21 Fevereiro 2018
Encontro Mundial das Famílias reedita brochura sem imagens da primeira edição.
A reportagem é de Sarah Mac Donald, publicada por National Catholic Reporter, 19-02-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um grupo dos Estados Unidos, que defende a inclusão plena de pessoas LGBTs na Igreja, convidou Dom Diarmuid Martin, arcebispo de Dublin e presidente do Encontro Mundial das Famílias 2018, e outros líderes católicos da Irlanda a restaurarem a imagem de um casal homoafetivo no livreto “Amoris: Let’s talk Family! Let’s be Family!”.
O pedido da DignityUSA foi feito em resposta à decisão, tomada pelo escritório de Dublin para o Encontro Mundial das Famílias, de reeditar a brochura preparada para o evento, desta vez sem uma imagem que trazia um casal homoafetivo; a imagem tinha sido reproduzida na primeira edição do material, à página 24.
“Amoris: Let’s talk Family! Let’s be Family!” é uma fonte para as famílias católicas na Irlanda se prepararem para o Encontro Mundial das Famílias 2018 a acontecer entre os dias 21 e 26 de agosto. Seu nome baseia-se na exortação apostólica sobre a família do Papa Francisco, Amoris Laetitia, lançada em abril de 2016.
O parágrafo seguinte foi também deletado do texto da nova edição:
“Embora a Igreja sustente o ideal de matrimônio como sendo um compromisso permanente entre um homem e uma mulher, outras uniões existem e fornecem apoio mútuo aos cônjuges. O Papa Francisco encoraja-nos a nunca excluir, mas sim acompanhar estes casais também, com amor, cuidado e apoio”.
“Amoris: Let’s talk Family! Let’s be family!”
Veja a edição original e reeditada do livreto:
À esquerda a versão reeditada do folheto e à direita a primeira versão
No todo, seis imagens que poderiam ser interpretadas como de um casal LGBT ou de uma família não tradicional, foram removidas ou substituídas por outras não polêmicas, como imagens de famílias formadas por um pai, uma mãe e filhos.
A notícia da mudança levou Mary McAleese, ex-presidente da Irlanda, a manifestar a preocupação com que o Encontro Mundial das Famílias, em Dublin, marginalize a comunidade LGBT. No passado, McAleese falou abertamente sobre o seu filho, Justin, católico devoto, que sofreu bullying por ser gay.
“A Irlanda tem a oportunidade única como anfitriã do Encontro Mundial das Famílias 2018 de fazer o evento plenamente inclusivo e acolhedor a todos os filhos de Deus e, em especial, àqueles e àquelas a quem a Igreja contribuiu para a marginalização e exclusão”, disse ela em um comunicado.
Mas McAleese, canonista e destacada católica irlandesa, acrescentou que a história do evento não constitui um bom presságio nesse sentido. Segundo disse, os católicos LGBTs e seus familiares “que em boa fé foram ao Encontro de 2015 na Filadélfia relataram que viveram uma hostilidade traumatizante”.
Marianne Duddy-Burke, diretora executiva da DignityUSA e que, junto de sua parceira e dois filhos adotados, estiveram entre as 22 pessoas que representaram as famílias LGBTs no Encontro Mundial das Famílias de 2015 na Filadélfia, falou que a remoção das imagens do livreto “Amoris” representava um “revés alarmante e triste”, enquanto que a DignityUSA considerou o fato uma “negação trágica da realidade que aumenta a sensação de que as pessoas LGBTQIs e nossas famílias não são bem-vindas na nossa Igreja”.
“Tivemos pessoas de todos os tipos vindo a nós durante todo o encontro”, disse Duddy-Burke, referindo-se à experiência na Filadélfia. “Tivemos pais de crianças gays, tias de transexuais, irmãos, primos e avós de companheiros LGBTQIs, inclusive pessoas que estavam ficando na casa de casais homoafetivos enquanto participavam do EMF”.
“Dezenas de pessoas vieram para as seções que tivemos à noite, depois que a programação oficial terminava. Eram pessoas do mundo inteiro”, continuou Duddy-Burke. “Precisavam falar sobre o que ouviam dos palestrantes, que, na maior parte, falaram severamente contra as relações homoafetivas e negaram que se pudesse ser transexual ou intersexual. São pessoas que amam a nossa religião e os seus familiares, são pessoas que se esforçam para acolher a todos. Aquilo que ouviam estava incomodando elas”.
Sobre o livreto “Amoris”, Duddy-Burke disse que foi “animador ver imagens que refletiam as nossas famílias no primeiro material. Ver elas deliberadamente deletadas e substituídas com fotos consideradas mais ‘aceitáveis’ é, realmente, doloroso. Parece que o tapete de boas-vindas foi enrolado e recolhido – pelo menos para nós. É duro imaginar Jesus sendo assim, tão pouco acolhedor”.
Veritas, a editora de “Amoris: Let’s talk Family! Let’s be Family!”, é propriedade dos bispos irlandeses.
Quando questionado sobre as mudanças na segunda edição da brochura, um porta-voz da Veritas Aidan Chester respondeu que o programa de “Amoris” foi produzido pelo comitê organizador do Encontro Mundial das Famílias e que dúvidas relativas ao seu conteúdo deveriam ser enviadas a este departamento.
Uma porta-voz do Encontro Mundial das Famílias não explicou por que as imagens foram alteradas, mas disse que o evento “sempre foi entendido como um encontro aberto a todos. E este continua sendo o posicionamento do Encontro Mundial das Famílias em Dublin”.
Ela também citou Amoris Laetitia onde Francisco enfatiza: “cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito”.
Acrescentou que o objetivo principal do evento em 2018 na cidade de Dublin é mostrar como “a Igreja assume a atitude do Senhor Jesus, que oferece o seu amor ilimitado a toda a pessoa, sem exceção”.
A teóloga irlandesa Angela Hanley questionou como “as famílias LGBTs podem se sentir acolhidas quando as próprias imagens que retratam a experiência delas são expurgadas da literatura como se, de algum modo, fossem contaminar o material. Se você não pode ser visível, poderá ser levado em conta?”
Hanley acredita que restaurar as fotografias originais da publicação é a única ação que terá algum sentido.
Anthony Murphy, um dos fundadores do Lumen Fidei Institute, pequeno grupo conservador descrito por ele como sendo dedicado a “defender, promover e ensinar a fé católica”, contou ao National Catholic Reporter que o seu grupo havia tido “sucesso em ver removidas duas imagens do programa catequético do Encontro Mundial das Famílias”.
“Em primeiro lugar, é uma infelicidade que tenhamos de realizar estas campanhas, mas é também um indicativo da profundidade da infiltração na Igreja da Irlanda por parte daqueles que desejam impor uma agenda secular nela”, disse Murphy. “Estou muito animado com o apoio que temos da base, e agora temos boas condições para empreender uma luta pelo ensino católico autêntico”.
Na opinião de Hanley, as lideranças da Igreja Católica irlandesa não deveriam se ver pressionadas a retirarem a imagem a pedido do Lumen Fidei.
Eles “tiveram uma oportunidade para mostrar coragem, para não dizer decência, e recusar a se curvar a um grupo cuja visão do catolicismo é extremamente pobre”, disse ela. “Mas não. Eles cederam. Infelizmente, essa ação é só mais um exemplo de como uma Igreja que reivindica ser ‘pró-vida’ é somente ‘pró’ para um certo tipo de vida que se encaixa dentro de um conjunto particular de parâmetros”.
A Associação de Padres (Association of Catholic Priests), que representa mais de 1.000 sacerdotes irlandeses, também entrou na polêmica escrevendo num comunicado: “É inaceitável que indivíduos e associações exercem uma tal influência indevida e sejam permitidos a fazer tal dano como este. A nossa Igreja paga um preço alto ao cair em tais extremos. Nas nossas iniciativas para reformar a Igreja, não podemos simplesmente nos dar ao luxo de enviar sinais confusos assim”.
Sinais confusos podem também ser uma referência à nota de Martin emitida em resposta à disputa envolvendo a tentativa do Dicastério para os Leigos, a Vida e a Família, do Cardeal Kevin Farrell, que quis impedir McAleese de palestrar no congresso das Vozes da Fé em 8 de março.
No comunicado, Martin referiu-se ao livreto “Amoris” afirmando que ele “vem constantemente observando que o Encontro Mundial das Famílias, por acontecer em Dublin este ano, será um evento inclusivo, aberto a todas as famílias e familiares”.
Esta nota atiçou críticas de Brendan Butler, da We Are Church, grupo composto por leigos pró-reformas, que disse que a declaração do arcebispo de que o Encontro Mundial das Famílias é aberto a todas as famílias não explicou por que a imagem e o texto relacionados a cônjuges LGBTs foram expurgados.
“Esta sua declaração é branda”, disse Butler. “Quero que ele mencione explicitamente que as famílias LGBTs não só farão parte do Encontro Mundial das Famílias, mas terão um lugar de destaque para expressar o tratamento cruel e sem coração que sofrem nas mãos da Igreja oficial”.
Ele suspeita que essa “interferência” de Farrell, ex-bispo de Dallas e irlandês de nascimento, era a razão para que a brochura tivesse sido “censurada”.
“Pedimos que o Papa Francisco não fique longe dessas polêmicas, mas que se pronuncie em defesa de Mary McAleese e de que as famílias LGBTs tenham um espaço para se manifestar no Encontro Mundial das Famílias em Dublin”, acrescentou Butler.
Confira as versões do folheto:
Edição original: “Amoris: Let's talk family! Let's be family!” [1]
Página 24 original de "Amoris” [2]
Reedição: “Amoris: Let’s talk Family! Let’s be family!” [3]
Página 24 reeditada de “Amoris” [4]
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DignityUSA pede à Igreja irlandesa: Restaure as imagens com casais homoafetivos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU