18 Mai 2018
Não há, na economia, motivos para as oscilações recentes. Elas são uma ameça — a de que haverá turbulências, caso os eleitores teimem em eleger Lula ou alguém à esquerda.
O artigo é de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal; publicado por Outras Palavras, 16-05-2018.
Estão cobertos de razão todos os economistas e demais especialistas que nos alertam para os riscos de se tirarem conclusões apressadas a respeito de movimentos de curto prazo em mercado altamente especulativos, em especial as movimentações verificadas nas operações com moeda estrangeira aqui no Brasil. Muitas vezes, ficamos contaminados pela força das variações assustadoras ocorridas no dia ou na semana e perdemos de vista as tendências mais duradouras.
As oscilações ocorridas no mercado de dólar norte-americano negociado em nossas terras são um prato cheio para todo tipo de deformação e chantagem. Poucas vezes as variações da cotação dessa moeda mantêm alguma relação lastreada em fundamentos da economia real. Em primeiro lugar, em razão da natureza altamente centralizadora e concentradora dos agentes que compram e vendem divisas no mercado brasileiro. Trata-se de um mercado com poucas empresas de porte gigantesco, a absoluta maioria constituída de instituições do sistema financeiro. Em segundo lugar, pela natureza intrinsecamente especulativa de tais mastodontes das finanças, que atuam segundo sua própria lógica e também em função dos interesses dos detentores do capital externo que atua por aqui.
A lógica e a dinâmica do mercado de câmbio não guarda nenhuma semelhança com a idealização liberal do livre jogo das forças de oferta e demanda determinando o nível de preço das mercadorias. Muito pelo contrário. Esse é um cenário em que intervêm os peso pesados dos interesses financeiros, com atuação explicitamente manipuladora. Nada a ver com o mercado da batatinha no final da feira. Os bancos, fundos financeiros e demais empresas do financismo praticam um jogo de aposta e pressão ameaçadora, forçando limites e as simbólicas barreiras de números míticos a serem ultrapassados. Assim, os analistas se deliciam com frases do tipo “agora o dólar supera a casa dos R$ 4 reais”, como se isso tivesse algum significado econômico relevante. Mera especulação. E os grandes saem ganhando sempre: nas tendências de alta e de baixa, nas compras e nas vendas.
Um dos temas preferidos pelos analistas financeiros, ao longo das últimas semanas, tem sido a crescente desvalorização experimentada pelo real frente ao dólar. Há uma diversidade de fenômenos que poderiam estar na base de explicação de tal movimento. A recuperação da atividade econômica nos Estados Unidos tem provocado tendência de elevação da taxa de juros do FED (Banco Central de lá). Com isso, observa-se uma possibilidade de revoada de uma parte dos recursos estrangeiros que aqui estão por conta da nossa mais do que generosa rentabilidade financeira dos ativos parasitários.
Outro fator que poderia colaborar para tal movimento reside na elevação dos preços do petróleo e seus efeitos em escala internacional. Na condição de matéria-prima básica para uma série de processo produtivos importantes no mundo e sua presença ainda expressiva como fonte energética, esse alta poderia provocar um algum tipo de resíduo inflacionário em escala global. Tal subida de preços também tenderia a provocar elevação das taxas de juros das autoridades monetárias dos países mais desenvolvidos, com efeito similar ao anterior sobre a economia brasileira.
A crise cambial vivida pela nossa vizinha Argentina também reacende as luzes amarelas nas expectativas dos investidores. O discurso do financismo reforça as inegáveis dificuldades no balanço de pagamentos, a mega desvalorização cambial levada a cabo pelo governo Macri recentemente e o anúncio de acordo em negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Tendo em vista o passado de eventos similares nos dois lados da fronteira, tenta-se criar um clima artificial de crise iminente também no Brasil.
Foto: Banco Central
Mas um dos fatores que mais pesa no movimento de alta do dólar atual talvez possa estar associado também às ações manipuladoras em torno das expectativas das eleições de outubro próximo. A observação do gráfico abaixo pode ilustrar um pouco a questão aqui levantada. A linha apresenta a evolução da cotação da moeda norte-americana desde maio de 2002 até os dias atuais. Todos se lembram ou ouviram falar da alta especulativa às vésperas das eleições daquele ano, quando a então chamada “ameaça Lula” levou o dólar a superar a barreira dos R$ 4,00. Em poucos meses, nossa moeda sofreu uma desvalorização de quase 60% em relação à moeda dos Estados Unidos. Pura chantagem. Tanto que durante os primeiros meses do novo governo, o mercado se tranquilizou, o dólar recuou e o real acabou ficando até mesmo sobrevalorizado pelos equívocos da política econômica de Palloci e Meirelles depois de algum tempo.
A crise econômico-financeira de 2008/9 provocou outro movimento de desvalorização, mas que logo na sequência se ajustou e o fenômeno irresponsável da sobrevalorização é retomado graças à continuidade da política monetária de SELIC nas alturas. Mas à frente, durante o segundo governo Dilma também é objeto de altas especulativas, quando a cotação do dólar volta a subir e chega a superar o patamar de R$ 4,00. Trata-se de um jogo chantagista associado às perspectivas de votação do golpeachment. O mercado só cede depois que a nova equipe de econômica comandada pelos banqueiros Meirelles & Goldfajn assume o poder.
E agora estamos diante uma nova tendência altista, sem que haja nenhuma base real na economia a justificar esse ritmo violento de desvalorização. A solidez de nossas reservas internacionais configura-se em garantia de que as atividades econômicas por aqui não têm por que serem contagiadas por eventos externos. Em 2002, o Brasil contava com pouco mais de US$ 32 bilhões nessa conta. A boa performance observada a partir de 2003 fez com que as reservas saltassem de patamar, atingindo sucessivamente as marcas simbólicas de US$ 100 bi em 2007, de US$ 200 bi em 2009 e de US$ 300 bi em 2011. Atualmente estamos com US$ 380 bi de saldo. Além disso, parte expressiva de nossa dívida externa foi internalizada e nossos compromissos em moeda estrangeira representam tão somente 3% do total de nossa dívida pública. Enfim, não haveria razão alguma para esse alarde todo.
Uma das explicações para esse movimento atual reside em comportamento que mescla especulação e chantagem da parte do financismo sobre a sociedade brasileira, em especial visando o pleito. A persistência da preferência disparada dos eleitores por Lula e a incapacidade de algum candidato que pretenda se apresentar como herdeiro do austericídio e do desmonte ajudam a explicar esse quadro. O quadro de indefinição também apresenta alguma convergência entre parte dos candidatos questionando os limites da política de austeridade, em especial a respeito da EC 95, que impôs o congelamento das despesas orçamentárias por longos 20 anos.
As declarações dos arautos do sistema financeiro caminham todas na mesma direção. Trata-se da reedição do clima de catastrofismo que marcou o processo eleitoral de 2002 e o período da tramitação do impedimento de Dilma. Não por acaso, o ex ministro Meirelles e candidato-a-candidato do MDB saiu-se com uma entrevista perigosa e irresponsável, jogando ainda mais lenha nessa fogueira.
“ (…) Não há duvida de que se algumas propostas que estão sendo feitas pelos extremos forem de fato implementadas, podemos ter problemas graves no futuro. Se a eleição der a vitória a um candidato que desmonte essas reformas e volte ao que o Brasil tinha até 2016, podemos ter problemas sérios. (…) ”
As forças econômicas que patrocinaram o golpe e que tentaram promover o retrocesso de décadas em menos de dois anos não vão se conformar em devolver o poder que usurparam de forma antidemocrática e inconstitucional. Talvez a especulação no mercado de câmbio seja mais uma das inúmeras formas encontradas por tais setores para evitar que o Brasil retome, através do voto, seu caminho do desenvolvimento e da inclusão.
Eles precisam de toda maneira evitar que o nome de Lula esteja como uma das opções na cédula ou que alguma candidatura que simbolize o repúdio da população ao governo
Temer preencha esse espaço no segundo turno. Para isso, vale tudo. Inclusive incendiar o País com o catastrofismo por nós tão bem conhecido. Para tanto, o simbolismo da disparada do dólar pode ajudar a construir um cenário perigoso, ainda que sem base nenhuma nos fundamentos da economia real.
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A alta do dólar e a chantagem das elites - Instituto Humanitas Unisinos - IHU