26 Mai 2018
Para se eleger prefeito de São Gabriel da Cachoeira, em 2016, Clóvis Saldanha (PT), o Corubão, tinha como maior trunfo um vídeo ao lado do ex-presidente Lula.
Mais recentemente, ele gravou outro vídeo, em que aparece trocando elogios com o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
A reportagem é de Fabiano Maisonnave, publicada por Folha de São Paulo, 25-05-2018.
Abraçado ao ex-capitão do Exército, Corubão, um dos três prefeitos indígenas do país, afirma que é “isso que nós queremos, pessoas firmes lutando pelo nosso desenvolvimento”.
Já o presidenciável aproveita a presença do Corubão para comparar as terras indígenas a zoológicos e defender a exploração mineral nessas áreas.
“O índio é um ser humano igual a nós, vocês estão vendo um aqui.”
“Foi só um migué, na verdade”, assegura Corubão, em entrevista no seu gabinete. “O cara é um pilantra. Só tem conversa, não tem planejamento pro futuro.”
O prefeito diz que o encontro entre os dois, no final de agosto, aconteceu de forma casual — ele estava saindo de uma reunião no Congresso quando viu um alvoroço em torno de Bolsonaro. “Eu que fui lá. A minha voz precisa estar na mídia.”
No entanto, as posições do petista, crítico do movimento indígena nacional, não são tão diferentes às de Bolsonaro.
Na campanha de 2016, a mineração em terras indígenas foi a principal bandeira de Corubão.
Em visitas a comunidades pelo vasto interior do município (pouco maior do que todo estado de Pernambuco), chegava a entregar carteirinhas falsas de garimpeiro, sua antiga ocupação.
É uma promessa que não pode cumprir. Segundo a Constituição, a atividade depende de regulamentação pelo Congresso e precisa ter o aval da população indígena local. O principal projeto de lei sobre o assunto é o 1.610/96, de autoria do hoje senador Romero Jucá (MDB-RR). São mais de duas décadas de tramitação.
E, assim como Bolsonaro, Corubão, da etnia tariano, também se diz contrário às demarcações de terras indígenas. O presidenciável já prometeu que, caso eleito, não demarcará “nem um centímetro a mais” para índios e quilombolas.
“A demarcação trouxe só atraso, a maior escravidão que vivemos no século 21, pro nosso povo indígena”, diz o petista. “O nosso parente indígena não quer ficar preservado na mata, não. Ele quer se instalar fazendo a sua economia, a sua liberdade.”
O prefeito de 45 anos defende que a mineração seja feita por famílias indígenas, de forma artesanal, sem uso de mercúrio. Ele também sonha com a criação de um polo siderúrgico.
Nascido em uma comunidade distante da cidade, Saldanha trabalhou em garimpos de ouro e como pedreiro antes de se tornar um próspero comerciante.
A sua loja, na beira do porto, é uma das que retinham os cartões Bolsa Família de beneficiários indígenas distantes da cidade —a prática, ilegal, foi coibida por uma ação da PF. Na entrevista, o prefeito disse que isso ficou no passado.
O vídeo com Bolsonaro não é o primeiro estranhamento com o PT. Durante a eleição temporã a governador do Amazonas, no ano passado, Saldanha apoiou Amazonino Mendes (PDT), que saiu vitorioso, apesar de seu partido ter lançado candidato próprio, José Ricardo.
No estado, um dos seus aliados é o deputado federal Pauderney Avelino (DEM). Por outro lado, se mantém longe de iniciativas como o Acampamento Terra Livre, que anualmente reúne milhares de indígenas durante o mês de abril, em Brasília. “Se tem a ver com preservação, eu tô fora.”
Eleito com 30% dos votos entre dez candidatos, ele atualmente enfrenta um processo de impeachment na Câmara e uma investigação do Ministério Público Estadual, resultado de uma denúncia do próprio vice-prefeito, Pascoal Alcântara (PT).
O ex-aliado acusa o prefeito de pagar, em dezembro, R$ 1,7 milhão a uma empreiteira para obras em escolas municipais, embora parte delas não tenham sido sequer iniciadas.
Nesta quinta (24), a Câmara deve decidir sobre o impeachment. O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil sobre o caso, ainda na fase preliminar.
Sobre o assunto, o prefeito diz que contestará as acusações na Justiça e que a denúncia teve motivação política.
O petista também sofre duras críticas de lideranças indígenas de São Gabriel da Cachoeira (850 km a oeste de Manaus), onde 90% da população de 45 mil é indígena — o maior percentual do país.
O município é um dos mais preservados da Amazônia e tem cerca de 80% do território ocupado por terras indígenas.
Importante liderança da região, o presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), Marivelton Barroso, 26, critica tanto a aproximação com Bolsonaro quanto a abertura de terras indígenas para mineração.
“É uma coisa de vergonha descarada, de gente que não tem noção do que está procurando ou querendo fazer”, diz Barroso, sobre o vídeo. “Quem é que se junta com um cara que declaradamente não gosta de índio, de quilombola?”
“A população indígena e as lideranças lutaram pelo reconhecimento das terras e a sua permanência nelas”, diz Barroso, da etnia baré. “Se não fosse a demarcação, hoje a região estaria hoje dominada pelas empresas. Seríamos apenas uma mão-de-obra de exploração.”
Fundada há 31 anos e formada por 93 organizações indígenas espalhadas ao longo da bacia do rio Negro, a Foirn tem fomentado a comercialização da pimenta, do artesanato e outras atividades tradicionais das 23 etnias que habitam a região.
Contrário à mineração, Barroso cita a corrida do ouro em Serra Pelada, no Pará, como um exemplo negativo. “Enquanto tem o que explorar, parece bom. Mas, depois que acaba, tudo se esvai.”
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Índio, prefeito petista flerta com Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU