06 Abril 2018
‘Nós já estamos com alumínio e chumbo no cabelo’
O Ministério Público Federal (MPF) e do Estado do Pará (MPPA) apresentaram na segunda-feira (26/03) um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) à empresa norueguesa Hydro para que ela apresente ações emergenciais para diminuir os riscos e danos causados pela refinaria Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará.
Em fevereiro, moradores da região denunciaram o que era até então uma suspeita de vazamentos de rejeitos de bauxita, utilizados na produção de alumínio, em rios da região. Vazamentos que foram inicialmente negados pela empresa, mas que foram confirmados por um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) divulgado no dia 22 de fevereiro. Nele, o IEC afirma ter identificado altos índices de alumínio e chumbo em amostras de água dos rios da região.
A entrevista é de André Antunes, publicada por EPSJV/Fiocruz, 04-04-2018.
Com base nos resultados, o Tribunal de Justiça do Pará determinou que a empresa suspendesse sua produção pela metade e proibiu o funcionamento de um dos depósitos de rejeitos da mineradora, o Depósito de Rejeitos Sólidos nº 2, que estava em pleno funcionamento, de maneira irregular, uma vez que a empresa possui apenas o licenciamento para testes. Ainda assim, a Hydro Alunorte atualmente briga na Justiça para retomar suas atividades.
Mario Assunção do Espírito Santo
Nesta entrevista, concedida durante o Fórum Alternativo Mundial da Água, Mario Assunção do Espírito Santo, quilombola, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e morador de Barcarena, descreve os impactos para o meio ambiente e para a saúde das populações das comunidades da ilha atingida pelo vazamento de rejeitos de bauxita causados pela Hydro, e denuncia que os vazamentos são corriqueiros na época de chuvas na região.
Qual é a situação hoje das comunidades de Barcarena atingidas pelo vazamento provocado pela Hydro Alunorte?
Eu sou do Quilombo Gibrié de São Lourenço, onde minha família chegou por volta de 1838, vinda do Marajó. Ou seja, nós chegamos lá muito antes da empresa. Lá nós vivemos; lá sempre comemos camarão, pegamos nosso peixe, fizemos a nossa farinha, plantamos a nossa banana – e é lá que a gente vive. E hoje a gente vê os rios sendo poluídos. Tucunarés de cinco quilos, que a gente pega e não pode comer. É justo uma coisa dessas? Pegar cinco, seis quilos de camarão e não poder comer porque quando tu cozinha você sente que é um gosto diferente, sente que é um cheiro diferente, tu vê que a carne, visivelmente, é uma carne diferente, dura, vermelha. Barcarena tem sete praias. Como é que o trabalhador dessas praias vai vender um peixe, uma comida, uma salada se é usada a água de lá? Ele não quer. Tu comeria?
Não comeria.
O impacto no turismo foi enorme. As praias estão desertas. A Associação do Furo do Arrozal, que vende camarão nas praias do Caripi, do Conde, do Farol, está paralisada porque ninguém quer comer o camarão de lá. Quem vai comprar aquilo? Ninguém. Então o medo é muito grande. A água está com chumbo, alumínio e outros metais pesados.
E não é um problema recente: lá todo ano tem vazamento. Têm sido constantes desde 2000. Vamos fazer um desafio? Eu te dou meu contato, tu me dá o teu. Ano que vem, por essa mesma época de chuva, nós vamos viver o mesmo problema. Guarda isso aí.
Por quê?
Porque com as chuvas, o reservatório da DRS [Depósito de Rejeitos Sólidos] 1, que já está com 40 metros de altura – ou seja, maior do que o de Mariana – transborda. Aquilo não foi projetado para isso tudo. E toda vez que chove, a chuva cai em cima e vem escorrendo. A bacia que eles colocam pra sustentar a água não dá conta. E o que eles fazem? Eles jogam pro leito do rio. E todo ano tem vazamento.
O que aconteceu esse ano que teve uma repercussão maior?
A repercussão da mídia de um problema corriqueiro. São 37 anos de exploração de alumínio em Barcarena e, até agora, não houve desenvolvimento. Para nós, que somos de comunidades tradicionais, não houve. O que chegou para nós foram somente as mazelas.
Quais são as mazelas?
Além dos vazamentos tem, por exemplo, o problema das estações criadas pra tratar o esgoto da Vila dos Cabanos, onde o povo que trabalha na empresa mora, que foram abandonadas e entregues na mão do poder público; o poder público não teve dinheiro pra arcar, abandonou. Hoje o esgoto da Vila dos Cabanos, que tem o tamanho de uma cidade e foi criada para receber os trabalhadores da empresa, cai dentro do Rio Murucupi, que banha 24 comunidades.
E, para piorar, os depósitos de rejeitos, tanto o DRS 1 quanto o 2, ficam próximos das nascentes dos rios. Então há muita obscuridade nesse processo de legalização da instalação da empresa. Como é que faz uma planta de uma fábrica e não se prevê as leis ambientais? Porque as plantas da Hydro Alunorte são da década de 1970, então não tinha nem lei ambiental na época que previsse isso. Então eles dizem que foram dadas todas as licenças pra lá.
Mas o licenciamento ambiental previsto na legislação vigente não foi realizado?
Não houve, e não há fiscalização que averigue para fazer com que se adeque. A produção continua. Foi parada agora, depois da repercussão, pelo Ministério do Meio Ambiente pra fazer essa adequação, mas a gente sabe que essa parada não resolve, o que resolve é uma total readequação da empresa. Há milhões e milhões reais envolvidos, como é que não consegue uma tecnologia pra lidar aquela lama que vai ficar lá? Porque a nossa geração vai passar, dos nossos filhos vai passar, dos nossos netos vai passar e aquilo vai ficar lá.
Foram encontrados inclusive dutos clandestinos por onde vazava rejeitos de bauxita nos rios da região, certo?
São tubulações construídas antes da legislação ambiental de hoje. Deveriam ter sido fechados. A ordem de fechamento foi dada. Mas não foram. O rejeito está sendo jogado direto no Rio Murucupi. Descobriram um duto que joga pro Rio Pará. Ou seja, temos também a contaminação no Rio Pará, que banha sete praias, e também pega a Baía do Guajará pra chegar até em Belém. Para ter ideia de como a contaminação está. A água que a gente usa pra beber, pra tomar banho água está contaminada com chumbo, alumínio e outros metais pesados. Há uma grande omissão do Estado, uma conivência, porque se o Estado que é o regulador, sabe disso, ele está sendo omisso. Os dois únicos órgãos que vem todo o tempo ficando ao nosso lado são o Instituto Evandro Chagas e a Universidade Federal do Pará. Os pesquisadores têm ajudado a fazer a nossa organização, buscar que a gente possa falar por nós mesmos, nos empoderando de algumas ações e algumas leis que, até então, a gente não tinha conhecimento.
Quais os impactos para a saúde que vocês têm sentido?
A Universidade Federal do Pará, através da doutora Simone [Pereira, do Departamento de Química da UFPA] vem realizando testes. Ela tem uma vasta pesquisa, de antes da implantação do empreendimento e agora, acompanhando. Os resultados são alarmantes, porque nós já estamos com alumínio e chumbo no cabelo. Tu imagina isso no organismo? Está tendo aumento de câncer no estômago, Alzheimer, segundo a doutora. São outras substâncias que a gente ainda não dominou, mas que ela disse que são mais perigosas, e que podem causar aumento do câncer do estômago e Alzheimer, mal de Parkinson. E também muita diarreia, náusea, dor de cabeça, coceira na pele.
Como vocês têm procurado se mobilizar a partir disso?
Nós temos nos organizado através de movimentos como o Movimento pela Soberania Popular na Mineração [MAM], e também fazemos parte do Barcarena Livre [rede de comunicação comunitária que tem procurado denunciar os estragos causados pelos vazamentos em Barcarena]. E também enquanto quilombo temos trabalhado pra buscar essas possíveis reparações de danos. Nós estamos com o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, a Procuradoria do Estado, em vários outros órgãos que a gente está acionando e exigindo que eles façam alguma coisa, fazemos denúncias. A gente não quer nada de ninguém, a gente só quer ter o nosso rio despoluído. A gente só quer que eles tenham respeito pela gente, que eles deem pro trabalhador o que o trabalhador precisa, que é o ambiente digno de trabalho. O trabalhador é massacrado, tudo que acontece lá a informação é fechada, trabalhador da empresa não entra com lá celular, que é justamente pra não filmar o processo.
Há duas semanas uma liderança quilombola, o Paulo Sérgio, que denunciava os vazamentos em Barcarena foi assassinado a tiros. Como vocês receberam a notícia do crime? E qual é a situação hoje em Barcarena no que diz respeito à segurança?
É muito preocupante, porque era uma pessoa que lutou. É muito preocupante ver que mais um tomba e as coisas continuam do mesmo jeito. A repressão é de todos os lados, tanto empresarial como governamental. E ela é, por incrível que pareça, dentro dos nossos próprios quilombos. Porque tanto a empresa quanto o poder público tentam cooptar as lideranças para que a liderança fique calada. Geralmente as lideranças são questionadas, não pode se reunir com o pessoal da Prefeitura, não pode se reunir com o pessoal da Câmara, da empresa, porque já pensam que está se vendendo. Por isso que a nossa postura é sempre levar mais de um nessas conversas. Se eu venho aqui conversar contigo como liderança, eu tenho que trazer mais três comigo, pra que esses três vejam que não estou me vendendo pra ti. Então, até pelo nosso povo nós somos ameaçados, pra tu ver o grau de insatisfação que a instabilidade emocional traz. Essa essa instabilidade só vem aumentando.
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Mario Assunção, quilombola e morador de Barcarena (PA) descreve os impactos de rejeitos de bauxita da empresa norueguesa Hydro Alunorte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU