16 Janeiro 2018
Com as mãos sujas de barro, um mineiro joga rochas ricas em minerais em uma máquina que tritura pedras. Elas serão processadas com mercúrio em um processo rudimentar que se multiplica pela Amazônia venezuelana e que, em 2017, rendeu 8,5 toneladas de ouro ao banco central do país.
A mineração é a aposta do presidente Nicolás Maduro depois que a queda dos preços do petróleo, principal produto de exportação do país, e a crise fizeram disparar a inflação e o desemprego.
A reportagem é de Bram Ebus e Stefano Wrobleski, publicada por InfoAmazonia, 15-01-2018.
Ouro, diamante e coltan (composto usado na fabricação de eletrônicos) são os principais produtos extraídos do Arco Mineiro do Orinoco, megaprojeto do governo da Venezuela que ocupa 112 mil km2 da floresta amazônica – ou 12% do território do país.
O projeto foi oficialmente inaugurado em agosto de 2016, quando Maduro disse que 150 companhias de 35 países haviam demonstrado interesse em investir no Arco Mineiro. Um ano e meio depois, no entanto, projetos concretos de mineração seguem ausentes na Venezuela.
"É uma jogada desesperada do governo Maduro para levantar dinheiro", diz David Smilde, professor de sociologia na Universidade de Tulane, em Nova Orleans, nos EUA, e membro sênior na ONG Oficina em Washington para Assuntos Latino-americanos. "Os problemas atuais da Venezuela têm menos a ver com a queda dos preços do petróleo e mais relação com políticas econômicas insustentáveis. Lembre-se de que, durante o ciclo de protestos de 2014, o barril de petróleo custava quase US$ 100. O modelo já era insustentável e a queda no preço do petróleo só acentuou seu declínio."
Ainda em agosto de 2016, o presidente também anunciou ter assinado um contrato com a Barrick Gold, maior mineradora do mundo. A empresa, no entanto, afirmou à reportagem que "participou da revisão de projetos mineiros no país", mas negou buscar "qualquer projeto ou investimento na Venezuela".
A falta de parceiros comerciais não inibe a existência do Arco Mineiro. De acordo com o governo, cerca de 250 mil pessoas dependem direta ou indiretamente do projeto. E migrantes chegam todos os dias de outras partes do país.
"O salário mínimo simplesmente não é o suficiente para mim. Sou uma mãe solteira de três filhos. Eu me demiti e vim para cá. É um pouco difícil, mas agora consigo sustentar meus filhos", conta a mineira Minorca Maurera, 23, que trabalhava em uma padaria antes de se mudar para El Callao, a 640 km ao sudeste de Caracas, capital do país.
Mineiros trabalham em uma das minas nas redondezas de El Callao, na Venezuela (Foto: Bram Ebus | InfoAmazonia)
Nesta região, que fica no estado de Bolívar, são 30 mil mineiros independentes que processam artesanalmente o ouro extraído. Com as mãos nuas e sem máscaras no rosto, eles fazem a limpeza das rochas com mercúrio, metal líquido que é misturado à água e evaporado nas etapas finais de separação do ouro.
Além de poluir o ambiente, o mercúrio causa problemas neurológicos, nos rins, pulmões e pele de quem se expõe a ele, explica Marianella Herrera, diretora do Observatório Venezuelano da Saúde. "Além disso, pesquisadores têm associado a exposição a metais pesados, como o mercúrio, ao autismo", diz.
O uso do metal na mineração é proibido desde abril de 2016 no país, o que não impede a mineradora estatal Minerven de comprar quase toda a produção dos mineiros artesanais de Bolívar.
"Não posso afirmar que a Minerven compre o ouro de minas ilegais porque no papel não é assim", diz um funcionário da empresa que pediu para não ser identificado. "Estamos autorizados a comprar de 17 ou 18 associações de produtores artesanais de ouro, mas sabemos que eles compram de mineiros ilegais."
O crescimento da mineração provocado pelo projeto do Arco Mineiro também levou a uma epidemia de malária na Venezuela. Em 2016 foram 240 mil contaminações no país, um número 76% maior que o do ano anterior, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Três em cada quatro casos foram registrados no estado de Bolívar, que faz fronteira com o Brasil.
O dado é alarmante para o país, o primeiro do mundo a ser certificado pela OMS por ter erradicado a malária em locais de grande concentração de pessoas, em 1961.
O desmatamento de vastas áreas para a extração de minérios é um dos motivos para o aumento de casos. Segundo especialistas, a falta de árvores que façam sombra faz com que o sol aqueça as águas de lagos e poças mais rapidamente, acelerando o desenvolvimento das larvas.
Mas a migração de trabalhadores para a região e a falta de medicamentos contra a malária agravam a situação.
"A fronteira entre o mosquito e o homem não existe mais", diz um médico que pediu para não ser identificado – colegas foram demitidos por falar com a imprensa.
Áreas de mineração remotas nos estados de Bolívar e Amazonas também enfrentam problemas semelhantes. "Mas a morte se apresenta porque as pessoas vivem longe demais", diz o médico. "Primeiro, elas precisam cruzar o rio, esperar por um barco, então por uma mula e, então, um Jeep Toyota precisa transportá-las até nós. Isso pode levar até três ou quatro dias e a saúde de alguém nesta condição pode ficar bastante complicada".
"Há um aumento extraordinário de mineiros migrantes de diferentes estados em direção ao Amazonas e Bolívar, além de pessoas 'colaterais', como prostitutas e mercadores", diz Oscar Noya, diretor do Centro de Estudos sobre Malária e cientista do Instituto de Medicina Tropical.
A doença é transmitida a seres humanos pela picada de um mosquito, que pode ter sido contaminado por outra pessoa. Por isso, a explosão de casos na Venezuela deixou os países vizinhos em alerta.
Em 2017, a Colômbia recebeu 965 pessoas que cruzaram suas fronteiras com malária e 91% eram da Venezuela.
A mineração atrai gangues locais, que buscam aumentar o seu poder e dinheiro pela coerção de mineiros. "Se você se comportar, nada vai acontecer", diz um mineiro de El Callao enquanto explica a "vacina" –a extorsão mensal de 4g ou 5g paga a uma das gangues.
Com expressão calma, ele acrescenta: "Senão, você irá lá para cima [no topo dos morros] e eles vão ligar a motosserra".
Entre janeiro e outubro de 2017, uma análise de reportagens da imprensa feita pelo Observatório Venezuelano de Violência no estado de Bolívar mostra que ao menos 1.415 pessoas foram assassinadas na região –muitas delas em zonas mineiras.
Para manter sua base de apoio, o governo venezuelano tem dado cada vez mais poder às Forças Armadas, que comandam e têm forte presença no Arco Mineiro. Segundo Cliver Alcalá Cordones, major-general do Exército aposentado em 2013, as gangues armadas pagam aos militares para manterem as operações de controle sobre a mineração ilegal.
"Quando destruímos algumas atividades de mineração ilegal, os mineiros reclamaram porque já tinham pago aos militares antes", conta o oficial, um apoiador do ex-presidente Hugo Chávez que já esteve no controle das regiões mineiras. Ele menciona que muitos aviões exportam ilegalmente a maior parte do ouro da Venezuela para as ilhas do Caribe. Os militares estão envolvidos.
Do outro lado do Arco Mineiro, na parte mais ocidental de Bolívar e no estado vizinho Amazonas, os minérios são cobiçados por dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que não aceitam o acordo de paz da guerrilha com o governo colombiano. Eles começaram a atravessar a fronteira em 2002 com membros do Exército Nacional de Liberação (ELN), que foi o segundo maior grupo guerrilheiro da Colômbia.
Hoje são cerca de 4.500 guerrilheiros só no Amazonas, de acordo com Libório Guarulla, que governou o estado entre 2001 e 2017. "Praticamente, é a guerrilha quem exerce o controle aqui. A guerrilha com a ajuda das Forças Armadas da Venezuela. Elas recebem parte dos ganhos".
Procurado pela reportagem, o governo venezuelano não se manifestou.
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Mineração na Amazônia venezuelana faz crescer desmatamento e malária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU