11 Abril 2018
Nesta quarta-feira, o juiz federal Sergio Moro talvez tenha uma sensação de déjà-vu: receberá o dono de uma grande empreiteira brasileira e o questionará sobre um apartamento que, para o Ministério Público Federal (MPF), fez parte de um esquema de pagamento de propina ao ex-presidente Lula e o PT. O imóvel teria sido uma das formas encontradas pela empresa para "pagar" o ex-presidente por benefícios em contratos com a Petrobras.
A reportagem é de André Shalders, publicada por BBC Brasil, 11-04-2018.
Só que desta vez o empreiteiro é Marcelo Odebrecht, e não o dono da OAS, Léo Pinheiro. O apartamento é o nº 121 do edifício Hill House, em São Bernardo do Campo (SP), em vez da unidade 164-A do edifício Solaris, na praia de Astúrias, no Guarujá.
O processo do tríplex praiano levou Lula ao cárcere no último sábado. O processo no qual o herdeiro do grupo Odebrecht falará nesta quarta-feira a Sergio Moro, por sua vez, é a ação mais adiantada contra o ex-presidente Lula sob responsabilidade do juiz de Curitiba. O caso pode representar a segunda condenação de Lula na Lava Jato.
Além do apartamento nº 121, que fica no mesmo andar da residência de Lula em São Bernardo, a empreiteira Odebrecht também teria comprado um terreno para a futura sede do Instituto Lula, em São Paulo, na rua Haberbeck Brandão. A transação com o terreno foi mais tarde desfeita. Os dois imóveis somariam cerca de R$ 13 milhões em propina – Lula nega ter recebido vantagens indevidas.
Pessoas familiarizadas com o processo dizem que, se Sergio Moro seguir de forma célere os prazos do processo, a ação penal pode chegar a um desfecho na primeira instância da Justiça ainda no primeiro semestre deste ano.
Lula foi ouvido neste processo em setembro passado. Desde o fim de 2017, Moro analisa pedidos das defesas do ex-presidente e dos outros réus, para esclarecer dúvidas ou omissões nas provas já reunidas no caso.
A fase chamada de "instrução", que é quando se produzem as provas, foi encerrada no mês do depoimento de Lula.
Na tarde desta quarta-feira, Moro interrogará Marcelo Odebrecht e um ex-executivo da empreiteira, Paulo Baqueiro de Melo, a pedido das defesas de Lula e de outros réus, às 16h.
O bilionário baiano, que, após acordo de delação premiada, cumpre desde dezembro pena de dois anos e meio de prisão domiciliar em São Paulo, terá de falar sobre novas mensagens de email supostamente relacionadas à compra do terreno para o Instituto Lula na rua Haberbeck Brandão, na capital paulista.
Odebrecht só entregou o material à Justiça em fevereiro – ele alega que só conseguiu acessar as mensagens depois que saiu da cadeia. Já a defesa de Lula diz que os emails são forjados (os verdadeiros teriam sido destruídos).
Nas conversas, Odebrecht manda Baqueiro dar seguimento ao processo de compra do imóvel na rua Haberbeck. As mensagens são dirigidas também a outros ex-dirigentes da empresa, como Paul Elie Altit.
As chamadas "diligências complementares" foram necessárias porque o processo foi cercado de controvérsias – em setembro passado, por exemplo, Lula apresentou recibos de aluguel com datas inexistentes, como 31 de novembro e 31 de junho. A defesa alega que se trata de um erro na confecção dos recibos, mas que eles são legítimos.
O depoimento de hoje de Marcelo Odebrecht deve ser um dos últimos desta fase do processo. Moro pode abrir os prazos para as chamadas "alegações finais" das partes no fim de abril ou no começo de maio.
A partir da determinação do juiz, o Ministério Público terá 10 dias para apresentar suas alegações finais. Depois disso, a Petrobras (atuando como assistente de acusação) tem mais três dias para fazer suas considerações no processo. Depois disso, são mais 10 dias para as defesas – e então, teoricamente, não falta mais nada para uma nova sentença, seja para condenar ou para absolver.
Na denúncia, o MPF acusa Lula de ter cometido nove vezes o crime de corrupção passiva, e mais 94 vezes o crime de lavagem de dinheiro. Na lavagem, a pena pode chegar a até 16 anos de prisão; já a corrupção passiva pode ser punida com até 21 anos. Cabe ao juiz, porém, fazer o cálculo e definir a duração da pena em caso de condenação.
O dia 4 de março de 2016 ficou marcado como a data em que Sergio Moro determinou a condução coercitiva de Lula, durante a chamada Operação Alethéia (a 24ª fase da Lava Jato). Mas outra coisa aconteceu no mesmo dia: quando os policiais chegaram ao prédio de Lula, em São Bernardo, o porteiro do edifício contou que a família do ex-presidente usava também o apartamento de frente ao nº 122, no qual o petista vivia.
Os policiais então pediram – e a esposa de Lula, Dona Marisa Letícia, concedeu – autorização para entrar no outro apartamento, o nº 121. Havia inclusive uma porta ligando as duas residências; soube-se depois que o local era alugado pelo PT no primeiro governo do petista (2003-2007) e depois pela Presidência da República, no segundo mandato presidencial (2008-2010). O objetivo era impedir outras pessoas de acessarem o andar onde Lula vivia, além de acomodar as equipes de segurança que acompanharam o petista enquanto ele era presidente e depois de deixar o cargo.
Depois que Lula deixou a Presidência, porém, o apartamento foi comprado por Glaucos da Costamarques - primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula e também preso na Lava Jato – por cerca de R$ 500 mil. Marisa Letícia então alugou o apartamento, que continuou a ser usado pela família do ex-presidente.
Para o Ministério Público, o dinheiro para a compra veio da Odebrecht, e Lula nunca pagou realmente os aluguéis: Glaucos seria um mero "laranja" da empreiteira, e teria recebido em torno de R$ 170 mil em troca. O apartamento seria, portanto, mais um "presente" da Odebrecht para Lula, dado como retribuição às vantagens recebidas pela empreiteira em contratos com a Petrobras.
O apartamento, porém, representou só uma pequena parte da propina paga a Lula, segundo o MPF.
A maior parte do dinheiro (R$ 12,4 milhões) veio com a compra de um terreno na rua Haberbeck Brandão, em São Paulo (SP). O local fica perto do Parque Ibirapuera, na Vila Clementino. Na época (2010), segundo o MPF, quem intermediou a negociação foi o então deputado federal Antonio Palocci, junto com o assessor Branislav Kontic, o Brani.
Uma pequena construtora chamada DAG e o próprio Glaucos teriam sido os "laranjas" da operação. O imóvel pertencia, antes, a uma firma de publicidade. Foi comprado formalmente pela DAG em 2010, mas o valor teria sido pago pela Odebrecht. Os procuradores citam, entre outras coisas, uma planilha apreendida na Odebrecht, chamada de "Programa Especial Italiano", na qual existe a anotação "Prédio (IL)", ao lado do número 12.422. Para o MPF, "Italiano" é o codinome de Palocci, e "IL" significa "Instituto Lula".
Para a defesa do ex-presidente, os procuradores da Lava Jato elegeram Lula como inimigo, e estão usando o processo legal como uma arma de guerra contra o petista – no que a defesa chama de "lawfare". Para os advogados de Lula, o MPF não conseguiu traçar, por exemplo, o "caminho do dinheiro" desde os contratos entre a Petrobras e a Odebrecht até a compra do terreno ou do apartamento.
O crime de corrupção, por exemplo, exige que se demonstre qual ato específico do ex-presidente foi remunerado pela Odebrecht, e o MPF não teria conseguido demonstrar isto, diz a defesa.
A BBC Brasil procurou a defesa do ex-presidente com questionamentos para esta reportagem, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.
O Instituto Lula, dizem os advogados, funciona no mesmo lugar desde 1991 - desde a época que se chamava "Instituto Cidadania". A entidade funciona em uma casa de dois andares no bairro do Ipiranga, na zona Sul de São Paulo. O terreno da rua Haberbeck nunca foi usado por Lula ou pelo Instituto. Quanto ao apartamento, Lula diz que realmente o alugou – e pagou.
Além disso, nos últimos meses, a defesa juntou várias perícias técnicas no processo, questionando a documentação entregue pela Odebrecht.
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O outro apartamento: próxima sentença de Moro sobre Lula pode vir já neste semestre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU