21 Abril 2018
"É válido admirar a magnífica história da Igreja, mas não podemos continuar a gastar nossa energia numa tradição que pode ter embaçado nossa visão daquilo que Cristo propõe", escreve Mario Grech, bispo de Gozo (Malta), em artigo publicado por The Malta Independent, 15-04-2018.
Recentemente, um jovem me perguntou que mudança eu queria ver em nossa sociedade. A minha resposta deixou ele surpreso. Disse que desejo que uma certa categoria de cristãos, em particular aqueles nos círculos internos da Igreja, mudem sua maneira de ver sua fé. Suspeito de que muitos católicos estão sofrendo pela exaustão, pela falsificação e pela banalização da nossa fé em Cristo!
Nenhum estudo científico é necessário para concluir que muitas pessoas batizadas estão abandonando a religião. Nossa comunidade religiosa está se transformando em uma comunidade de cabelos brancos! Aqueles que abandonam a Igreja não são desfavorecidos de inteligência. Também não são contrários ao fenômeno religioso. Eles simplesmente perderam o interesse ou se sentem afastados porque nos veem "brincando de Igreja". É a forma como estamos apresentando o Evangelho, celebrando nossa liturgia e também a nossa incoerência flagrante que está fazendo as pessoas se sentirem espiritualmente enganadas.
Auguste Comte estava errado quando disse que o homem deveria passar da dimensão religiosa para a dimensão científica ou "positivista". Nem Karl Marx estava correto quando disse que a religião desapareceria pois só oferecia consolações ilusórias. Hoje em dia muitos filósofos confirmam que o desejo religioso é um fato antropológico que pode tomar muitas formas, mas que não pode ser erradicado. Para mim isso confirma que existe um desejo implícito de conhecer a Cristo no coração de cada homem. É a missão da Igreja facilitar este encontro. Portanto, nós, católicos, precisamos garantir que não estamos dificultando aqueles que estão buscando a verdade. Precisamos garantir que nossa nostalgia, nossas incertezas e nossos medos interiores não nos façam apresentar um cristianismo deformado. Temo que estejamos rodeados por este tipo de cristianismo
Max Weber, Marcel Gauchet e Charles Taylor falam do desencantamento do mundo. As expectativas modernas do homem sobre a relação entre a fé e a religião mudaram. O homem contemporâneo ainda tem sede de fé, mas talvez tenha menos de religião. Devido ao seu desencantamento em assuntos que dizem respeito à fé, o homem moderno prefere percorrer um caminho diferente. Ele tem uma nova forma de ver o mundo e nós, enquanto Igreja, ainda estamos agarrados a uma visão obsoleta.
Por que continuamos obstinadamente a seguir este caminho? Talvez tenhamos medo de correr o risco de mudar. Estamos vivendo uma religiosidade esquizofrênica? Declaramos que estamos seguindo Cristo, mas na verdade nós nos fingimos de cristãos. Estamos nos esquecendo de Cristo em nossa religiosidade? Renegamos a sua mensagem, mas depois celebramos a sua Mãe e os seus santos!
Neste contexto, as palavras de Marcel Gauchet vêm à mente. Ele diz que o cristianismo "é a religião do fim da religião". Não vou entrar no mérito do pensamento de Gauchet, mas gostaria de aplicar as suas palavras à situação atual. Por isso, pergunto se é hora de re-propor uma fé que tenha força para mudar essa religião que afirmamos ser "cristã", mas que é desprovida de qualquer semblante cristão. Precisamos ajudar o homem a descobrir a autenticidade original da fé cristã, precisamos ajudá-lo a dar o salto de uma religião de conveniência para uma religião de convicção; de uma religião cheia de leis a uma religião que nos dá o gosto da verdadeira liberdade; de uma religião de rituais vazios para uma religião que nos abre para o mistério.
É válido admirar a magnífica história da Igreja, mas não podemos continuar a gastar nossa energia numa tradição que pode ter embaçado a nossa visão daquilo Cristo propõe.
Se, como Jean Luc Nancy coloca, o cristianismo é "desconstrução das outras religiões", não temos, então, o direito de dizer que o cristianismo genuíno tem a força para "desconstruir" ou elevar essa religião tradicional? 60 anos atrás, este processo foi induzido pelo Concílio Vaticano II para o benefício da Igreja. Poderia ser que a fé cristã, na sua simplicidade, nos ajudará a desmantelar lentamente o que conhecemos como "nossa religião"? Não é um absurdo aplicar a nossa situação atual o que Dietrich Bonhoeffer chama de "cristianismo sem religião".
Para Bonhoeffer, “a religião era a adoração que teve pouco contato ou preocupação com as correntes mais profundas da vida. Foi a religião fomentada pelo Iluminismo, que envolvia a adoração de um Deus remoto da vida humana e pouco preocupado com os ensinamentos sociais bíblicos. Para alguns, tal religião pode proporcionar um confortável sentimento de piedade interna, de calma e de repouso. Contudo, não promove a preocupação com as necessidades dos famintos ou dos pobres. Bonhoeffer estava convencido de que um cristianismo renovado irá descartar tal religião para ser fiel aos ideais estabelecidos por Cristo" (Hermes Donald Krielkamp).
Os Evangelhos confirmam a tese de Gauchet de que o cristianismo deve trazer ao fim um certo tipo de religião. Foi isto que Cristo fez. Seus ensinamentos trouxeram à desordem a religião hebraica. Ele criticou flagrantemente certas práticas religiosas. Ele afirmou que o homem vem antes da lei! Ele deu um novo centro a uma religião que estava focada em sacrifícios: o amor (Mc 12, 33). Ele falou sobre a necessidade de derrubar o templo de Jerusalém para ele construí-lo novamente (Jn 2, 19).
Tudo isso serve para mostrar que o desafio que a Igreja está enfrentando é interno. Temos de trazer ordem à nossa própria casa para não corrermos o risco de acabar com um corpo sem alma. O adversário da nossa fé cristã não é o ateísmo, o secularismo ou o anticlericalismo, mas a nossa atual religiosidade cristã. Estamos tão cheios de nossa própria espiritualidade e de nós mesmos que deixamos pouco ou nenhum espaço para Cristo. Há diversas áreas na vida da Igreja que precisam ser revistas. Que o Espírito Santo nos ajude.
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Um cristianismo sem religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU