11 Agosto 2017
Francisco traz um novo estilo no diálogo inter-religioso, “antecipado por alguns santos e testemunhas que souberam fazer prevalecer a caridade sobre as atitudes anteriores de ódio e de rivalidade”.
A opinião é do teólogo italiano Elio Guerriero, ex-diretor da edição italiana da revista Communio, em artigo publicado por Avvenire, 09-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante a viagem ao Egito de 28 de abril de 2017, falando na prestigiada Universidade de Al-Azhar, no Cairo, o Papa Francisco declarava: “No campo do diálogo, especialmente inter-religioso, somos sempre chamados a caminhar juntos, na convicção de que o futuro de todos depende também do encontro entre as religiões e as culturas”. Realmente, um novo estilo antecipado por alguns santos e testemunhas que souberam fazer prevalecer a caridade sobre as atitudes anteriores de ódio e de rivalidade.
Permanecendo no Egito, os encontros de paz tiveram um prólogo em 1219, quando São Francisco se apresentou ao sultão Al-Kamil com sentimentos de amor universal.
Em tempos mais próximos de nós, foi o Bem-aventurado Charles de Foucauld (1858-1916) que se fez intérprete de uma atitude de respeito e de simpatia para com a religião islâmica. Tendo ficado órfão cedo, foi criado por um avô coronel do exército, que, por sua vez, iniciou-o na carreira militar. Nos anos juvenis, no entanto, levou uma vida de ócio e transgressões, até ser expulso do exército.
Então, fez algumas viagens de exploração no Marrocos, que lhe valeram importantes reconhecimentos no campo geográfico. Enquanto isso, algo nele estava mudando.
Ressurgiam as suas recordações de infância, junto com as dos muçulmanos em oração. Relatou em uma carta ao amigo Henri de Castries: “Assim que eu acreditei que havia um Deus, entendi que não podia viver senão para ele: a minha vocação religiosa nasceu no mesmo momento em que nascia a minha fé: Deus é grande...”.
Então, ele entrou na trapa de Nossa Senhora das Neves e fez os votos monásticos. Depois, partiu para a Terra Santa, onde tentou imitar a vida pobre vida dos anos ocultos de Jesus. Em seguida, pediu para se tornar sacerdote para poder se dirigir às margens do deserto do Saara, no oásis de Béni-Abbes e celebrar em solidão o sacrifício da salvação para elevar a hóstia no deserto, adorar o Senhor que está escondido nela e, assim, levá-lo ao próximo. Foi morto no dia 1º de dezembro de 1916 por um grupo de tuaregues em revolta.
O século XX traz sobre si a vergonha do massacre dos judeus. Na escuridão dessa história absurda, emergem as figuras de algumas testemunhas do Evangelho que prestaram ajuda e levantaram a sua voz de protesto, até mesmo ao preço da vida. Nesse contexto de diálogo ecumênico e inter-religioso, merece ser lembrada a figura da santa ortodoxa mat’ Marija Skobcova.
Nascida na Rússia de uma família nobre em 1891, Elizaveta Pilenko viveu de perto o fim da dinastia dos czares, os anos duros da Revolução Soviética, a fuga da pátria-mãe e o desembarque em Paris. Casada duas vezes, teve três filhos, mas, no Instituto de Teologia Ortodoxa de São Sérgio, encontrou-se com personalidades extraordinárias.
Assim, amadureceu uma nova vocação, a de se tornar monja no meio do mundo. Era uma situação excepcional também para a Igreja Ortodoxa, mas o metropolita Evlogij, grande personalidade do cristianismo russo da emigração, acolheu esse seu desejo. Disse-lhe no momento da tonsura monástica: “Há mais amor, mais humildade e necessidade em permanecer nas retaguardas do mundo, respirando o seu ar viciado”.
Por sua parte, a Madre Maria, especialmente depois da morte das duas filhas naturais, quis se tornar uma mãe universal. No início, dedicou-se a recolher os mais pobres entre os migrantes russos. Depois, estendeu a sua ação aos judeus perseguidos. Em particular, em julho de 1942, dirigiu-se ao Velódromo de Inverno, onde eram recolhidas as crianças judias destinadas ao campo de concentração. Com a sua prontidão de espírito, conseguir fazer com que um certo número fugisse, mas assim assinou a sua condenação. Estava perto dela o único filho vivo, Jura, que foi preso e deportado antes mesmo da mãe.
Presa por sua vez, a Madre Maria foi deportada par ao campo de Ravensbrück, onde morreu no dia 31 de janeiro de 1945. Justa das Nações, foi canonizada junto com o filho no dia 6 de janeiro de 2004, tornando-se, assim, exemplo extraordinário do ecumenismo cristão e do diálogo entre as religiões.
Dirigindo-se em peregrinação ao túmulo do Pe. Lorenzo Milani, o Papa Francisco falou das “figuras mais altas do catolicismo florentino (...) sob o paterno ministério do cardeal Elia Dalla Costa”, que ele mesmo, no mês anterior, havia declarado venerável.
Nascido em 1872 na província de Vicenza, o cardeal Dalla Costa unia uma profunda piedade pessoal a uma forte sensibilidade pastoral. Bispo de Pádua de 1923 a 1931, foi posteriormente nomeado cardeal de Florença, onde permaneceu até 1961.
Na capital toscana, ele logo se distinguiu pelo cuidado nas visitas pastorais e pela atenção à vida espiritual dos sacerdotes, aos quais recomendava pobreza, paciência, humildade e obediência. Em 1938, publicou uma famosa nota pastoral, na qual se distanciava das leis raciais contra os judeus. Posteriormente, favoreceu a ajuda concreta em favor dos judeus.
Por causa dessa sua obra, Dalla Costa foi reconhecido como Justo das Nações. Amigo do patriarca Roncalli, favoreceu a sua eleição a pontífice e defendeu a sua iniciativa conciliar. Passou os últimos anos de vida no silêncio e na oração, no amor cada vez mais vivo por Jesus.
Voltando ao diálogo com o Islã, tornou-se famoso o testemunho dos monges trapistas de Tibhirine, na costa atlântica da Argélia. Liderados pelo prior padre Christian de Chergé, os monges levavam uma vida de oração e, ao mesmo tempo, de testemunho cristão em um país muçulmano.
As relações com os habitantes do lugar, durante muito tempo pacíficas e respeitosas, tornaram-se tensas de repente, após a guerra civil que abalou Argélia. Os monges trapistas sabiam que estavam em perigo, mas decidiram permanecer no país que os acolhera, em solidariedade com as muitas vítimas inocentes da violência.
O padre Chergé escreveu naquele que é considerada o testamento dos trapistas de Tibhirine: “Se me acontecesse um dia (e poderia ser hoje) de ser vítima do terrorismo que parece querer envolver agora todos os estrangeiros que vivem na Argélia, eu gostaria que a minha comunidade, a minha Igreja, a minha família se lembrassem de que a minha vida foi dada a Deus e a este país (...) Que eles soubessem associar esta morte a tantas outras igualmente violentas, deixadas na indiferença e no anonimato”.
Como previra o Pe. Christian, sete monges, incluindo o próprio prior, foram tomados como reféns na noite entre 26 e 27 de março de 1996. Os seus corpos martirizados foram encontrados depois de cerca de dois meses.
A morte dos monges de Tibhirine provocou muita repercussão no Ocidente. O diretor Xavier Beauvois reconstruiu a sua história no filme “Homens e deuses”, vencedor do prêmio especial da crítica no Festival de Cannes de 2012.
Mas é importante ressaltar que os monges estavam muito longe de buscar a notoriedade e, sobretudo, não desejavam despertar sentimentos contrários ao Islã. Eles queriam, ao contrário, destacar os elementos que podem favorecer um encontro de fraternidade entre as religiões.
Deslocando-nos para o Oriente, Shahbaz Bhatti (1968-2011) era ministro para as Minorias Religiosas no Paquistão. Conhecido pelo seu compromisso em favor das minorias religiosas no seu país, ele se definia como um homem que tinha destruído os seus navios, que, portanto, não podia renunciar ao seu compromisso.
Ele havia escrito em um texto de autoapresentação: “Quero que a minha vida, o meu caráter, as minhas ações falem por mim e digam que estou seguindo Jesus Cristo. Esse desejo é tão forte em mim que me consideraria privilegiado se – nesse meu esforço batalhador de ajudar os necessitados, os pobres, os cristãos perseguidos do Paquistão – Jesus quisesse aceitar o sacrifício da minha vida...”. O desejo de Bhatti foi acolhido no mistério da vontade de Deus, e ele foi morto no dia 2 de março de 2011.
Ele tinha escrito ainda: “Acredito que os cristãos do mundo que estenderam uma mão aos islâmicos por ocasião do terremoto de 2005 construíram pontes de solidariedade, de amor, de compreensão, de cooperação e de tolerância entre as duas religiões. Se tais esforços continuarem, estou convencido de que conseguirem vencer os corações e as mentes dos extremistas. Isso produzirá uma mudança positiva: as pessoas não se odiarão, não matarão em nome da religião, mas se amarão umas às outras, trarão harmonia, cultivarão a paz e a compreensão nesta região”.
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Religiões unidas pelo amor: o abraço na diferença. Artigo de Elio Guerriero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU