30 Agosto 2017
Diante da repercussão negativa causada pelo decreto que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), localizada entre o Pará e o Amapá, na Amazônia, o governo Michel Temer revogou o texto e editou um novo decreto na noite desta segunda-feira 28, em edição extra do Diário Oficial da União.
(Foto: Agência Pará)
A reportagem é de Débora Melo e publicada por CartaCapital, 29-08-2017.
A nova redação mantém, contudo, a extinção da Renca, abrindo o território a empresas mineradoras interessadas na exploração de ouro, ferro, manganês e tântalo, o que aumenta a pressão sobre as nove unidades de proteção que se sobrepõem à reserva, incluindo duas terras indígenas. Ao detalhar regras de exploração que já estavam previstas na legislação brasileira, o novo texto não protege a região, diz o pesquisador Luiz Jardim, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e integrante do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
“O governo se viu impelido a dar uma resposta à sociedade, e a resposta que deu foi a de que cumprirá a lei, de que a exploração em terra indígena e unidade de conservação seguirá as leis”, diz Jardim. “O decreto não cria condições mais restritivas àquelas áreas, não há avanços nesse sentido. Apenas assegura a proteção ambiental onde a lei já assegura.”
“Nós interpretamos este decreto como uma indicação política ao mercado. É o governo dizendo que vai tirar qualquer tipo de barreira que impeça o investimento da mineração na região”, continua o pesquisador.
Mesmo entendimento tem o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), coautor de um projeto de decreto legislativo e de ações na Justiça que pretendem sustar os efeitos da medida. Para o senador, a extinção da Renca é “a maior catástrofe de todos os tempos para a Amazônia”.
“O novo decreto mantém a extinção da reserva, que é o que protege toda a região. Quiseram dar uma suavizada, mas o novo texto torna ainda mais explícita a agressão, porque deixa claro que as unidades de conservação poderão ser alvo de atividade mineradora se isso estiver previsto no plano de manejo. Mas isso já está na lei, não precisa de decreto”, disse o senador.
“É uma tentativa de enganar a sociedade brasileira e a comunidade internacional, que estavam se mobilizando, e atrasar ações judiciais em curso”, completou Rodrigues, que está à frente de um "ato mundial" em defesa da Amazônia, marcado para o próximo sábado.
Com quase 47 mil quilômetros quadrados, a Renca possui área equivalente à do Estado do Espírito Santo e foi criada em 1984 por João Figueiredo, último governante da ditadura civil-militar, para evitar a perda de recursos com a expansão de projetos industriais na Amazônia. Até então, apenas a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), estatal ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME), estava autorizada a pesquisar e explorar as jazidas da Renca.
A riqueza da biodiversidade da região acabou levando, contudo, à criação de noves áreas de proteção dentro do quadrilátero da Renca, sendo sete Unidades de Conservação (UCs) e duas terras indígenas.
Embora não tenha sido criada com o objetivo de preservar o meio ambiente, o monopólio de exploração concedido à administração federal contribuiu para reduzir a pressão e o interesse sobre as unidades de proteção. Além disso, os projetos de exploração e pesquisa pouco avançaram nesses mais de 30 anos, e o real potencial mineral da área é uma incógnita, dizem os pesquisadores.
Das UCs que compõem o quadrilátero da Renca, três são unidades de proteção integral (Estação Ecológica do Jari, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Reserva Biológica de Maicuru) e quatro são unidades de uso sustentável (Reserva Extrativista Rio Cajari, Floresta Estadual do Paru, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e Floresta Estadual do Amapá). Há, ainda, as terras indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este.
As nove unidades continuam a existir, pelo menos por enquanto. Ambientalistas e defensores dos povos indígenas temem que o próximo passo do governo seja flexibilizar o status das áreas protegidas.
“Para que um grande empreendimento seja viável na região, eu não vejo outra possibilidade a não ser a redução das áreas protegidas ou a mudança de categoria, de proteção integral para uso sustentável, que permite a mineração”, afirma o antropólogo Luís Donisete, coordenador-executivo do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). "Está claro que o governo seguirá com a exploração de recursos naturais como estratégia de desenvolvimento. Uma lástima."
Segundo Donisete, a recente revogação da portaria de demarcação da terra indígena guarani no Pico do Jaraguá, em São Paulo, representa um “precedente” aberto pelo governo Temer em sua ofensiva. “É uma vergonha. Claramente o governo não está a favor do meio ambiente, não está a favor dos índios e não está a favor da manutenção da floresta Amazônica.”
Na tentativa de conferir um verniz democrático à medida, o novo decreto prevê a criação do Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca. “Mas nesse comitê não há qualquer representante da sociedade civil, dos indígenas ou das comunidades atingidas. É um comitê formado por órgãos públicos, que não avança no sentido de democratizar o debate”, critica o geógrafo Jardim.
Além de ameaça à preservação ambiental, alguns consideram que o decreto coloca em risco a soberania nacional. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) apresentou à Procuradoria-Geral da República uma representação por crime de responsabilidade e improbidade administrativa contra Temer e o ministro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sergio Westphalen Etchegoyen.
A iniciativa do governo faz parte do Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, pacote que inclui a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) e que foi recebido com receio por ambientalistas. A instalação de empreendimentos de grande porte no local, um dos maiores blocos de floresta úmida primária do mundo, pode transformar completamente o ecossistema e a dinâmica territorial da região, com a posterior instalação de madeireiras e abertura de rodovias.
Em um primeiro momento, porém, o temor é de que a extinção da Renca e a intensa exposição do tema na mídia estimulem uma corrida de garimpeiros para a região.
“Em um momento de crise econômica, um anúncio desse tipo se torna um chamariz. Há o risco de uma explosão demográfica na região, com fluxo de garimpeiros, o que implica também desmatamento e perda de biodiversidade. Tudo isso ameaça os povos da região, que só foram contatados a partir da década de 1950 e que vivem, ainda, com seus modos de vida tradicionais e com uma relação muito íntima com a floresta”, afirma o antropólogo Donisete.
Um dos argumentos do governo para extinguir a Renca é justamente a existência de garimpos ilegais no entorno da reserva. "A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos de água com mercúrio”, disse Temer em nota divulgada na semana passada, após a repercussão negativa do primeiro decreto.
O geógrafo Luiz Jardim afirma que a chegada de empresas autorizadas, no entanto, não inibe a atuação de garimpeiros. Entre as medidas para solucionar o problema, diz ele, deveriam estar a fiscalização e a regularização de garimpos ilegais. “No Brasil nós temos vários casos de mineradoras funcionando lado a lado de garimpos. A empresa entra na área que lhe interessa, e as demais áreas continuam com o garimpo. Isso acontece no Tapajós, por exemplo, o garimpo não acabou com a chegada da mineração.”
O novo texto diz, ainda, que "fica proibida a concessão de títulos de direito minerário a pessoa que comprovadamente tenha participado de exploração ilegal na área da extinta Renca", o que por si só já impede qualquer possibilidade de regularização aos garimpeiros.
O governo também afirma que, com a abertura da Renca, pretende estimular o desenvolvimento econômico de uma região inóspita do País. Para o senador João Capiberibe (PSB-AP), que com outros seis senadores assina o projeto de decreto legislativo proposto por Randolfe Rodrigues, a medida do governo Temer representa uma “tragédia ambiental” sem precedentes e sequer será capaz de levar desenvolvimento à região.
“A experiência que nós temos com mineração no Amapá é muito negativa. Após a exploração de manganês na Serra do Navio [município do Estado], o que restou foi uma cidade fantasma, abandonada, destruição ambiental e pobreza social. Esse é o resultado da mineração na Amazônia.”
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Novo decreto de Temer não afasta ameaça à Amazônia, dizem especialistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU