17 Janeiro 2018
Muitos nestes dias têm afirmado que as palavras atribuídas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre "países pocilgas" dos quais não aceitaria mais imigrações, foram uma escorregadela normal, nada mais que uma gafe. De forma extremamente parcial, ele também confirmou isso, negando a expressão - "países-pocilgas" ou "países-latrina" dependendo da tradução dada a ‘shithole countries’ que for considerada mais apropriada - mas não o conteúdo. Mas a discussão, em minha opinião, não se restringe a eles, porque naquelas palavras, além da forma, há uma mensagem autêntica, sincera e profunda. E podemos inferir isso a partir da teologia à qual Trump faz, de alguma forma, referência. É a teologia da prosperidade.
A reportagem é de Riccardo Cristiano, jornalista e escritor, é publicada por Reset, 14-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma figura de absoluto destaque dentro da teologia da prosperidade é o pastor Norman Vincent Peale, que oficiou os funerais dos pais de Donald Trump. Também apreciado por Richard Nixon e Ronald Reagan, deve-se reconhecer a ele ser um pregador de grande sucesso. O livro que escreveu em 1952, "O Poder do Pensamento Positivo", já vendeu milhões de cópias. E o que Norman Vincent Peale escreveu nessa obra? Ele escreveu que, se você acreditar em algo irá obtê-lo, se disser que Deus está com você nada o deterá. E muito mais, obviamente.
A teologia da prosperidade, hoje, defendem estudos reconhecidos, convence 17% dos norte-americanos. E boa parte desses 17%, sejam eles protestantes ou católicos, votaram em Trump. E se o seu ataque se enraizasse neste pensamento, Trump estaria comunicando-lhes: acreditavam em algo os habitantes de países objetivamente desprovidos de prosperidade?
Em um país onde Deus tem valor, e muito, tanto que na moeda norte-americana está impresso "Em Deus nós acreditamos", ter uma teologia sobre a qual alicerçar-se é importante. Em um ensaio a esse respeito publicado em Vox e relativo a Joel Osteen, expoente destacado da teologia da prosperidade e intitulado "Por que Joel Osteen acredita que as orações podem enriquecer você", Tara Isabella Burton escreveu que outro importante expoente da teologia da prosperidade, Fillmore, reescreveu o Salmo 23, inserindo estas linhas: "o Senhor é o meu banqueiro / meu crédito é bom". É central para a visão da teologia da prosperidade a ideia de dar parte dos próprios pertences para a igreja como forma de investimento: demonstrando a sua fé, ou confiança, o paroquiano receberia cem vezes o seu investimento, visto que no Evangelho de Marcos garante-se que aquele que sofrer por Cristo receberá uma recompensa cem vezes maior.
Deixando de lado o quanto para nós pode parecer curiosa ou "instrumental” essa teologia, seu ponto relevante é que legítima uma economia baseada na especulação financeira e em ganhos talvez excessivos. Uma leitura literal pode levar bastante longe, talvez aliada também à leitura não exatamente "literal" do Salmo 23, mas é uma teologia que paira nos ambientes mais familiares a Donald Trump e onde o tão citado Steve Bannon elaborou a sua visão das relações entre culturas e pessoas.
Também seja provavelmente por isso que o cardeal Cupich, arcebispo de Chicago, neste momento, quis relembrar e agradecer a Jean Baptiste Point Du Sable, fundador da cidade onde realiza o seu ministério, imigrado do Haiti para os EUA. Para manter a sua religião longe desta deriva.
Escrever tudo isso no dia em que o Papa Francisco oficia a Missa em São Pedro para os refugiados, requerentes de asilo, migrantes e tantos outros, confirma, para mim, que aquele mote "Bergoglio ou barbárie" não é uma brincadeira, é a imagem da realidade em que nos encontramos.
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A teologia que parece apoiar o pensamento de Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU