montar uma aliança com PCdoB e PSB na qual aglutinaria a esquerda não-petista, produzindo o isolamento do PT; finalmente, ainda tentou levar consigo, como bônus para excelência das alianças, o Centrão a fim de ganhar tempo de televisão. Só que deu tudo errado. O PT atraiu a centro-esquerda de volta mediante um acordo para autopreservação, o Centrão resolveu apostar em Alckmin e o lulismo continua batendo pé pelo seu candidato, sem transferir parcela significativa dos votos. Com isso, Ciro isolou-se e passou a ser uma zebra na disputa – abaixo de Marina Silva.
Do ponto de vista da esquerda, estamos perigosamente muito perto de um cenário francês em que a extrema fragmentação levaria a um segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro, dado que – mesmo que o primeiro tire votos do segundo – a parte residual pode ser suficiente para garantir a ida ao segundo turno e um esmagamento total do campo progressista.
Guiseppe Cocco – Creio que esse ponto de vista da "esquerda" não existe mais e, portanto, isso não significa absolutamente nada de novo, a não ser a confirmação do mesmo: a esquerda é o PT e o PT é Lula e Lula é puro cinismo, ação em causa própria, corrupção e irresponsabilidade política com relação ao país e sobretudo aos mais pobres. O grande legado do PT é mesmo ter destruído a esquerda no Brasil.
O que o PT quer mesmo é um segundo turno com Bolsonaro e o Bolsonaro quer o PT. Isso ficou claro já nas eleições de 2014. O PT e Lula são, o digo faz muito tempo, um problema sem tamanho para o Brasil e a maior ameaça a qualquer prática reformista e à própria noção de esquerda. A corrupção constitutiva do PT não é apenas uma questão de dinheiro e moral, é mesmo uma corrupção política: o Lulo-petismo dissolveu qualquer tipo de pauta reformista, só discute "direito de roubar que nem os outros" e se Triplex é ou não é de alguém.
O Ciro recebe a moeda que procurava. Antes desse episódio do PSB, ele foi participar do tradicional "leilão" do chamado "centrão" e ficou vencido pela oferta que o Alckmin conseguiu fazer. Que setores de esquerda "agora" se indignem, também não significa absolutamente nada. Não apenas porque tudo isso vem desde a década de 1990 (lembrem da negociata com Garotinho no Rio de Janeiro contra o Vladimir Palmeiras), mas porque eles contribuíram – depois de 2013 e sobretudo apoiando o estelionato eleitoral de 2014 – à resiliência do Lulo-petismo que agora os coloca nos seus devidos lugares e papeis de puxadinhos auxiliários do PT. A esquerda que se diz não-petista-mas-apoia-o-PT e como um bando de Walking Dead que anda à procura de fantasmáticas e impossíveis unidades ou refundações. Quem apostou na falsa polarização, no PT, na defesa do indefensável, na luta pelo espolio do PT e do voto-populista que o Lula carrega não apenas errou, mas quis ser refém desse aparelho mistificador que é o Lulo-petismo. Não há espetáculo mais esquálido da classe média carioca – limpinha e pura – se mobilizando para... ir da praça São Salvador até os arcos da Lapa escutar músicos que pararam de pensar, no coração do Rio de Janeiro falido pela coalizão mafiosa do PT e do PMDB, para gritar "Lula Livre".
A ruptura com essa inércia é uma questão mesmo de sobrevida e vai acabar acontecendo. A questão que conta é como essa ruptura vai acontecer: pela quebra do país como na Venezuela? Pela vitória da extrema direita? Ou pela vitória de um candidato moderado capaz de proporcionar uma fase de transição democrática? Ninguém sabe.
Aqui é preciso ter clareza: a esquerda e até a socialdemocracia não têm mais nada a oferecer ao que tem de positivo nessa demanda por ruptura, ou seja a procura por uma nova proteção social, por um novo pacto social, isso que nós vimos em junho de 2013, nas multidões de 2015 e 2016 e depois na greve selvagem dos caminhoneiros. Essa demanda tem uma outra cara, terrível, que é a guerra de facções que disputam os mercados gigantescos da economia criminal, muito além do narcotráfico.
Sem essa proposta de uma nova proteção, a ruptura que vai acontecer será mesmo pelo voto protesto como se anuncia o voto Bolsonaro (e a popularidade do Lula), como foi com Trump, Brexit e Salvini: a proteção vai ser por cima dos mais vulneráveis (os refugiados, os mais pobres) e do desmonte da globalização por meio da multiplicação de guerras comerciais que apenas confirmam e amplificam a uma guerra de outro tipo que já está acontecendo.
Precisamos de uma nova proteção social que saiba responder ao fato que o trabalho e o emprego no capitalismo contemporâneo não coincidem mais (como nesse fenômeno que é o UBER com São Paulo e Rio que já são a segunda e a terceira cidades mais importantes para esse capitalismo de plataforma, um capitalismo sem capital). E isso sem contar com a onda anunciada de destruição massiva de empregos de todos os tipos, inclusive nos serviços qualificados, anunciada pela automação baseada na Inteligência Artificial. Só uma uma renda de cidadania é capaz de fazer da flexibilidade, das plataformas, da informalidade momentos de mobilização produtiva para a paz. A necessária reforma da previdência tem que ser a oportunidade para um novo pacto: a necessária estabilidade macroeconômica deve ser uma das pernas do pacto e não a única. Implementar – mesmo que de maneira progressiva – a renda de cidadania é a outra perna necessária para romper mesmo a armadilha da "renda média", da violência generalizada das periferias e nas metrópoles como um todo: o que se gasta de segurança tem que ir para essa renda e reforma tributária tem que – eliminando todos os subsídios não essenciais – criar um fundo que redistribua parte da renda financeira e da renda da automação em Renda de Cidadania.
Rudá Ricci – Significa tentar recriar a polarização PT-PSDB na campanha inicial. Para tanto, precisaria diminuir a possibilidade da candidatura Ciro Gomes e atrair o campo de aliados históricos do PT (PCdoB e PSB) e diminuir o índice de intenção de votos de Bolsonaro. Quanto ao Bolsonaro, a candidatura Alckmin tratará de sua desidratação. O PT fez sua lição de casa, neste sentido.
Renato Janine Ribeiro - É uma estratégia hábil, partindo do ponto de vista de estabelecer uma candidatura de Lula, porque, nessa altura, ninguém mais tem dúvidas de que o Lula vai ser impedido de concorrer. Não tem o menor sentido o Supremo – que tem atuado sistematicamente contra Lula e contra o PT – autorizar na última hora a candidatura dele. A estratégia do PT é manter a intenção de voto alta em nome do Lula e transferir isso o mais tarde possível para o nome que o PT indicar; ainda não temos certeza de que nome será. Então, para o PT, essa é uma estratégia boa, mas ela inclui bombardear Ciro Gomes, que sempre foi leal ao PT e esse foi um ponto muito delicado. Porque, nesse sentido, agora na extrema direita teria somente o Bolsonaro, na direita sobrou somente o Alckmin, no centro – poderíamos chamar assim – tem a Marina Silva, mas com poucas chances, e o único grupo que está rachado é a centro-esquerda, entre o Ciro e o candidato do PT.
Com esses três principais focos, Bolsonaro à extrema direita, Alckmin à direita, e a centro-esquerda dividida entre dois nomes, há o risco de o segundo turno ser um enfrentamento entre Bolsonaro e Alckmin. Se for assim, será muito ruim para a esquerda e para o campo progressista ficar fora do segundo turno. A direita vai fazer de tudo para impedir uma vitória do campo progressista, mas isso seria ainda pior se a esquerda sequer conseguisse chegar lá [no segundo turno]. É um jogo arriscado.
IHU On-Line - De outro lado, qual o significado da aliança entre o PSDB e o Centrão?
Roberto Romano – É o final de uma dissolução de qualquer aceno do PSDB à vida democrática. Tal partido não é mais sequer uma sombra do que significava nos seus primeiros dias. É bom recordar que ao surgir os tucanos tinham rompido com o PMDB de Orestes Quércia, a quem eles acusavam de corrupção. Durante os dois governos FHC eles se aliaram às mais reacionárias e nada éticas correntes da vida pública nacional. Hoje, celebram núpcias com os herdeiros de Eduardo Cunha e quejandos. Em tal aliança, sumiram todos os compromissos com a democracia, a ética, em proveito de um suposto ganho eleitoral.
A tentativa de colocar Alckmin como uma escolha que afastaria a candidatura da extrema direita é patética, quando os nomes dos aliados de agora, o famigerado Centrão, surgem diante dos eleitores. Uma certeza: os partidos “aliados’ darão prioridade para suas candidaturas próprias, deixando Alckmin na posição de traído ou de “cristianizado”. Estou, é claro, recordando o candidato Cristiano Machado que em 1950 imaginava ter apoio e foi traído pelos que supostamente o seguiam. Tal fenômeno é mais comum na política nacional do que os tucanos suspeitam. Aliás, tanto Alckmin quanto Serra foram cristianizados pelos próprios correligionários, quando ocorreu a aliança informal de Lula com Aécio e de Dilma com Anastasia (os famosos lulécio e dilmasia). Alckmin não tem o que comemorar com sua aliança eleitoral com raposas bem nutridas da politicagem nacional.
Moysés Pinto Neto – Torna Alckmin favorito. Apesar da fama de quem não decola, Alckmin vai contar com uma estrutura gigantesca, despertar uma onda de confiança na sua capacidade de articulação e isso pode gerar a naturalização do seu nome. Nesse caminho, ele deve fazer alguns gestos mais conservadores a fim de reconquistar o eleitor de Bolsonaro, que pode voltar ao ninho tucano pelo voto útil. Na campanha do boca-a-boca, os cabos eleitorais de Alckmin deverão usar o argumento de que Bolsonaro certamente perde para qualquer um no segundo turno e, por consequência, é um voto perdedor. Mas não podemos continuar mais tempo subestimando o peso do populismo autoritário de Bolsonaro, que conseguiu uma base orgânica poderosa, similar à esquerda em eleitores que se identificam ideologicamente – e não apenas utilitariamente – com sua candidatura. Com isso, Bolsonaro conta com um piso fixo.
De resto, o apoio do Centrão a Alckmin – na ausência de Lula, a quem eu acho que apoiariam (fora o DEM) – mostra que o “medebismo” continua vivo e pulsando a plenos pulmões e que, se não priorizarmos as eleições legislativas, continuaremos com esse regime de coalizão comprada que 2013 buscou contestar na demanda pelo aprofundamento democrático.
Guiseppe Cocco – Um significado bastante simples: mostra que Alckmin, apesar de poder apresentar uma gestão do Estado de São Paulo mais digna do que o PT e PMDB fizeram alhures, não é nenhuma alternativa, mas a reprodução do mesmo que era a coalizão corrupta liderada por PT e PMDB. A campanha eleitoral do Alckmin é organizada em torno de um leilão: da reprodução do mecanismo básico da corrupção sistêmica contra a qual se levantou a multidão em junho de 2013 de onde nasceu a Lava Jato.
O Alckmin e o PSDB fazem o mesmo que Lula e o PT: é "mais do mesmo", uma tábua de salvação para o centrão corrupto. Mais uma vez, a única alternativa real, de ruptura para uma verdadeira transição democrática para fora da república nova está nas mãos de quem se recusa a essas alianças espúrias.
Rudá Ricci – Exatamente a tentativa de diminuir os espaços de Bolsonaro. A composição da chapa com a ultradireitista Ana Amélia é outro passo nesta direção.
Ivo Lesbaupin - O PSDB é o partido organizador do golpe de 2016. Depois do impeachment da presidente Dilma, as revelações que vieram à tona desmistificaram a áurea de honestidade de suas principais lideranças, jogando várias biografias na lama. O que este partido queria representar de novidade ou de diferença se esvaiu na mesma enxurrada. A luta contra a corrupção que lhes interessava era aquela que derrubaria Dilma da presidência e colocaria Lula na prisão. Os demais corruptos (entre os quais eles próprios), a corrupção no sistema político, a corrupção dos banqueiros, não os preocupa. E, contrariamente aos políticos do PT, eles têm defensores suficientes no Judiciário para impedir que sejam atingidos de alguma maneira: podem vir acusações, denúncias, provas, gravações, não interessa. Foi assim que trataram Aécio, foi assim que trataram Alckmin e é assim que eles podem se dar ao luxo de ser candidatos e posar de “santos”.
O que interessa a este partido, a seus dirigentes? O poder, a qualquer custo. Nesta altura dos acontecimentos, não há mais nenhum verniz de vergonha a impedir seus esforços para chegar à presidência, são capazes de qualquer coisa. Se Temer é capaz de comprar parlamentares e se aliar com quem quer que seja, o PSDB também o é. Para que querem o poder? Seu objetivo é levar à frente as políticas de ajuste fiscal, as reformas necessárias para destituir os direitos dos cidadãos – entre as quais a reforma da previdência - e colocar o Estado a serviço dos mais ricos. A aliança com o Centrão oferece uma série de vantagens, inclusive a de possibilitar mais tempo de propaganda na televisão. Ademais, permitirá ao candidato, se eleito, uma maioria no Congresso para aprovar seus projetos. Não importa se esta maioria não é constituída de gente honesta: “os fins justificam os meios”.
Lula está preso, mas os grandes corruptos estão soltos, inclusive o atual presidente, e não há nenhuma Lava Jato investigando suas ações.
Renato Janine Ribeiro – O PSDB é um partido que enfraqueceu muito, e que vai enfraquecendo mais por causa do impeachment, porque se desmoralizou demais. Com isso, fortaleceu a extrema direita que, durante 20 anos, ou não existia ou não votava no PSDB. Então, essa extrema direita ficou grande e, talvez, ficou até maior, segundo as intenções de voto, do que o próprio PSDB; agora o partido está procurando trazer de volta a extrema direita, mas dando voz a ela.
É um jogo triste para o Brasil, porque significa que um partido que foi decisivo na defesa dos Direitos Humanos, que teve um papel muito importante na conquista da democracia, mudou realmente de perfil no último período. Foi mudando gradualmente ao longo dos governos petistas, mas, no período pós-2014, primeiro se subordinou à extrema direita para conseguir o impeachment e, com isso, perdeu a voz própria. Hoje, está com uma chance de votos que depende muito mais de manobras políticas, de manipulações, do que de uma força própria, uma força leal dele. Esse é o problema dessa aliança do PSDB com o Centrão e com os setores ainda mais à direita do que eles.
IHU On-Line - Como avalia o comunicado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, de que a previsão orçamentária assegura recursos somente até agosto de 2019?
Roberto Romano – É um desastre que começou com os cortes efetuados no governo Dilma, quando ela foi acuada pelos seus aliados de ontem a efetuar uma subtração enorme nos gastos sociais e similares. Com Temer, tudo piorou. O Brasil segue para a dependência absoluta de saberes científicos e técnicos de países estrangeiros. No Paraná, em evento na Universidade Federal, me referi ao fato como “genocídio”. E jornalistas da direita, em Curitiba, me insultaram chamando minha fala de delírio e minha pessoa de senil. Para se registrar a violência que grassa em todos os setores da vida brasileira.
A tragédia terá como continuidade a fuga acelerada de cérebros, o esvaziamento dos laboratórios, a perda de capacidade médica, a falta de especialistas em engenharia, física, química, biologia em quase todos os campi. As consequências serão o aumento da fome, da mortalidade, das doenças, da falta de competitividade da indústria diante de concorrentes internacionais. Se tal fenômeno não pode ser chamado de genocídio, não existe mais genocídio no planeta.
Moysés Pinto Neto – Mostra que o Brasil continua sem a capacidade de fazer investimentos estratégicos necessários para seu desenvolvimento como país. Não há como avançar no que quer que seja sem ter pesquisa, apenas recebendo passivamente o que os outros países produzem. Sequer na nossa própria construção interna, uma vez que – como vimos nos últimos anos – estamos permanentemente redescrevendo o Brasil, agora mais periférico, negro, mulher, indígena, quilombola, por exemplo.
A política de pesquisa melhorou no período petista com duas visões diferentes. No período Lula, a ideia – pensada ou improvisada, tanto faz – era de que liberar as forças da sociedade civil era suficiente para que o tanto reprimido pela falta de investimento se mostrasse produtivo e o Brasil, pela via da bricolagem e da criatividade dos seus habitantes, apresentasse um novo modelo de desenvolvimento. Uma política mais rigorosamente democrática, elaborada de baixo para cima, tal como ocorrera também, por exemplo, com os Pontos de Cultura. No período Dilma, o investimento atrelou-se a uma noção desenvolvimentista de impulsão do Brasil como potência mundial dos BRICS, associando aos países asiáticos o grande salto. A visão era mais tecnocrática. A pesquisa, por exemplo, realçava a importância das engenharias para a construção de uma nova infraestrutura nacional, bastando lembrar por exemplo da exclusão das humanidades do programa Ciências sem Fronteiras.
Como tudo no governo Dilma, contudo, “faltou combinar com os russos”. A aliança com os grandes empresários na “Agenda FIESP” acabou naufragando pela falta das condições políticas que supostamente estariam presentes e, com a mudança do eixo de avaliação para a austeridade a partir de 2014, o equilíbrio fiscal entrou em colapso, gerando cortes orçamentários que acabaram interrompendo projetos de longo prazo. Se o desenvolvimentismo foi um “ensaio”, dá para dizer que não ultrapassou um curto período de tempo, foi feito de modo desorganizado (a decisão voluntarista de Dilma sobre o Ciência sem Fronteiras é um exemplo claro) e deixou a aparência de puro wishful thinking, pois não foram criadas as condições políticas, econômicas e sociais para seu prolongamento.
O duro é que não há projeto algum alternativo a isso. Os liberais sonham com a extinção da gratuidade das universidades públicas – que são os principais polos de pesquisa e inovação no Brasil – em um cenário norte-americano de grandes fundações da sociedade civil financiando pesquisa, fingindo não se dar conta que a elite brasileira é fundamentalmente extrativista e que não é um acaso que nada disso exista.
Outras vezes, o projeto educacional inspira-se na Coreia do Sul, por exemplo, como se não houvesse diferenças antropológicas imensas e tudo pudesse ser medido por números e planilhas, sem pensar no próprio aspecto qualitativo do que significa desenvolvimento.
Ainda carecemos drasticamente de uma imagem de política educacional consistente e bem estruturada, pensada de baixo para cima e levando em consideração as variáveis antropológicas que caracterizam a nossa ideia de “bem viver” para além das métricas economicistas que preponderam tanto na direita quanto na esquerda.
Rudá Ricci – As projeções em relação a este corte são assustadoras. O corte de R$ 580 milhões atinge 200 mil bolsistas. Atinge o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - Pibid, o Programa de Residência Pedagógica e o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - Parfor, cuja previsão é de atingir 105 mil bolsistas em 2019. Programas de fomento às pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado contarão com 93 mil estudantes e pesquisadores bolsistas para o próximo ano. O governo Temer será lembrado como o maior desastre para as políticas públicas do Brasil em toda nossa história.
Ivo Lesbaupin – Desde o momento em que a Emenda Constitucional 95 do governo Temer foi aprovada pelo Congresso, todos os especialistas advertiram para a gravidade dos cortes nas políticas sociais que ocorreriam em função desta nova lei. Avisaram que os recursos diminuiriam ano a ano até o vigésimo ano. O que a carta da direção da CAPES denuncia é que, agora, os cortes atingirão drasticamente os cursos de pós-graduação em todo o país: “(...) Suspensão do pagamento de todos os bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado a partir de agosto de 2019, atingindo mais de 93 mil discentes e pesquisadores, interrompendo os programas de fomento à pós-graduação no país (...)”.
Nunca se viu um ataque tão violento contra o ensino superior público no Brasil desde a Constituição de 1988. E isto é apresentado como uma medida de racionalidade econômica, sem, no entanto, que se mexa um centavo nos 400 a 500 bilhões de reais por ano que são transferidos aos mais ricos deste país como pagamento de juros da dívida pública. Na prática, a Constituição de 1988 não está mais em vigor, vem sendo substituída por estas leis que destroem direitos lá consagrados. O governo atual pretende transformar o Estado, de organizador de políticas públicas, em garantidor dos repasses do dinheiro público ao setor privado (empresas e indivíduos).
O Estado não deixa de existir, nem tampouco deixa de recolher os impostos de toda a população, ele simplesmente deixa de atender às demandas públicas para atender à minoria de privilegiados. A continuidade da educação e da saúde passará a depender dos investimentos privados, pagos por quem tiver condições econômicas para isso. O motivo para a presença do Estado, o oferecimento de serviços públicos, desaparece: com que argumentos o Estado vai continuar a cobrar impostos, se os serviços para os quais estes impostos são pagos deixam de existir? Por que razão o governo atual pretende seguir o caminho inverso àquele dos países desenvolvidos: menos educação, menos universidade, menos pós-graduação? Quem decidiu que a educação deve deixar de ser pública para ser privada? Os cidadãos estão sendo destituídos daquilo que escolheram e conquistaram no processo constituinte de 1986-1988.
É absolutamente fundamental a reação da sociedade civil para obrigar o governo a recuar desta decisão.
Renato Janine Ribeiro – Há dois aspectos nisso. O primeiro é o conteúdo do comunicado, que é assustador. Ele mostra um descaso gigantesco do atual governo pela pesquisa. Faz tempo que a comunidade acadêmica protesta contra esse descaso, mas até o momento não tinha havido uma medida tão grave quanto essa, com uma previsão orçamentária que acaba com o financiamento das pesquisas no Brasil e com as relações internacionais que tanto demoraram a ser construídas. Esse descaso é ainda mais grave porque vem junto com outras medidas do governo, como anistia a multas não pagas por empresas, que somam muitíssimo mais do que a economia que vai ser obtida com o corte da pesquisa no Brasil. O conteúdo do comunicado é muito preocupante.
O outro lado da questão é o fato de que é o próprio Conselho Superior da Capes que emite essa nota, a qual é assinada pelo presidente da Capes, que é um cargo de confiança. O Conselho Superior, na sua grande maioria, é formado de pessoas que ou são membros do governo, como o secretário de Ensino Superior do MEC, ou foram escolhidos pelo governo, como os representantes da comunidade científica, que não são eleitos propriamente, mas são escolhidos. Então, quer dizer que pessoas do próprio governo estão vindo a público para manifestar todo seu receio com relação às atitudes do governo. A coisa é tão grave que o próprio governo se divide entre os setores ligados à Fazenda, que não têm preocupação com a pesquisa, e os setores da parte da comunidade científica, ou setores mais ligados à pesquisa e que estão alarmados porque todo um trabalho de 45 anos vai ser jogado fora. A situação ficou tão grave que até dentro do próprio governo está se abrindo uma espécie de cisão.
Esse é o tipo de coisa que em condições normais seria negociada nos bastidores pelo governo e com o governo. Quando uma parte do governo, fraca politicamente, mas importante cientificamente, decide vir a público, é porque se esgotaram as condições de negociação do MEC com a Fazenda, pois o MEC e a Capes partiram diretamente para a opinião pública. É essa a avaliação que faço, quer dizer, a crise é muito séria.
IHU On-Line - Que relações são possíveis estabelecer entre este anúncio e os cortes que vêm sendo feitos desde 2015, no governo Dilma?
Moysés Pinto Neto – A virada em 2015, com o estelionato eleitoral do PT, implicou que investimentos tidos por estratégicos em um contexto de crescimento acabaram sendo tomados como gastos. A tesoura da austeridade acaba valorizando os números a partir de uma linha reta sem nuances, evitando que posições fundamentais a longo prazo possam ser resguardadas, enquanto outras – como os inúmeros privilégios distribuídos na sociedade – pudessem perecer. O PT tampouco teve força para repactuar os investimentos pela sua linha política caótica e por negar qualquer necessidade disso ao longo da campanha, demonizando os adversários.
Fala-se muito da “geringonça” portuguesa por aqui, mas os portugueses não deixam de ajustar inúmeros pontos a fim de produzir um equilíbrio fiscal. Voltados, porém, para privilégios. No nosso caso, muitas vezes a própria esquerda acaba aderindo de modo não-crítico ao corporativismo e ao patrimonialismo. Exemplos disso são as isenções fiscais para a indústria – que nunca deu o retorno que não simplesmente manutenção de empregos para a sociedade – e a Previdência/Assistência Social, que poderia ser reconfigurada a fim de evitar ser simplesmente uma caixa de acumulação patrimonial de boa parte dos contribuintes para funcionar também como plataforma redistributiva, de justiça social e política pós-emprego (com a renda mínima cidadã).
Rudá Ricci – Temer decidiu impor esta lógica comprovadamente desastrosa da "austeridade fiscal" que desestabilizou toda a Europa. Os cortes irresponsáveis do orçamento estão jogando o país no desalento. Lembremos que o orçamento público, ao contrário do doméstico, tendo cortes de investimentos (e os investimentos públicos, na Era Temer, recuaram aos valores de 50 anos atrás), acabam diminuindo a arrecadação pública de tal maneira que ingressamos num inferno econômico que freia o desenvolvimento do país. Por este motivo que os 4% de crescimento previstos para este ano em janeiro já caíram para 1,6% e devem, ao final do ano, se revelarem abaixo de 1%.
Ivo Lesbaupin – Não podemos esquecer que o ajuste fiscal mais recente começou a partir da vitória de Dilma em 2014. Contrariando suas promessas de campanha, no dia seguinte ao das eleições, Dilma decidiu implementar o ajuste fiscal e, para deixar bem clara sua opção, convidou Joaquim Levy para ser ministro da Fazenda. Vários economistas do PT e outros advertiram sobre as consequências desastrosas das medidas de austeridade que seriam tomadas: Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Sicsú, Guilherme Delgado entre outros. A recessão econômica que se seguiu, o crescimento do desemprego, a piora das condições sociais já começaram durante o segundo governo Dilma. Isso repercutiu na “fragilidade” da reação popular em defesa à presidente durante o processo de impeachment. O governo tinha também uma reforma da previdência em preparação. Não havia, porém, nenhuma medida tão drástica em andamento. Particularmente, na área da educação, não havia nada de semelhante ao que o governo Temer está fazendo.
De qualquer modo, o que aconteceu no governo Temer foi a radicalização de um ajuste fiscal já iniciado. A diferença é que, como é próprio de um golpe, não se perguntava a opinião da maioria: toda a força foi jogada na aprovação urgente das medidas antissociais, com compra explícita de votos, sem permitir contestação social e jogando a repressão contra qualquer manifestação contrária. Em pouco tempo - menos de um ano -, as novas leis desfiguraram a Constituição vigente.
O que se deveria chamar a atenção é que os movimentos sociais, em função deste governo prévio pouco atento às suas reivindicações, estavam desmobilizados. Os movimentos sociais tinham sido acostumados a pouco reclamar e a esperar: não estavam em clima de mobilização. Por outro lado, as acusações de corrupção, mesmo não provadas, contribuíram para deslegitimar os políticos e o partido que estava no poder, o PT. Para isso, contribuiu a Lava Jato, com decidida colaboração da grande mídia. Mas contribuiu também o modo de fazer política adotado pelo PT no poder: não quis fazer reforma política, não promoveu mudança na política de barganha, do toma-lá-dá-cá – que é a forma usual de se fazer política neste país. Não se apoiou na força de mobilização dos movimentos, no aprofundamento da consciência crítica dos trabalhadores. Centrou sua atuação no Congresso, com os métodos de sempre.
Apesar disso, não custa lembrar que, depois de quatro anos, é possível verificar que a cruzada da Lava Jato contra a corrupção foi para atingir o PT e suas lideranças, não para acabar com a corrupção: os demais corruptos e os demais partidos envolvidos com a corrupção são deixados de lado, eventualmente trazidos à baila, mas rapidamente dispensados. Para estes últimos não precisa de triplex ou de sítio sem comprovação de propriedade, há malas de dinheiro, gravações, falas explícitas: nada disso é prova. Temer, Romero Jucá, Padilha, Aécio, todos continuam tranquilamente sua vida política como se nada tivesse acontecido. O importante é que aprovem as leis que retiram direitos.
Renato Janine Ribeiro – Depois da eleição de 2014, constatou-se que havia uma crise econômica maior do que se imaginava. O fato é que, tão logo terminou a apuração eleitoral, o governo da época começou a fazer contenções, mudou a política econômica e, como disse a presidente Dilma mais de uma vez, o dinheiro acabou. Não havia como manter a expansão econômica anterior, que significava que a cada ano se tinha que colocar mais dinheiro nas áreas prioritárias que são educação, saúde e inclusão social. Tivemos um problema já no governo passado.
E com o governo posterior ao impeachment, o que temos? As medidas que se prometiam como salvadoras da pátria não resolveram a situação e na verdade apenas agravou o problema. Além disso, o governo anterior, o governo Dilma, embora tenha feito alguns cortes muito menores do que esses, era um governo que efetuava corte a contragosto. Não tinha nenhuma satisfação nisso. O governo atual efetua cortes em questões que são estratégicas para o país ao mesmo tempo em que faz alianças, acordos com o Congresso para votar pautas, o que significa desembolso de dinheiro grande em questões que não são prioritárias. Existe uma diferença de foco muito grande entre o governo anterior e este, embora o governo anterior já começasse a ver a crise.
Finalmente, estou convencido de que se não tivesse havido todo o empenho de depor e destituir o governo anterior, se tivesse havido algum tipo de negociação para o bem do país, nós já teríamos superado essa crise. Essa crise tem um forte ingrediente político. Destituiu-se um governo eleito, colocou-se no lugar um governo que está fazendo a política oposta àquela que os eleitores aprovaram em 2014, e com isso nós temos um nível de instabilidade que só cresceu ao invés de diminuir.
IHU On-Line - Quais os impactos deste anúncio, levando em conta a Emenda Constitucional - EC 95?
Roberto Romano – A PEC 95 é uma enorme desculpa para arrancar recursos das políticas públicas, em proveito de empresários que, na saborosa e triste afirmação de Delfim Netto, “mamam nas tetas do governo’. Na sua política suicida eles impuseram a receita neoliberal ao país, mas sempre tentando salvar os subsídios para si mesmos. Se aquela política for assumida integralmente, teremos um retrocesso social, científico, técnico, econômico nunca antes observado aqui. O que levará à falência todos os que ainda hoje exigem mais cortes no orçamento público, apesar dos sinais inquietantes que surgem em todas as rachaduras do Estado. Ou melhor, com tal medida, dificilmente haverá Estado brasileiro soberano em prazo médio ou curto. É sempre oportuno recordar a advertência de um grande pensador moderno: “No longo prazo, todos estaremos mortos”. A PEC 95 é o começo do funeral de um país antes promissor.
Moysés Pinto Neto – A Emenda é a responsável pelo teto de gastos. Não sou economista para ingressar na polêmica entre ortodoxos e heterodoxos em torno do orçamento público. Minha percepção é como cidadão e alguém que estuda um pouco sobre política a partir das humanidades. Pragmaticamente, para o cidadão, o equilíbrio fiscal trouxe associações positivas, em especial o controle da inflação. Por outro lado, estava mais ou menos claro que era uma regra que seria aplicada burramente, isto é, sem a necessidade de se movimentar os pontos em que os cortes seriam justos. O sacrifício viria, ao contrário, pelos mais vulneráveis e os serviços essenciais. Pode até ser que quem redigiu essa Emenda tivesse a boa intenção de produzir “na marra” a revisão desses vários privilégios, sob pena do colapso da educação, saúde e segurança pública, mas às vezes parece mais fácil o mundo perecer que os donos do Brasil abrirem mão. Com isso, quem paga a conta dos excessos são os pobres e os projetos que envolvem pensamento estratégico, como a própria pesquisa acadêmica que nem sempre corresponde a uma utilidade imediata, mas nada do que é relevante é inventado sem antes se passar por um momento em que se foge da necessidade instantânea.
Guiseppe Cocco – As Bolsas, como a Renda de Cidadania tem que aumentar e não diminuir, mas isso não pode acontecer até que uma dinâmica de "confiança" não aparecer no horizonte. Em primeiro lugar essa situação tremenda é herança do PT, assim como o governo Temer.
A situação é muito grave. Não estamos diante de "cortes" desde 2015, mas da falta mesmo de "recursos" e, pois, das escolhas que essa falta de recursos e a perspectiva que ela se agrave impõem. Ou seja, a situação é muito pior do que aquela na qual estariam acontecendo alguns "cortes". O que acontece desde 2015 não são "cortes", mas as consequências nefastas da tentativa neodesenvolvimentista da Dilma: vejam o Rio de Janeiro, estamos tendo que pagar as dívidas dos estádios, vilas olímpicas, arco metropolitano, porto maravilha, teleféricos, BRTs, dos bilhões enterrados no Polo Petroquímico de Itaboraí, do assalto à Petrobras... sem esquecer as centenas de milhões gastos para as UPPs e que resultaram na guerra generalizada de facções etc. Nada disso funciona, nada disso melhora a qualidade da vida, mas temos que pagar com um dinheiro que não temos: não temos dinheiro não apenas porque foi torrado, mas porque torraram as condições sócio institucionais para criá-lo.
Essa é herança de Lula e do PT.
A reeleição da Dilma foi uma tragédia sem tamanho para o país e a forma disso foi o "ajuste desajustado" que ela implementou no dia seguinte do segundo turno (e determinou seu impeachment): tivemos todas as consequências negativas (cortes etc.) sem sequer aqueles efeitos "positivos" (retomada da confiança) que os ajustes procuram. Como o chavismo quebrou a Venezuela e milhões de venezuelanos morrem de fome, falta de remédios, violência civil ... e outros milhões emigram, o PT e o PMDB juntos ao "centrão" assaltaram o país, quebraram a economia brasileira e continuam querendo nos governar. O resultado ainda não é aquele da Venezuela, porque o Brasil tem uma economia diversificada, mas também porque o PT e o PMDB não conseguiram confirmar o golpe que deram em 2014 e tiveram que fazer o "impeachment" para sobreviver. A Dilma foi meio que um bode expiatório que Lula e Temer sacrificaram aos deuses da "opinião" para organizar sua resiliência: Ciro, por um lado, o esquerdismo pelo outro, ajudaram nessa operação mistificadora.
Mas a situação é dramática e o resultado eleitoral é fundamental para que um caminho de saída se desenhe.
Narrativas falsas significam dinheiro falso.
O dinheiro nos falta hoje porque a moeda de Lula e Temer é falsa e só a reconstrução da confiança pode nos tirar desse buraco sem fundo. Corremos o risco de cair do fundo do poço para um poço sem fundo: a moeda que Lula e o sistema do "centrão" oferecem é tão explicitamente falsa que até um candidato tosco e totalmente despreparado parece estar dizendo alguma verdade.
Essa demanda por confiança hoje se apresenta como pânico, incerteza radical, crise e guerra. O desafio é trabalhar na construção de uma confiança potente, alimentada por um novo patamar democrático: para essa perspectiva urgente, o tema da nova proteção social é estratégico, a proposta política capaz de deslocar o debate.
Rudá Ricci – Esta foi a mais irresponsável medida deste Congresso Nacional. Estudos revelam que se essa famigerada lei não for derrubada rapidamente, atingiremos, em vinte anos, o nível de investimento social de Madagascar ou Congo. Estaremos no final da fila do ranking mundial neste quesito. Estudos do maior especialista neste tema, o inglês David Stuckler, sugerem que teremos aumento dos casos de epidemias por doenças já superadas por nós, aumento do índice de suicídios e casos de aids. Uma irresponsabilidade monstruosa com o futuro de nosso país.
Ivo Lesbaupin – Como disse anteriormente, esta Emenda Constitucional, agora lei, derruba os direitos consignados na Constituição Cidadã de 1988. Não é que ela muda a redação, acrescenta ou tira alguns itens: ela se contrapõe aos direitos constitucionais. Se houvesse um Tribunal Constitucional no Brasil, esta emenda seria revogada. Mas como o STF – se não todos, a maioria dos seus membros - faz parte do golpe, não houve reação. Escreveu-se uma nova constituição, só que tem o nome de emenda.
A partir dela, os direitos à educação e à saúde públicas estão subordinados a haver recursos para isso. Haverá recursos para pagar juros para os mais ricos sem nenhum condicionante: pior, se retirará dinheiro dos mais pobres para garantir estes recursos. Eles podem passar de 400 bilhões para 500 bilhões de um ano para o outro, não há problema. Mas não haverá recursos suficientes para saúde e para educação, eles serão sempre reduzidos, ano após ano. E isto é considerado progresso, responsabilidade fiscal. Entre o dinheiro dos banqueiros e rentistas e a vida da maioria dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres, é responsabilidade o Estado garantir o que cabe aos primeiros, não é responsabilidade do Estado garantir saúde e educação para todos.
Este é o espírito e a letra da EC 95. Como disse um ex-presidente da República, “o Brasil não é um país pobre: é um país injusto”. E tem governos especializados em realizar o cumprimento das injustiças e impedir que se faça justiça. No Brasil, estamos construindo uma ponte para o passado: no nosso caso, o passado é anterior a 1948, quando foi aprovada, nas Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – dentre os quais, os direitos à educação e à saúde.
Renato Janine Ribeiro – O grande problema do Brasil é não só manter o dinheiro que estava sendo colocado na educação, na saúde e na área social, como também aumentar esse dinheiro todo ano, porque há expansão da população. Assim, se hoje temos uma verba X para a saúde, no próximo ano essa verba tem que ser maior, porque a população irá aumentar. Então, temos que gerar recursos para isso. A solução para garantir esses investimentos é retomar o crescimento do PIB rapidamente. Mas mesmo isso a EC não permitiria, porque ela congela as verbas em termos reais. Então, com o PIB crescendo ou diminuindo, a verba seria a mesma e não garantiria uma expansão para o futuro.
Os grupos que têm maior pressão para fazer suas pautas passarem não são aqueles voltados para educação, saúde e gasto social, e sim grupos fortes ligados a carreiras jurídicas ou ao empresariado. Eles acabam absorvendo uma parte da verba que deveria ir para as áreas de saúde, educação e gasto social, que atenderia a população mais pobre. Essa situação torna essa EC uma bomba-relógio. Agora, não basta a EC; é preciso fazer a economia voltar a crescer e até agora os sinais disso são fracos. Também não adianta dizer que vamos aumentar o gasto se não tem dinheiro para isso. A saída seria ou cobrar mais impostos de quem pode mais, ou ter um PIB constantemente crescendo.
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O jogo da política nas eleições presidenciais e as tensões entre a habilidade e o risco. Algumas análises - Instituto Humanitas Unisinos - IHU