23 Fevereiro 2018
Estudo abrangente dos mares revela: em 60 anos, zonas costeiras sem oxigênio multiplicaram-se por dez. Além da vida marinha, fenômeno ameaça meio bilhão de pessoas. Há soluções — bloqueadas pelo poder econômico.
A reportagem é de Damian Carrington, publicada por Outras Palavras, 22-02-2018. A tradução é de Inês Castilho.
As zonas mortas no oceano, com zero oxigênio, quadruplicaram em tamanho desde 1950, enquanto o número de locais com muito pouco oxigênio perto das costas cresceram dez vezes, alertou um novo estudo científico publicado no início de fevereiro. A maioria das espécies marítimas não consegue sobreviver nessas zonas e a tendência atual levaria à extinção em massa no longo prazo, arriscando causar consequências terríveis para centenas de milhões de pessoas que dependem dos mares para viver.
As mudanças climáticas causadas pela queima de combustível fóssil são a causa da desoxigenação em larga escala, pois águas mais quentes retêm menos oxigênio. As zonas mortas costeiras são consequência de fertilizantes e esgoto que correm da terra para o mar.
O estudo, publicado na revista Science, é a primeira análise abrangente dessas áreas e afirma: “Grandes eventos de extinção na história da Terra foram associados a climas quentes e oceanos deficientes em oxigênio.” Denise Breitburg, do Centro de Pesquisa Ambiental Smithsonian (Smithsonian Environmental Research Center), nos Estados Unidos, responsável pela análise, disse: “Na trajetória atual, é para esta situação que nos dirigimos. Mas as consequências, para os seres humanos, de manter essa trajetória são tão medonhas que é difícil imaginar que possamos ir tão longe.”
“Esse problema pode ser resolvido”, disse Breitburg. “Deter as mudanças climáticas requer um esforço global, mas mesmo ações locais podem ajudar a evitar a redução de oxigênio.” Ela apontou a recuperação da Baia Chesapeake, nos EUA, e do rio Tâmisa, no Reino Unido, onde melhores práticas agrícolas e de saneamento levaram ao desaparecimento de zonas mortas.
Contudo, o professor Robert Diaz, do Instituto Virginia de Ciência Marinha (Virginia Institute of Marine Science), revisor do novo estudo, disse: “Neste momento, a crescente expansão de zonas mortas costeiras e o declínio de oxigênio no mar aberto não são problemas prioritários para governos em todo o mundo. Infelizmente, será necessário ocorrer severa e persistente mortalidade de peixes para que tomem consciência da falta de oxigênio.”
Em laranja, as áreas costeiras mortas; em azul as áreas mortas em mar aberto (Fonte: Global Ocean Oxigen Network, Science)
Os oceanos alimentam mais de 500 milhões de pessoas, especialmente em países mais pobres, e proporcionam trabalho para 350 milhões. Mas no mínimo 500 zonas mortas foram localizadas até agora perto das costas, contra menos de 50 em 1950. A falta de monitoramento em várias regiões significa que o verdadeiro número pode ser muito maior.
O mar aberto tem naturalmente áreas de baixo oxigênio, em geral na costa oeste dos continentes devido à forma como a rotação da Terra afeta as correntes oceânicas. Mas essas zonas mortas expandiram-se dramaticamente, aumentando milhões de quilômetros quadrados desde 1950, em área praticamente equivalente à da União Europeia.
Além disso, está caindo o nível de oxigênio em todas as águas oceânicas, com 2% – 77 bilhões de toneladas – sendo perdidos desde 1950. Isso pode reduzir o crescimento, prejudicar a reprodução e aumentar as doenças, alertam cientistas. Ironicamente, águas mais quentes não apenas retêm menos oxigênio como também levam organismos marinhos a respirar mais rápido, usando mais oxigênio.
Há também perigosos mecanismos de feedback. Micróbios que proliferam em níveis muito baixos de oxigênio produzem muito óxido nítrico, um gás de efeito estufa que é 300 vezes mais potente que o dióxido de carbono.
Em regiões costeiras, a poluição por fertilizantes, excrementos animais e água de esgoto causa a floração de algas, e quando elas se decompõem o oxigênio é sugado para fora d’água. Em alguns lugares, contudo, as algas podem gerar mais alimento para os peixes e aumentar a captura perto das zonas mortas. Isso pode não ser sustentável, disse Breitburg: “Preocupa muito que estejamos mudando o modo como esses sistemas funcionam, o que pode levar à redução de sua resiliência global.”
O novo estudo foi produzido por um grupo de trabalho internacional criado em 2016 pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco. Kirsten Isensee, membro da comissão, disse: “A desoxigenação do oceano está acontecendo em todo o mundo como resultado da pegada humana; é necessário, portanto, que a enfrentemos globalmente.”
Lucia von Reusner, diretora de campanha do grupo Mighty Earth (Terra Forte, em tradução livre), que recentemente estabeleceu uma ligação entre a zona morta do Golfo do México e a produção de carne em larga escala, disse: “Essas zonas mortas continuarão a expandir-se, a menos que as grandes indústrias de carne que dominam o sistema agrícola global comecem a limpar sua cadeia de fornecedores, de modo a manter a poluição fora de nossas águas.”
Diaz observou que a velocidade da asfixia dos oceanos é de tirar o fôlego: “Nenhuma outra variável de tal importância ecológica para os ecossistemas costeiros mudou tão drasticamente, em período tão curto, pela ação humana, como a dissolução do oxigênio.”
A necessidade de ação urgente, disse, é bem resumida pelo lema da Associação Americana do Pulmão (American Lung Association): “Se você não consegue respirar, nada mais importa.”
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A era dos oceanos mortos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU