27 Junho 2018
“Se existe comunhão de vida e de amor em Cristo, creio que nenhum dos cônjuges, embora de confissões diferentes, pode ser mantido longe do banquete eucarístico.”
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado em Come Se Non, 23-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma série de reações à carta da Congregação para a Doutrina da Fé de 25 de maio de 2018 nos permite desenvolver algumas considerações sobre o alcance desse texto e sobre as consequências que ele poderá ter na vivência eclesial da qual se ocupa.
A perspectiva de “comunhão eucarística” para sujeitos pertencentes a tradições cristãs protestantes certamente não pode ser definida com base no cânone 844, 3-4. De fato, esse parece ser o caminho escolhido pelo texto alemão, e, por esse caminho, corre o risco de ficar sufocada a nova perspectiva que tal texto da Conferência Episcopal Alemã quer propor para indicar o caminho de uma comunhão possível. Com efeito, o texto do cânone fala de acesso aos sacramentos (eucaristia, penitência e unção) também por sujeitos não católicos, com a condição de que:
- haja perigo de morte ou outra grave necessidade;
- que o sujeito “manifeste a fé católica” e esteja bem disposto.
Como é evidente, esse cânone lê o possível “Einzelfall” (caso particular) na ótica de uma condição in extremis e na perspectiva de uma “conversão”. Este é o máximo que a lei canônica pode prever, pelo menos hoje. Mas isso permanece largamente aquém da questão posta sobre a mesa. Vejamos melhor as argumentações.
Dois comentários publicados em Settimana News nos ajudam nesta reflexão: um comentário de W. Kasper, e um tocante testemunho de um fiel luterano (disponível aqui, em italiano).
De pontos de vista diferentes, os dois textos nos permitem notar algumas questões decisivas:
a) A pergunta “pastoral”, se realmente quiser se ocupar do crescimento dos sujeitos nas formas de vida em que constroem sua sua existência, não pode ser abordada mediante a referência ao cânone 844. A questão não diz respeito a “estados de necessidade”, mas sim a “formas de vida”. Os pastores não podem abordar a questão com critérios equivocados, porque assim comprometem tudo, condicionando a relação com as “vidas” mediante categorias que não correspondem à experiência dos sujeitos. A “singularidade” do caso, repito, não se deve à “contração do espaço e do tempo”, mas sim à “distensão do espaço e do tempo”: um homem católico e uma mulher protestante, como marido e mulher, podem compartilhar não só a mesa de casa, mas também a da Igreja?
b) As referências devem ser encontradas, ao contrário, como Kasper, em alguns precedentes importantes: Unitatis redintegratio 8, Ut unum sint e Ecclesia de Eucharistia estabelecem as premissas para uma “communicatio in sacris” que abra caminhos de comunhão efetiva, fundamentadas em uma partilha sacramental pensada não simplesmente como um “prêmio” pela concordância doutrinal alcançada, mas sim como um “remédio” e como uma “ajuda” para compreender melhor a unidade na diferença. Levando-se em conta que a comunhão eucarística é o grau mais rico e, ao mesmo tempo, mais elementar da experiência de comunhão.
c) Os sacramentos aos quais deve ser aberta a perspectiva de comunhão não são os do “cônjuge moribundo”, mas sim do “cônjuge vivo”. Aqui, como é evidente, todo um mundo de argumentações e de atenções está destinado a declinar; uma “forma mentis” deve ser corrigida e reorientada. A força de uma “ação comum” em Cristo deve prevalecer sobre uma representação de verdade, à qual o sujeito aderiria mental e individualmente. O implícito da carta pensa a experiência sacramental da comunhão eucarística como se a Reforma Litúrgica nunca tivesse existido! Pensa a recepção “comum” do fruto da graça, não na celebração comum do evento de salvação.
d) Por fim, mas deveríamos dizer “acima de tudo”, na carta da Congregação, que também se diz justamente consciente do caminho de construção de mais experiências de comunhão realizado pelo ecumenismo, não é dedicada qualquer atenção a um ponto que sistemática e doutrinalmente deveria ser decisivo: a relação “conjugal”, dentro da qual se pode abrir uma comunhão sacramental, garante uma comunhão efetiva e real, da qual o sacramento é figura. Os cônjuges deveriam ser autorizados a ser aquilo que já são? Sua condição de “cônjuges”, em outros termos, torna-os “especialistas” em comunhão, de uma forma totalmente particular, e que a Igreja deve saber reconhecer, com instrumentos novos.
Com efeito, o caminho ecumênico, assim como se apresenta na proposta dos bispos alemães, registra, evidentemente, o novo papel de “sujeito” que a família gradualmente adquiriu ao longo do século XX. Esse caminho reconheceu à família a qualidade de “Igreja doméstica”, de sujeito de evangelização, de testemunho e de culto.
Agora, no texto da carta assinada por Dom Ladaria, não só não há vestígios dessa consciência, mas se continua confiando toda autoridade apenas ao bispo. Aqui há um “cone de sombra”. Se a questão da “comunhão” diz respeito a uma “vida familiar”, associa-se à autoridade do bispo, inevitavelmente, a dos cônjuges individuais e da sua “comunhão de vida e de amor”. Se existe comunhão de vida e de amor em Cristo, creio que nenhum dos cônjuges, embora de confissões diferentes, pode ser mantido longe do banquete eucarístico.
O Einzelfall, ou seja, o julgamento sobre o caso particular, deveria valer para a exclusão, não para a inclusão. Onde há matrimônio entre sujeitos de confissões diferentes, o primado da eucaristia exigiria o acesso ordinário do cônjuge não católico à mesa católica. Exceto quando haja motivo para negá-lo. Insistir também apenas em dizer o contrário, permanecendo na perspectiva do cânone 844, não significa conservar a verdade, mas contribuir apenas para remover toda evidência residual dela.
Por fim, acrescento uma anotação que vem do reflexo da luz com que o texto da Amoris laetitia deveria ter influenciado a carta da Congregação. De fato, esse “magistério matrimonial”, sobre o qual se fala com tanta facilidade nos discursos abstratos, torna-se facilmente irrelevante quando se coloca diante de questões “jurídicas” e de “autoridade”. Um dos grandes méritos da Amoris laetitia, como já se disse muitas vezes, foi precisamente reconhecer aos cônjuges uma verdadeira autoridade, à qual corresponde, lucidamente, um magistério que não deve resolver todas as questões.
No nosso caso, o discurso clássico pensa o acesso ao sacramento como “caso limite” que antecipa ou a morte ou a conversão. Os sacramentos evocados, com efeito, são viático, confissão e unção. Mesmo que apenas “in extremis”, era uma forma com que o sistema “permanecia aberto”, mas apenas na sua periferia extrema e sem reconhecer qualquer autoridade à vida matrimonial. Levava em consideração o “fiel individual”, não o “casal”. Hoje precisamos de uma mudança de paradigma e de uma revolução cultural, que pense os sacramentos “abertos” ao cônjuge de outra confissão:
- não só como “administração”, mas também como “celebração”;
- não só para esconjurar a morte, mas também para nutrir a vida.
A carta da Congregação, portanto, elabora a questão com categorias velhas e com perspectivas de curto fôlego. Porém, demonstra estar ciente de que ainda é preciso trabalhar e aprofundar. Para responder realmente aos desafios de hoje, que estão muito presentes na experiência da Igreja alemã, a comunhão eclesial exige a elaboração corajosa de outras categorias, que possam nutrir uma clarividência mais convincente.
Nessa reavaliação, um papel absolutamente decisivo é constituído pelo valor “original” e “fontal” da comunhão eucarística, da qual toda a Igreja deve se reconhecer como serva, acima de tudo, e não como patroa.
Nesse serviço comum, que cada tradição nunca pode pretender reduzir integralmente às próprias categorias doutrinais e disciplinares, abrem-se os espaços efetivos e praticáveis para uma comunhão mais ampla e mais plena.
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A comunhão dos não católicos: do perigo de morte à comunidade de vida e de amor. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU