28 Outubro 2017
Dados do SEEG mostram que país lançou mais gases de efeito estufa no ar mesmo em meio a pior recessão de sua história; desmatamento puxou elevação, a maior em 13 anos.
A reportagem é de Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, 27-10-2017.
As emissões nacionais de gases de efeito estufa subiram 8,9% em 2016 em comparação com o ano anterior. É o nível mais alto desde 2008 e a maior elevação vista desde 2004.
O país emitiu no ano passado 2,278 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), contra 2,091 bilhões em 2015. Trata-se de 3,4% do total mundial, o que mantém o Brasil como sétimo maior poluidor do planeta.
Os dados são da nova edição do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), que será lançada nesta quinta-feira (26) em São Paulo pelo Observatório do Clima.
O crescimento é o segundo consecutivo, e ocorre em meio à pior recessão da história do Brasil. Em 2015 e 2016, a elevação acumulada das emissões foi de 12,3%, contra um tombo acumulado de 7,4 pontos no PIB (Produto Interno Bruto), que recuou 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. O Brasil se torna, assim, a única grande economia do mundo a aumentar a poluição sem gerar riqueza para sua sociedade.
A elevação nas emissões no ano passado se deveu à alta de 27% no desmatamento na Amazônia. As emissões por mudança de uso da terra cresceram 23% no ano passado, respondendo por 51% de todos os gases de efeito estufa que o Brasil lançou no ar.
Por outro lado, quase todos os outros setores da economia tiveram queda nas emissões. A mais expressiva foi no setor de energia, que viu um recuo de 7,3% – a maior baixa em um ano desde o início da série histórica, em 1970. O setor de processos industriais teve redução de 5,9%, e o de resíduos, 0,7%. As emissões da agropecuária subiram 1,7%.
Hoje a atividade agropecuária é, de longe, a principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa no país: ela respondeu por 74% das emissões nacionais em 2016, somando as emissões diretas da agropecuária (22%) e as emissões por mudança de uso da terra (51%). Se fosse um país, o agronegócio brasileiro seria o oitavo maior poluidor do planeta, com emissões brutas de 1,6 bilhão de toneladas (acima do Japão, com 1,3 bilhão). Entre 1990 e 2016, o setor de uso da terra no Brasil emitiu mais de 50 bilhões de toneladas de CO2e, o equivalente a um ano de emissões mundiais.
“O descontrole do desmatamento, em especial na Amazônia, nos levou a emitir 218 milhões de toneladas de CO2 a mais em 2016 do que em 2015. É mais do que duas vezes o que a Bélgica emite por ano”, disse Ane Alencar, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e responsável pelos cálculos de emissões por mudança de uso da terra no SEEG.
“Isso é dramático, porque o desmatamento é em sua maior parte ilegal e não se reflete no PIB do país.”
Com efeito, a chamada intensidade de carbono da economia brasileira, ou seja, o total emitido por unidade de PIB gerada, cresceu 13% – na contramão da maior parte das grandes economias, em que a intensidade de carbono vem declinando. Em 2016 o Brasil emitiu 1,1 tCO2e para cada milhão de dólares de PIB (MUSD) enquanto a média global é de 0,7 tCO2e/MUSD. Para uma economia de baixo carbono em meados do século estima-se que este valor deveria ser inferior a 0,1.
No setor de energia, que antes da crise vinha crescendo rapidamente em emissões, a queda de 7,3% foi puxada pela retração da economia e pelo crescimento da participação das energias renováveis na matriz elétrica.
As emissões associadas à geração de eletricidade caíram 30% no ano passado. Isso se deveu à redução da participação das usinas termelétricas fósseis, cuja geração caiu 28% devido à recuperação parcial dos reservatórios das hidrelétricas – que aumentaram sua geração em 6% graças às chuvas no Centro-Sul em 2016 – e à desaceleração da economia. “Além disso, a geração por fontes renováveis não hídricas, principalmente eólica e biomassa, cresceu 19%”, afirmou Marcelo Cremer, pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente).
A maior parte das emissões do setor de energia – 48% – segue atrelada ao setor de transportes. Nos últimos três anos o consumo de combustível em veículos leves se manteve constante, mas em 2016 a gasolina aumentou 4% e o etanol caiu 10%. “A troca de etanol por gasolina tende a aumentar emissões, mas por outro lado, a redução no consumo de óleo diesel, querosene de aviação e óleo combustível, na esteira da crise, fez com que as emissões de transportes se mantivessem praticamente idênticas às de 2015”, concluiu Cremer.
No setor de resíduos, o que teve maior crescimento percentual desde 1970 (mais de 500%), a oscilação para baixo se deveu também à recessão. “Apesar do crescimento das emissões provenientes do tratamento de efluentes, o setor teve queda, relacionada à redução da geração de resíduos sólidos urbanos e à diminuição do envio do material coletado para aterros sanitários”, disse Igor Albuquerque Reis, do ICLEI-Governos Locais pela Sustentabilidade.
Segundo ele, a recessão que atingiu as prefeituras Brasil afora afetou as políticas municipais de eliminação dos lixões proposta pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Isso paradoxalmente reduz as emissões, já que os aterros sanitários, embora sejam a melhor destinação para o lixo, emitem mais metano (que, no entanto, pode ser usado para gerar energia e reduzir emissões).
A crise também é uma explicação, embora igualmente paradoxal, para o aumento das emissões no setor de agropecuária: os abates de bovinos recuaram pelo segundo ano consecutivo, devido principalmente a uma queda na demanda por carne em função da crise e competitividade das demais carnes, como a de porco (que tem tido abates recordes). “Atingimos uma população de bovinos de corte jamais vista”, diz Ciniro Costa Júnior, analista de Clima e Cadeias Agropecuárias do Imaflora. Só de gado de corte o Brasil tinha em 2016 mais de 198 milhões de cabeças, segundo dados do IBGE. Como bois e vacas emitem metano (o gás de efeito estufa mais importante depois do CO2) durante a digestão e pela degradação do esterco, menos gado sendo abatido significa mais bois no pasto e nos currais e mais emissões.
Além do aumento do rebanho, também contribuiu para o crescimento das emissões do setor – que foi o maior desde 2011 – um salto inédito no consumo de fertilizantes nitrogenados, que emitem óxido nitroso (N2O) um gás 265 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento global. Depois de uma queda de entre 2014 e 2015 ele cresceu 23% em 2016, algo nunca visto antes, o que levou a um aumento proporcional de aumento nas emissões dessa fonte.
O SEEG fez, ainda, pelo segundo ano consecutivo, uma estimativa das emissões e remoções pelo manejo dos solos agrícolas, que não são computadas no inventário nacional divulgado pelo governo. Solos degradados emitem CO2 e solos bem manejados, pelo contrário, removem CO2 da atmosfera. Entender e estimar essas emissões e remoções é fundamental para o cumprimento das metas do Brasil no Acordo de Paris, já que elas envolvem restaurar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas.
Se fossem contabilizadas, as variações de carbono no solo resultariam num aumento de 5% na emissão total do setor agropecuário, devido à grande quantidade de pastagens degradadas no país. “Nós temos mostrado que dá para fazer essa estimativa, e isso deveria estimular o governo a fazer também”, afirmou Costa Júnior.
A visão do OC:
O cenário atual acende uma luz amarela para o cumprimento da Política Nacional de Mudanças Climáticas. A lei estabelece que o Brasil precisa chegar a 2020 com emissões não superiores a 2,2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente – exatamente o que foi emitido em 2016. Se não reverter o desmatamento, o país pode não cumprir a meta caso as emissões dos outros setores retomem o ritmo de alta de antes da recessão, em especial o de energia.
“Nos últimos anos nós temos caminhado no sentido contrário à meta. Patinamos ao redor de 2 bilhões de toneladas por ano e agora saltamos para 2,2 bilhões”, disse André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário, membro da Rede de Especilistas em Conservação da Natureza e coordenador-geral do Observatório do Clima.
“Temos hoje a pior manchete climática do planeta: aumento de emissões em razão de desenfreada destruição florestal e totalmente dissociado da economia. Não vai adiantar o governo e os ruralistas dizerem lá fora que o agro é pop; não vão convencer a comunidade internacional e os mercados de que está tudo bem por aqui”, afirmou Carlos Rittl, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e secretário-executivo do OC. “O Brasil que chegará no mês que vem à COP23 já é um problema para os objetivos do Acordo de Paris.”
Se por um lado a atividade agropecuária lidera as emissões do Brasil, por outro lado pode estar aí a chave para a salvação da lavoura – e do clima.
“As emissões ligadas à atividade agropecuária quase sempre representaram 70% ou mais das emissões totais do Brasil. Mas elas podem chegar a zero com decisões nossas”, afirmou Tasso Azevedo, coordenador técnico do SEEG. Segundo ele, o país pode zerar o desmatamento e expandir a agricultura de baixo carbono a toda a agropecuária. Isso implica em um melhor ambiente para o agronegócio, mais renda para o produtor e menos risco de secas e queimadas. “O nosso maior desafio no combate à mudança climática é também a nossa maior oportunidade. Temos a felicidade de ser um país onde essas coisas coincidem.”
Bruto ou líquido?
Há duas maneiras de reportar os dados de emissão do país: pode-se falar em emissões brutas (ou seja, o total que efetivamente vai para a atmosfera como produto de ações humanas) ou líquidas, em que se subtrai dessa conta o carbono retirado da atmosfera por ações humanas como a restauração de florestas.
O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, autoriza os países a descontar de sua contabilidade as chamadas remoções antropogênicas. O Brasil faz isso, considerando “antropogênicas” as remoções de CO2 por unidades de conservação e terras indígenas. Estima-se um fator de remoção e multiplica-se esse fator pela área florestal em TIs e UCs. O resultado é uma “deflação” que pode chegar a centenas de milhões de toneladas de CO2 equivalente nos inventários nacionais de emissão.
Os técnicos do SEEG consideram essa contabilidade problemática, já que não há nenhuma garantia de que as florestas nessas áreas protegidas, em sua maioria florestas tropicais maduras, estejam de fato removendo carbono nessa quantidade. Por exemplo, o fator de remoção usado no Terceiro Inventário Nacional, de 2016, difere do do segundo, de 2010, o que torna as remoções do Segundo Inventário quase três vezes maiores.
Por essa razão, o OC prefere apresentar os dados do SEEG em remoções brutas, embora, por transparência e comparabilidade, sempre publique também as emissões líquidas.
A tabela mostra as emissões brutas e líquidas entre 2011 e 2016.
Por que os dados do Seeg mudaram?
Em 2017, toda a série histórica do SEEE foi ajustada, por isso os números de 2015 e dos anos anteriores não são os mesmos que divulgamos no ano passado. Mas calma, a gente explica: o que aconteceu foi que o SEEG usou uma metodologia mais atual para fazer as contas.
Contabilidades nacionais de emissão são baseadas nas diretrizes do IPCC. De tempos em tempos, sempre que publica um relatório de avaliação novo, o IPCC aprimora essas diretrizes, para refletir melhor o conhecimento científico. Por exemplo, os fatores usados para calcular quanto uma determinada atividade (a queima de cimento, por exemplo) emite mudam, assim como os potenciais de aquecimento global dos vários gases de efeito estufa.
O Terceiro Inventário Nacional de emissões de gases de efeito estufa usa as diretrizes publicadas pelo IPCC em seu Segundo Relatório de Avaliação (SAR, ou AR2), de 1995. A União Europeia também usa o AR2.
No entanto, a NDC, a meta brasileira no Acordo de Paris, foi desenhada usando os fatores de emissão do relatório mais recente do IPCC, o AR5, de 2013. Para permitir o melhor acompanhamento da política pública, o SEEG converteu toda a série de dados para AR5. Mas na plataforma também é possível acessar os dados na “linguagem” antiga.
O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O Decreto 7.390/2010, que regulamenta a PNMC, estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, nunca produziu essas estimativas. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos, portanto não conseguem captar as dinâmicas de curto prazo da economia, o que é necessário para a implementação de políticas públicas.
O SEEG foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje em sua quinta coleção, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases-estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos) de 1970 a 2016 – exceto o setor de Mudaça de Uso da Terra, que não tem dados anteriores a 1990.
As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Todos os dados do SEEG são disponibilizados em plataforma digital, onde pode-se consultar os dados diretamente, assim como também obter por download a base de dados completa, com mais de 3,3 milhões de registros, já preparada para consultas com tabelas dinâmicas. Os principais de dados de atividade utilizado nos cálculos também são disponibilizados através da plataforma onde também é possível acessar infográficos sobre as emissões de cada setor, notas metodológicas que explicam detalhadamente como o levantamento e produção de dados são realizados e uma avaliação da qualidade dos dados.
A partir de 2014 o SEEG passou a ser adotado por coletivos de outros países. O primeiro SEEG implementado fora do Brasil foi o Peru e o segundo na Índia. Para acessar o SEEG Global, clique aqui.
Atuaram no SEEG 5 pesquisadores das ONGs Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e Resíduos (ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade).
Figura
1: Emissões brutas de GEE do Brasil, 1990-2016 (em tCO2e)
Figura 2: Evolução das emissões brutas e líquidas de GEE, 1990-2016 (mtCO2e) FIGURA 2: Evolução das emissões brutas e líquidas de GEE, 1990-2016 (mtCO2e)
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Emissões nacionais de gases de efeito estufa subiram 8,9% em 2016 em comparação com 2015 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU