12 Abril 2018
Fernando Trujillo afirma que moratória da piracatinga no Brasil levou caçadores de botos a abater animais na Bolívia e Peru. Ele defende políticas coordenadas entre os países amazônicos para proteger as espécies.
A entrevista é de Vandré Fonseca, publicada por ((o))eco, 11-04-2018
O biólogo colombiano Fernando Trujillo, diretor científico da Fundação Omacha, é um dos mais importantes pesquisadores do mundo sobre a conservação de botos na Amazônia. Há quase trinta anos acompanhando as mudanças na Amazônia e os impactos sobre os animais, foi ameaçado de morte ao denunciar na Colômbia a contaminação da piracatinga por mercúrio, cuja pesca é feita com carcaças de botos.
Além dos estudos sobre mudanças que vêm ocorrendo em pelo menos 17 rios da América do Sul, é responsável ou participa de diversas outras pesquisas e iniciativas. Uma delas, em colaboração com o WWF e o Instituto Mamirauá, do Amazonas, acompanha botos por satélite, para saber o impacto da construção de hidrelétricas sobre as espécies.
Fernando Trujillo é também personagem do documentário “A River Below”, em cartaz no Netflix. O filme trata da caça a botos na Amazônia para servir à pesca da piracatinga e as iniciativas que tentam conter essa matança. Entre os temas mais polêmicos do filme, está a história por trás das imagens divulgadas pelo programa Fantástico, da Rede Globo, obtidas pelo brasileiro Richard Rasmussen, que resultaram na moratório da pesca da piracatinga no Brasil.
Ele esteve no Brasil, entre março e abril, para participar de um encontro da Comissão Baleeira Internacional, onde foi discutida a matança de botos na Amazônia para a pesca da piracatinga. Em seguida, esteve em Brasília, para uma reunião com o WWF, onde o assunto foi estratégias para conservação de golfinhos na América do Sul. E fez uma pausa em Manaus, onde gravou entrevistas para um documentário europeu. Foi a oportunidade de ((o))eco conhecer um pouco mais sobre as ideias dele sobre conservação e Amazônia. E claro, sobre as polêmicas do filme.
O que o senhor achou do resultado do filme?
Esse documentário, a River Below, tem gerado muita expectativa em nível mundial. Quando primeiro surgiu a ideia, o produtor que havia me dito que queria fazer um documentário não só sobre golfinhos, mas sobre temas mais globais, que interessassem a alguém no Japão, Noruega e Estados Unidos, não somente às pessoas que vivem na Amazônia. Assim fomos desenvolvendo esse documentário por três anos e encontramos justamente esses temas globais: agendas econômicas, as políticas, a grande pressão sobre a Amazônia, que tem um potencial enorme para a humanidade, mas de alguma maneira não tem sido atendida e estamos acabando com ela. E o documentário mostra o tema da sobrepesca, como em um rio tão rico como o Amazonas, com mais de 3 mil espécies de peixes, dos quais pelo menos 300 são de interesse comercial, terminamos capturando piracatinga, o urubu-d’água, um peixe que nenhum ribeirinho consome. Ele é a última opção do ribeirinho, mas está sendo comercializado em muitas cidades do Brasil, da Colômbia, da Bolívia. Isso gerou um problema transfronteiriço. Como temos prejudicado a pesca no Amazonas e quais as decisões que temos de tomar? São vistas no filme decisões éticas: se se salva o boto, qual a situação dos pescadores, o que eles vão fazer? E os comerciantes? Como temos de atender a essas situações em uma região tão complexa? Não se trata de bonzinhos ou malvados, mas de relações muito complexas de arranjos de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, que é um guia para todo o mundo.
O filme mostra duas posições diferentes, uma ação mais forte, mais chocante, que é o caso das imagens divulgadas pela TV, e outra, de longo prazo, de convencimento. Qual a diferença nos resultados dessas duas maneiras de agir?
O biólogo Fernando Trujillo no resgate de um boto.
(Foto: Divulgação)
Fazer conservação é muito frustrante. Então temos que argumentar sobre as duas posições. A posição de ativista, como Richard Rasmussen, faz muitas coisas certas, é preciso atuar, fazer. Passa-se muito tempo falando, falando e não se faz nada. Mas ela também cruza uma linha ética, que nos deixa igual às pessoas que criticamos. Isso não pode ser possível. A outra é produzir informações científicas, técnicas, dá-las aos governos, que demoram anos para tomar decisões. Em meu país, por exemplo, terminei ameaçado mostrar que os grandes níveis de mercúrio neste peixe. O governo ficou quieto por quase dois anos, até que finalmente, com informações novas produzidas por eles, se deram conta que esse peixe tinha muito mercúrio e o proibiram. Mas é muito frustrante. Os tempos são muito lentos, os governos não reagem adequadamente a essas coisas. Por isso, se tomam decisões apressadas, temerárias, e filmamos como se mata um golfinho. Pior de tudo, descobriu-se depois de vários anos que não foi uma coisa que se ocorreu de maneira corrente, mas foram ambientalistas que promoveram a morte desse golfinho para fazer pressão sobre o governo do Brasil.
Mas a pressão funcionou, não funcionou?
A curto prazo, funcionou. A curto prazo mais de 20 milhões de pessoas no Brasil viram o programa da Globo, o que exigiu uma reação do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Pesca, que tomaram decisões mas deixaram portas abertas, como a possibilidade de cada pescador capturar cinco quilos de piracatinga. Nenhum desses pescadores consome piracatinga, então esses 5 quilos de cada pescador, para onde vão? Ao mercado ilegal na fronteira com a Colômbia. Os governos do Brasil e Colômbia estão conversando sobre como resolver essa situação. Os resultados vieram a curto prazo, mas a longo prazo, vejam como tudo está conectado, o Brasil fez a moratória e disse ‘está resolvido no Brasil’. Mas os comerciantes vão ao Peru e à Bolívia matar golfinhos para atender ao mercado do Brasil e da Colômbia. A conclusão é que temos de planejar as estratégias entre os governos em uma situação transfronteiriça como a Amazônia. Porque se tomamos decisões unilaterais geramos esse efeito dominó em outros países. Bolívia parece ser influenciada por pescadores e comerciantes do Brasil. No Peru, foram comerciantes colombianos a promover essa atividade. Então precisamos organizar o tema ‘pesca’ na Amazônia. Precisamos devolver as boas espécies, como os grande bagres, o tambaqui, fazer um reordenamento pesqueiro.
Você fala muito de reordenamento da pesca. Por que ela é tão importante?
O ordenamento pesqueiro é vital porque um dos grandes recursos econômicos e alimentares da Amazônia é a pesca. A maioria dos indígenas vive da pesca e da caça. Como todas as pessoas que chegaram a Amazônia consomem pescado, a economia local em muitas cidades se move pelo pescado. Quem são os comerciantes? Os comerciantes são pessoas valentes, que chegaram a regiões mais distantes e começaram a usar aviões para levar o pescado às grandes cidades. Esses aviões que vinham vazios, começaram a trazer melancias, remédios, alimentos vegetais para as comunidades. E as comunidades foram crescendo. A pesca é a dinâmica social e econômica da Amazônia. Se acabarmos com a pesca, acabamos com essa dinâmica. E temos muitas atividades a realizar, como o turismo. O turismo bem feito pode significar um ingresso econômico importante para as comunidades. Mas nem todo mundo pode viver de turismo. Assim, se organizamos a pesca, os peixes podem ser recuperados. Há exemplos maravilhosos, como em Mamirauá, aqui no Brasil, perto de você. É uma reserva sustentável e pensaram em manejar pirarucu. Hoje existem populações saudáveis de pirarucu. Estão sacando e vendendo pirarucu. Estão abrindo mercados internacionais. Se fizermos o mesmo, não apenas em uma reserva, mas em toda a Bacia Amazônica, manejando adequadamente a pesca, teremos peixes ornamentais para exportar para Alemanha, Singapura, China, teremos peixe para comercializar facilmente nas cidades amazônicas, nas cidades dos países amazônicos e em nível internacional. A pesca é uma fonte de vida econômica e social na região.
E porque não a pesca da piracatinga?
A pesca da piracatinga poderia ocorrer dentro de alguns anos, quando conseguirmos descontaminar os rios de mercúrio. Mas a gente ribeirinha não come piracatinga porque dizem que é o urubu-d’água. Mas se a gente da cidade quer comer piracatinga, por meio da aquicultura poderia se produzir piracatinga onde níveis de mercúrios estejam controlados ou não tenha níveis de mercúrio. Mas porque não damos atenção aos bons peixes? Se você provar a piracatinga, vai ver que a carne não é boa. Comemos nas cidade porque não sabemos que estamos comendo um urubu-d´água. Quando você pesca a piracatinga, você usa um animal morto como isca, uma carcaça de um animal morto. Você captura a piracatinga e imediatamente tem que arrancar os intestino porque em questão de minutos a carne se putrefata. É isso que queremos comer? Eu acho que não.
Como você tem tratado essa questão da matança dos botos na Colômbia?
A maneira que temos abordado as coisas na Colômbia está baseada em que muitos dos problemas que temos no planeta é devido ao consumo. Então, o que temos de fazer para deter a matança de golfinhos é deter o mercado. Se o problema é o mercado da piracatinga, e a piracatinga para ser capturada se usam botos, se detemos o mercado, detemos a matança de botos. E ao mesmo tempo, impedimos que as pessoas da cidade consumam peixes com alto nível de mercúrio. Uma estratégia de dois objetivos: protegemos os golfinhos e protegemos os seres humanos. Creio que é muito mais consequente. Poderíamos pensar em uma isca alternativa, continuar a capturar a piracatinga e mandá-la para a cidade, mas seria ético? Estaríamos mandando um peixe com altas quantidades de mercúrio, um peixe que os indígenas e ribeirinhos da região não consomem, porque consideram inapropriado.
E quanto a questão do mercúrio? Há estudos indicando que a concentração de mercúrio mais alta na região é também uma condição natural.
Eu não estou de acordo quando se fala em mercúrio como algo natural na Amazônia. Se é certo que há concentrações de mercúrio e jazimentos de mercúrios em solos da Amazônia, a maior aporte de mercúrio foi dado pela mineração legal ou ilegal de ouro. Estamos falando que as fontes naturais de mercúrio são apenas uns 16%, estão em sedimentos e quando as chuvas passam por elas levam até a água. A queima de florestas está gerando mercúrio, as hidrelétricas estão criando mercúrio. Agora, alguém me explica se o mercúrio liberado pelo desmatamento, pela queima de florestas e pelas hidrelétricas é mercúrio natural? Eu não estou de acordo com isso. Na mineração ilegal, para um quilograma de ouro usamos até 10 quilogramas de mercúrio, de uma maneira ineficiente.
E esse mercúrio não é um problema para a pesca?
(Foto: Philipp Lichterbeck)
Supostamente, sim. É um problema para a pesca, não apenas para a Amazônia, mas em nível global. Isto se vê no Ártico, se vê no Mediterrâneo, se vê no Canadá, se vê nos Estados Unidos, em todas as partes. Estamos contaminando o planeta e estamos comendo esse mercúrio. O que temos de fazer é eliminar o aporte de mercúrio na natureza. Precisamos simplesmente cumprir o que estamos propondo no Acordo de Minamata. O Acordo de Minamata foi assinado por muitos países, entre eles o Brasil, para reduzir o uso de mercúrio e deixar de usar mercúrio. Se deixarmos de usar, em cinco ou dez anos, o mercúrio que está na Amazônia vai ao sedimento e vai ficar coberto. Talvez em oito ou dez anos, estaremos vendo rios sem mercúrio. Vendo novos cortes de peixes que não tenham mercúrio. Afinal de contas, do que se trata isso? Decisão política. Precisamos de decisão política e ação na região, para proteger os botos, para proteger a pesca e para proteger a gente, a saúde humana.
Você é contra a mineração na Amazônia?
Eu creio que é preciso olhar com cuidado cada caso. É possível que haja mineração em alguns lugares, com boas práticas. Porque até agora o que vemos é que o ouro pode significar um problema como os “diamantes de sangue”. Uma pessoa que põe um anel não sabe quantos hectares de floresta foram desmatados, não sabe quantos rios foram contaminados, não sabe quantas pessoas foram desalojadas à força por grupos armados destes lugares, isso é inacreditável. Todo esse ouro ilegal que em algum momento se torna legal. Não sabemos quando, talvez quando as empresas grandes o compram. Então uma posição que temos de tomar como seres humanos é ver a origem do que compramos e daquilo que consumimos. Se consumimos um peixe, saber de onde veio e como foi capturado. Se compramos umas jóias, já há grifes fazendo certificado de origem de ouro verde, ouro que não está gerando problemas ambientais. Temos que parar esse padrão de consumo que temos, que logo pode-se transformar em algo como "diamantes de sangue”.
Pelo que entendi, na sua visão para proteger a biodiversidade na Amazônia, precisamos cuidar primeiro das pessoas. Como é isso?
Claro. Porque inicialmente parecia que estávamos preocupados só com os golfinhos e que a decisão era para favorecer os bichos. Mas na verdade estamos pensando na gente. Nesse momento se tomou a decisão de uma moratório na Brasil e uma proibição permanente na Colômbia para a piracatinga. Isso afeta os pescadores, seus ganhos econômicos. Mas não podemos permitir que se continue a comercializar uma espécie com tão altos níveis de mercúrio. Então o que temos que fazer é chegar com soluções econômicas, recuperar a pesca. Ao lado dos governos, recuperar a dinâmica dos grandes rios, as migrações dos grandes bagres, o pirarucu, o tambaqui. Manejar de maneira adequada as bacias de rios, para favorecer as pessoas, não somente os bichos. Aqui na Amazônia estamos falando de biodiversidade, mas o que poucas pessoas sabem no mundo é que na Amazônia vivem 34 milhões de seres humanos, e só 3 em cada 5 são indígenas. Se você pergunta a um europeu como ele percebe a Amazônia, ele vai dizer que é uma região com grande quantidade de selva, com muito poucos humanos, e a maioria indígena. Que coisa mais alijada da realidade! Trinta e quatro milhões de seres humanos. De onde saíram todas essas pessoas? Vieram atraídos por fazendas de gado, vieram atraídos pelas hidrelétricas, pela construção de rodovias, grandes cidades se construindo. Atualmente estamos em Manaus, ninguém na Europa imagina que Manaus é uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes, é uma grande urbe cosmopolita.
Existe contradição entre pensar no ser humano e pensar na biodiversidade?
Não, não existe uma contradição. A contradição é insistir em práticas insustentáveis para os humanos. Já estamos condenados a isso. Um exemplo em maior escala temos nas grandes cidades. Nosso consumo está esgotando o planeta, cada vez queremos consumir mais e mais coisas que realmente não precisamos. Estamos colocando esse padrão de consumo na selva e estamos acabando com a selva. A ideia não é abandonar as pessoas que vivem na Amazônia, mas o que vamos fazer para levar trabalho sustentável ambientalmente para 34 milhões de pessoas que vivem atualmente na Amazônia. Esse é um trato que deve ser implantado nos governos do Brasil, da Colômbia, da Bolívia, do Peru, que podem favorecer essa região. Todo mundo quer que a Amazônia seja o jardim do planeta, mas o que fazemos com as pessoas que vivem aí?
Você está dizendo que não cuidar das pessoas significa prejuízo para a vida selvagem também?
Não atender as pessoas em um lugar como a Amazônia, deixá-las sozinhas, faz com que facilmente sejam atraídas por atividades ilegais ou insustentáveis, como cultivos ilícitos, mineração ilegal e corte de árvores. Se os governos não chegam com alternativas econômicas, as pessoas têm que sobreviver. Elas estão sós. O peixe-boi, por exemplo. Na cidade tudo parece bem porque o peixe-boi está protegido e é uma espécie ameaçada. Mas no campo onde uma família pode alimentar seus filhos por duas semanas, não está. Então temos que oferecer alternativas para que não matem esse peixe-boi, temos que oferecer alternativas para que não haja mineração ilegal jogando grandes quantidades de mercúrio no rio.
Mudando de assunto. Você coordena um trabalho com o WWF de monitoramento de botos. Pode explicar como é esse projeto?
Uma das grandes preocupações que temos com os rios é a grande quantidade de hidrelétricas que estão sendo construídas. Aparentemente há mais de 150 hidrelétricas construídas no Brasil e há projetos para 277 outras. Se se chegar a cumprir toda essa projeção, haverá apenas três rios de toda a Bacia Amazônica sem hidrelétricas, sem barreiras. Essas barreiras interrompem a migração dos peixes. Assim, fizemos um projeto para marcar golfinhos com telemetria satelital e ver o quanto se movem pelos rios. Temos neste momento 15 golfinhos nos contando como podem se movimentar pelos rios na Bolívia, no Brasil e na Colômbia. Quais são as áreas mais importantes para eles, onde estão os alimentos e como seus movimentos são restringidos pelas barreiras das hidrelétricas. A ideia é chegar a 50 golfinhos, que nos contem as histórias de todos os problemas que estão tendo com a conectividade.
Já tem algum resultado prévio?
(Foto: Divulgação)
Já temos alguns resultados mostrando golfinhos que se movem 500, 600 quilômetros. São animais migrando, que estão se movimentando inclusive de um país a outro, como os grandes bagres. Se olharmos a Amazônia de cima e vemos o rio, podemos imaginar que é como um coração. Não é, como dizem, um pulmão, o pulmão do mundo. É um coração e todos esses rios são veias e artérias. Quando você põe no coração um montão de barreiras, em todas essas veias, o coração vai colapsar. É isso que se passa com a Amazônia. Estão colocando muitas barreiras em todas as artérias, em todas as veias. E vai colapsar.
Já identificaram quais hidrelétricas estão atrapalhando o deslocamento dos botos?
Temos golfinhos marcados no Rio Tapajós, onde há algumas hidrelétricas. O mesmo na Bolívia até o rio Iténez e até o Madeira e, em breve, estaremos colocando no Rio Tocantins, onde está Tucuruí.
Você foi ameaçado. E agora, como está a sua segurança na Colômbia?
A minha situação é muito complicada, porque eu sou um biólogo trabalhando com os botos, com a pesca e a conservação do Amazonas. Jamais esperei que fosse ser ameaçado. Mas abri uma caixa de pandora. O tema ‘mercúrio’ é um tema sobre o qual ninguém quer falar. Ninguém. Os governos querem manter silêncio sobre o tema porque não sabem o que dizer para as pessoas: “se não podem comer pescado, o que vão fazer? É melhor ficarmos calados”. Então, no momento em que o governo e a parte de Saúde Pública soltou um comunicado pedindo para não se consumir esse peixe, todos os grandes supermercados deixaram de vendê-lo e minha cara saiu em público. Fui eu quem gerou a informação da Fundação Omacha, então vieram as ameaças. E o governo guardou silêncio durante um par de anos, até que finalmente os meios de comunicação me ajudaram, dizendo que não era possível estarem me ameaçando, porque eu não estava dizendo nem mentiras, nem está exagerando a situação. Eu sempre digo devem ser buscadas alternativas, soluções, e não simplesmente ter ações temerárias. Já depois, no ano passado, em setembro, o governo soltou essa resolução que proíbe de maneira permanente o comércio da piracatinga. Já estamos falando com comerciantes, que são os mais contrariados por essa medida. O que queremos é que os comerciantes sejam parte da solução e não parte do problema. É isso que tem que se fazer, construir entre todos. Comerciantes são pessoas importantíssimas na região do Amazonas. Também os queremos protegidos, se não eles ficam sem o que comercializar. Mas não podemos permitir, como no caso da droga, em que sabemos que é claramente mal, mas não deixamos acabar porque há as famílias que vivem do negócio. Não. Se há um problema de saúde pública, temos que tomar decisões e temos que buscar alternativas.
E você continua a ameaçado?
Estive ameaçado durante quase um ano e meio. Tive de usar jalecos a prova de balas um par de vezes. E isso me incomodou muito, fez eu me sentir muito triste. Então decidi continuar indo ao Amazonas, sem jaleco, sem guarda-costas, só com o meu trabalho. E eu espero que as ameaçadas já tenham desaparecido. A gente nunca sabe, espero que sim. Espero que os seres humanos usem a inteligência e não a violência para resolver os problemas. Porque podem me matar, mas isso não vai tirar o mercúrio dos peixes.
Sobre as questões ambientais, você defende que a solução não vem de um país só, mas precisa vir de todos da região. O que um decide impacta no outro.
Esta é uma situação em que decisões devem ser tomadas em conjunto pelos países. Porque a decisão que se toma em um país afeta o outro. Como eu disse, o Brasil fez uma moratória e começaram a matar golfinhos no Peru e na Bolívia. Temos de ser consequentes. Justamente por isso houve a reunião de Santos, com a Comissão Baleeira Internacional, para se falar em nível governamental. Nesta reunião, são discutidas políticas para cada um dos países. Brasil e Colômbia, por exemplo, são países líderes do Grupo de Buenos Aires. O Grupo de Buenos Aires, na Comissão Baleeira Internacional, é o grupo mais conservacionista. E que exemplo estamos dando aos outros, dizendo aos japoneses para não caçar baleias, se em nossos territórios estamos matando milhares de golfinhos. Não é moral. Temos que solucionar os problemas que temos em casa. Não se trata apenas dos golfinhos, se trata de sermos inteligentes e organizar o manejo da Bacia Amazônica, onde estão os golfinhos, os peixes e os humanos.
Temos evoluído ou estamos pior do que há algum tempo?
Eu creio que estamos avançando muito lentamente, não na velocidade que precisamos. Os governos atuam de maneira reativa e não de maneira preventiva. Atuam reativamente quando surgem problemas muito grandes e há pressão internacional. E as coisas não deveriam ser assim. Devemos atuar de maneira preventiva. Este ano escutamos as notícias de que o presidente Temer quer desacelerar a construção de hidrelétricas, porque o governo do Brasil reconhecia o impacto ambiental e social das hidrelétricas. Esperemos que sim. Isto é uma coisa louca, porque as hidrelétricas eram uma energia alternativa, uma energia verde, não usam hidrocarbonetos, nem carbono, só a corrente dos rios. Mas a escala em que começamos a trabalhar é tão grande que começamos a bloquear rios. Não pode ser assim. Países como Estados Unidos, Canadá, países europeus estão destruindo suas hidrelétricas porque se deram conta do impacto e que o valor ecológico dos rios é muito maior do que a eletricidade que estão produzindo. Temos que pensar em energias limpas na Amazônia. Outro tipo de energia. Agora, essas hidrelétricas, a quem estão mandando energia? Não é para as comunidades ribeirinhas. Estão dando às grandes empresas. Estão vendendo. Há comunidades ao lado das hidrelétricas às escuras, sem luz., Então, não nos digam que isso é para favorecer as pessoas pobres da região, porque não é verdade!
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"O Amazonas é como um coração. Estamos barrando as veias e artérias", afirma Fernando Trujillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU