22 Março 2018
Mais de 6 mil hectares de floresta foram destruídos nos primeiros dois meses do ano.
Em pleno inverno amazônico, entre os meses de janeiro e fevereiro, mais de 6,2 mil hectares de florestas foram destruídos para dar lugar à produção agropecuária e garimpo ilegal na Bacia do Rio Xingu.
A reportagem é de Isabel Harari, publicada por ISA, 20-03-2018.
Cerca de 800 hectares foram abertos dentro de Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs), pressionando o meio ambiente e os povos que ali vivem. Essas áreas protegidas formam o Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental e são fundamentais para a proteção das florestas e dos territórios tradicionalmente ocupados. O desmatamento fora dessas áreas também impressiona: foram mais de 5 mil hectares em regiões muito próximas aos limites do Corredor.
Garimpo no limite nordeste da TI Kayapó registrado no final de 2017 (Foto: Divulgação)
Os números preocupam pois, mesmo debaixo de forte chuva, os desmatadores abriram grandes porções de terras nos estados do Pará e Mato Grosso. “Os desmatadores sabem que estão sendo monitorados pelo Ibama e outros órgãos, por isso estão começando a agir na época de chuvas, quando o monitoramento é mais difícil”, alerta Juan Doblas, assessor do ISA.
Os dados foram detectados pelo Sirad X, o novo sistema de monitoramento de desmatamento do ISA. [Saiba mais no final do texto]
O caso da TI Ituna Itatá é dramático. Apenas em janeiro foram desmatados 77 hectares dentro dos limites do território onde vivem indígenas isolados. Localizada a menos de 70 quilômetros do sítio Pimental, principal canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, a destruição das florestas vem aumentando exponencialmente desde 2011, início da construção da usina.
Após registrar 7 hectares desmatados em 2013, a região contabilizou assustadores 1.349 hectares de floresta derrubados entre agosto de 2016 e junho de 2017. Esse aumento de 134.800% em apenas quatro anos é consequência de um processo avançado de grilagem e ocupação por parte de grupos criminosos de Altamira e Anapú.
Informações locais apontam a causa da disparada no desmatamento: a TI estaria sendo objeto de uma disputa de grupos de grileiros para afirmar o domínio territorial sobre determinadas áreas. “O tamanho e disposição espacial das áreas desmatadas indicam que há uma corrida para se apossar do território da TI”, comenta Doblas.
A TI foi interditada pela Funai em 2011 para proteção dos grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição deve ser renovada a cada três anos, e caso não seja possível comprovar os indícios dos isolados, a terra volta para as mãos do Estado – ficando à mercê da grilagem.
A TI Ituna Itatá é de extrema importância para a manutenção da integridade das demais terras na margem direita do Xingu – Apyterewa, Arawete/Igarapé Ipixuna e Trincheira/Bacajá. A pressão sobre o território dos isolados coloca as demais áreas em risco. A implantação de um plano de proteção à Tis é uma condicionante de Belo Monte, mas nunca foi efetivamente cumprida.
Processo avançado de grilagem (desmatamento e construção de edificações) registrado na Ituna/Itatá em 2016 (Foto: Jeferson Straatmann-ISA)
Na região do município de Feliz Natal, no Mato Grosso, foram encontrados os maiores polígonos de desmatamento nos primeiros dois meses de 2018. Esta região, localizada na zona de influência do projeto de ferrovia EF-170, vem gradativamente expandindo sua produção de grãos, em especial a soja.
Especialistas acreditam que a especulação da construção da Ferrogrão, como é conhecida, pode estar ligada ao aumento do desmatamento na região. Com quase mil quilômetros de extensão, partindo de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), o projeto visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. Em 2020, prevê-se que a demanda total de carga da ferrovia alcance 25 milhões de toneladas, número que poderá chegar a 42,3 milhões, em 2050.
Em janeiro, foram detectados dez polígonos de desmatamento nos municípios localizados na zona de influência da Ferrogrão – Feliz Natal, Nova Ubiratã, Vera e Santa Carmem. Destes, apenas dois possuem autorização para desmate (AD), documento emitido pela Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT), que regulariza a abertura de áreas para a produção. Os oito restantes representam 1.670 hectares de áreas desmatadas ilegalmente na região.
Em 2009, Feliz Natal entrou na lista dos municípios prioritários da Amazônia para o combate ao desmatamento – iniciativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para monitoramento das regiões com alto índice de degradação. Ainda que tenha saído em 2013, a situação atual coloca o município no limite de voltar à lista.
Nos dois primeiros meses do ano foi detectada uma variedade de pequenos polígonos de desmatamento no interior da TI Kayapó, dinâmica que indica uma expansão dos garimpos de ouro existentes na região.
Em janeiro foram registradas 23 novas áreas abertas, correspondentes a atividades garimpeiras que acontecem ao longo dos cursos hidrográficos. Em fevereiro, mais nove áreas de floresta foram derrubadas, atingindo partes remotas do território Kayapó.
Os garimpos, localizados no limite nordeste da TI Kayapó, seguem os cursos d'água (Foto: Divulgação)
“A situação está fora do controle. Houve um aumento da exploração em lugares que já estavam estabilizados e abertura de pistas em áreas novas. Houve uma operação do Ibama no ano passado, mas elas têm se mostrado pouco eficazes. Você fica enxugando gelo, porque na semana seguinte o pessoal volta”, alerta Igor Ferreira, asses
Associação Floresta Protegida (AFP) e integrante da Rede de Monitoramento Territorial do Xingu (RMTX), da qual o ISA também faz parte.
A elevada cotação do ouro no mercado internacional sustenta essa atividade de forte risco e que implica em enormes prejuízos ambientais. “São grandes buracos na mata e dejetos – como o mercúrio – jogados nos rios, que vão contaminando os igarapés e dali vão para os rios maiores, o Rio Fresco e Branco, até chegar no Xingu”, conta.
Em azul, a Bacia do Xingu, área de atuação do SIRAD X. No detalhe, a grade de mapeamento usada pelos analistas
O Sistema de Indicação Radar de Desmatamento – Xingu (Sirad X) é uma ferramenta inovadora que permite detectar o desmatamento de maneira qualificada durante o ano inteiro na Bacia do Rio Xingu. Normalmente, não é possível monitorar a floresta amazônica durante a época de chuvas, pois uma espessa camada de nuvens impede que satélites enxerguem o chão. Os desmatadores sabem disso, e muitos atuam neste momento para evitar a fiscalização.
Em 2017, a Agência Espacial Europeia (ESA) começou a adquirir e disponibilizar gratuitamente informações sobre a Amazônia brasileira usando o satélite Sentinel-1. Esse satélite transporta um sistema de radar orbital que permite ‘enxergar’ através das nuvens e gera imagens de alta qualidade.
O Sirad consiste em uma série de algoritmos que processam as informações do Satélite Sentinel-1. Ele roda em uma plataforma chamada Google Earth Engine (GEE), que processa rapidamente grandes quantidades de informação. A equipe de analistas do ISA examina cada local da bacia procurando visualmente por anomalias nas imagens produzidas.
Cada polígono de desmatamento é avaliado em função da sua proximidade a outros focos de degradação e ao histórico da região, e, caso necessário, são contatadas pessoas com conhecimento do local para confirmar o desmatamento. O Boletim Sirad X é publicado mensalmente na Plataforma Rede Xingu + e no site do ISA. [Leia aqui a primeira edição]
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Desmatamento no Xingu avança mesmo debaixo de chuva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU