03 Julho 2018
Quando a arquidiocese de Nova York anunciou uma alegação “credível e substancial” de abuso sexual confirmada contra o cardeal Theodore McCarrick - ex-arcebispo de Washington, que havia atuado como padre em Nova York - era a primeira vez que um cardeal americano foi acusado pessoalmente de crime envolvendo um menor no contexto de uma crise que envolveu a Igreja por quase duas décadas.
A reportagem é de Charles Collins, publicada por Crux, 02-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
No entanto, o anúncio mais negligenciado veio quando a arquidiocese de Newark, liderada por McCarrick de 1986 a 2000, revelou que o cardeal havia sido acusado de ter se envolvido em atos sexuais com adultos e que dois deles fizeram alegações resultando em acordos financeiros.
Não foi tão surpreendente porque tais rumores perseguiram McCarrick por anos. O colunista do New York Times, Ross Douthat, disse em 23 de junho, que os amigos jornalistas lhe afirmaram: “Quando McCarrick pediu às suas vítimas para se dirigirem a ele, tinha uma história tão longa de perseguir seminaristas e padres que um grupo de católicos foi a Roma para pedindo para que ele não fosse nomeado arcebispo de Washington, embora sem sucesso”.
Douthat também confirmou que a história havia sido levada adiante, mas que nenhuma fonte iria se expor. Além disso, como a maioria das supostas vítimas tinha mais de 18 anos, elas não violam a carta dos bispos sobre proteção infantil.
Mas esse é o fim da história? Uma maçã podre é finalmente pega, talvez com um pouco de atenção dada pelo #MeToo sobre abuso de poder por parte de uma das figuras mais influentes da Igreja? Ou é um sinal de um problema pouco discutido, mas que aparece sistematicamente entre os católicos?
McCarrick não é o primeiro cardeal a sofrer tais acusações. Keith O’Brien admitiu ter relações inapropriadas com seminaristas adultos, renunciando a seu cargo de arcebispo de Saint Andrews e Edimburgo em 2013.
Esses casos, embora não tão chocantes quanto o abuso de menores, também demonstram que a batalha da Igreja contra a má conduta sexual - mesmo que nem sempre se enquadre em uma definição restrita a “abuso” - ainda está em seus estágios iniciais.
Embora a solicitação de favores sexuais a subalternos seja considerada antiética em qualquer ambiente, as razões vão além da sordidez dessas relações: “Muitas vezes, as vítimas-amantes recebem favores em troca, e podem também estar em uma posição única para procurar esses favores. O que é verdade no campo corporativo se torna duplamente verdadeiro no mundo eclesiástico.
Uma situação análoga se apresenta no Chile, onde acólitos do notório pedófilo, padre Fernando Karadima, que, embora não fosse bispo, exerciam muita influência na Igreja chilena, foram ocasionalmente promovidos ao episcopado sob sua orientação.
Os rumores de uma "máfia" são um conjunto de teorias da conspiração na Igreja, mas como Douthat diz em sua coluna de 23 de junho, "se você quisesse a verdade sobre a corrupção na Igreja Católica, você teria que ouvir os aparentemente extremos, tradicionalistas e radicais, porque eles eram os únicos suficientemente alienados da instituição para realmente cavar sua podridão”.
(Não são apenas os excêntricos e extremistas: na entrevista do livro de 2016, Bento XVI, Conversas Finais, o papa emérito disse que desmantelou um “lobby gay” no Vaticano, embora ele tenha dito que não era muito grande. O Papa Francisco também supostamente afirmou que esse lobby existiu, logo após sua eleição em 2013, quando teve uma reunião privada com os líderes da Confederação Latino-Americana de Ordens Religiosas, mas tanto o Vaticano quanto a confederação não confirmaram o relatório.)
Basta dizer que “tios” têm sobrinhos e o nepotismo tem uma longa história na Igreja.
Isso é agravado se houver um desrespeito pelo ensino sobre a moralidade sexual, criando uma subcultura oculta, onde as regras não se aplicam.
A documentação do acordo alcançada por uma das supostas vítimas de McCarrick, pinta a imagem de uma cultura de negligência sexual e conduta imprópria que pode parecer difícil de acreditar, mas se você precisa de um panorama, o ex-padre, Richard Sipe, publicou um artigo sobre abuso de clero, em 2010 [pode ser acessado em inglês aqui]
O que nos leva a outra questão no caso McCarrick: a interseção entre a má conduta em série com seminaristas e o possível abuso de menores. A maioria dos rumores em torno do cardeal estava relacionado a adultos, mas o que provocou sua queda foi uma acusação credível do abuso sexual de um menor.
Isso é uma lacuna na lei: se um padre faz sexo com alguém de 17 anos, é uma suspensão. Se é seu aniversário de 18 anos, é apenas outro "acordo não revelado". Isso leva a uma situação em que alguns agressores, desde que não envolvam atividades criminosas claras, ainda têm espaço para operar na Igreja.
Isso reafirma uma cultura de acobertamento, desde que seja fornecido um documento com foto que comprove a idade. Mas como todos que já trabalharam em um bar sabem, os frequentadores sempre vão tentar convencer o segurança a deixar colocar para dentro alguém menor de idade. Se a hierarquia da Igreja continuar a fechar os olhos para a má conduta sexual envolvendo adultos, nunca será capaz de pôr fim ao abuso sexual de menores.
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Lição do caso McCarrick: prestar atenção na má conduta sexual entre adultos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU