23 Janeiro 2018
Na pedra do santuário de Santiago do Chile, dedicado a Santo Alberto Hurtado, o jesuíta dos pobres, que misturava Evangelho, casas e refeitórios populares, há uma frase gravada com grandes caracteres: “A fidelidade a Deus, se é verdadeira, deve se traduzir em justiça frente aos homens”. O significado da missão do Papa Francisco no Chile e no Peru teve exatamente o perímetro dessas palavras, em um continente que conta 425 milhões de católicos, 40% do total mundial, “continente da esperança” para Karol Wojtyla, hoje arrastada em um contraponto de progressos e regressos no plano geopolítico e na qualidade da evangelização, com Igrejas locais em retirada, incapazes de propor a única alternativa válida, a justiça que nasce da fidelidade ao Evangelho, atravessadas por muitas falhas de fraturas e fechadas nos templos.
A reportagem é de Alberto Bobbio, publicada por L’Eco di Bergamo, 22-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A questão dos abusos sexuais no Chile também deve ser inserida nesse horizonte. Faltou a coragem da verdade, e Bergoglio também esteve no meio de um turbilhão de polêmicas provocadas pela falta de sinceridade, na convicção de que esse era o modo de proteger a instituição eclesiástica.
Mais uma vez, a justiça não foi a medida da fidelidade a Deus. E as responsabilidades estão em Santiago, onde alguns se consideraram donos da Igreja, pondo jogar o seu jogo com regras diferentes da justiça do Evangelho, que, neste caso, significa tolerância zero.
O Papa Francisco foi sacudir a Igreja e a sociedade em uma América Latina que parece viver uma temporada de refluxo sob o martelo de grandes escândalos políticos. A desilusão transversal bloqueia qualquer possibilidade de gerar processos de transformação e de voltar a sonhar com sociedades mais justas e capazes de enfrentar os problemas da globalização e do saque dos recursos e dos direitos dos povos. Bergoglio denunciou todos os dias o risco de a desilusão leve à resignação, aquela que faz viver melhor apenas porque se decide evitar os problemas, que inverte o sentimento de comunidade. O papa, no entanto, está igualmente preocupado com aquilo que chamou de “murmúrio grosseiro” da oposição.
Em suma, hoje falta quem fale às claras na Igreja e fora dela, e não basta que o papa faça isso, se depois as Igrejas locais custam a acompanhar o ritmo os povos e são tentadas pelos muros e por uma sintaxe de minoria identitária, incapaz de entrar em sintonia com as emoções das pessoas.
Ele usou Neruda para indicar o caminho: “Sacudir-se de uma prostração negativa”. Explicou que as Igrejas divididas traem o espírito do Evangelho, que as quer fermento e proféticas.
A incrível popularidade de Bergoglio, o papado “carismático” (direitos autorais do professor Andrea Riccardi), suas atitudes geniais, do casamento em no avião ao abraço à policial que caiu do cavalo, fazem parte do resgate da Igreja, mas não são suficientes se depois as Igrejas locais se resignam ou barateiam a verdade da justiça.
Nesta semana, Bergoglio moveu-se como um profeta e um líder que, a cada dia, leva a Igreja para fora do acampamento, para combater a tranquilidade interna que, no fim, corrói o Evangelho.
De fora, também se veem melhor as rachaduras da “pátria grande”, conceito usado apenas uma vez pelo papa, que é, acima de tudo, uma visão do continente, pátria de rosto multiforme dos povos, indígenas e pós-colombianos, mas que custa a se reconhecer como tal e está sempre em busca de um “libertador” que ajude na tarefa.
Mas Bergoglio não é Simón Bolívar. É apenas um jesuíta que escala as cascatas e vai ao encontro dos povos, olha-os nos olhos e ensina como restituir dignidade e justiça em nome do Evangelho, esperando que, atrás dele, outros também escalem e não o deixem sozinho, como já aconteceu.
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Bergoglio sacode a América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU