03 Agosto 2017
Cáucaso, América do Sul... Ao contrário do seu predecessor, o Sumo Pontífice imiscui-se nos assuntos terrestres. E afirma sua determinação de colocar em evidência os pobres e desfavorecidos do mundo.
A reportagem é de Bernadette Sauvaget, publicada por Libération, 01-08-2017. A tradução é de André Langer.
São 17h10 do dia 02 de junho. O presidente Emmanuel Macron tem uma conversa por telefone marcada com o Papa Francisco. É a primeira vez que eles se falam. O encontro foi rapidamente providenciado após a divulgação, por parte do presidente americano Donald Trump, de sua intenção de retirar o país do acordo de Paris. Para o chefe do Estado francês, o timing é apertado. Ele deve retornar do Centro Nacional de Estudos Espaciais (CNES) onde conversou, por videoconferência, com o astronauta Thomas Pesquet, que tinha acabado de voltar do espaço. Macron chega a tempo. A conversa é breve, cerca de 10 minutos. “O objetivo era contar com o apoio do papa para evitar que outros países acompanhassem o exemplo dos Estados Unidos e também quisessem se retirar do acordo de Paris”, explica uma fonte diplomática.
O telefonema assinala a influência diplomática reconhecida a Francisco. “O papa é, de certa forma, o capelão dos chefes de Estado”, brinca um diplomata em Roma. Veterano na cúria romana, o uruguaio Guzmán Carriquiry confirma o peso político do pontífice: “Todos os chefes de Estado latino-americanos vieram vê-lo aqui, em Roma, alguns inclusive quatro ou cinco vezes”. Sentado no pequeno salão adjacente ao seu escritório, via della Conciliazione, a algumas centenas de metros do Vaticano, Guzmán Carriquiry sabe do que está falando. Vice-presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, ele é um dos homens de confiança do Papa Francisco, seu amigo há 40 anos. E Francisco o consulta quase diariamente.
Com Jorge Mario Bergoglio, a Igreja católica restabeleceu a figura do papa político, ao contrário do seu predecessor, Bento XVI, preocupado principalmente com a teologia e a arrumação de sua instituição. “A Santa Sé passou a ter, novamente, um peso geopolítico, como nos tempos do Pontificado de João Paulo II”, analisa Andrea Tornielli, responsável pelo Vatican Insider, o sítio de notícias de referência sobre o papado. “A grande paixão de Bergoglio sempre foi a política”, descreve um dos seus antigos colaboradores em Buenos Aires. Em seu escritório de arcebispo, de frente para a Praça de Maio, centro nevrálgico do poder na Argentina, ele tinha o costume de receber sindicalistas e políticos, exercendo uma influência oculta que irritava, e muitas vezes inquietava, o poder constituído. Hoje, em Roma, de sua janela do Vaticano, ele se dirige para o mundo inteiro.
Nos últimos quatro anos, Francisco mudou o centro de gravidade do catolicismo, inclusive para além da geopolítica da Igreja. “Ele tirou o Vaticano da época da guerra fria”, analisa o vaticanista Iacopo Scaramuzzi. Para João Paulo II e Bento XVI, o futuro do cristianismo se jogava fundamentalmente em solo europeu. Esse não é mais o caso. Francisco tem inclusive um olhar muito crítico em relação a isso. No dia 25 de novembro de 2014, no Conselho da Europa, o papa perguntava: “À Europa, podemos perguntar: onde está o teu vigor? Onde está aquela tensão ideal que animou e fez grande a tua história? Onde está o teu espírito de curiosidade e empreendimento? Onde está a tua sede de verdade, que comunicaste com paixão ao mundo até agora? Da resposta a estas perguntas dependerá o futuro do continente”. Para o jesuíta argentino, a Europa traiu os seus valores. “Isso provocou um conflito, destaca uma fonte diplomática europeia em Roma. Depois, o pontífice argentino tentou corrigir o tiro”. Sem ser muito convincente. “É um desafio para ele ir agora ao centro da Europa”, reconhece Guzmán Carriquiry. Até agora, em suas viagens, o chefe da Igreja católica evitou cuidadosamente os grandes países, preferindo a Albânia, o Cáucaso ou... a Suécia.
Francisco impõe sua visão de mundo com os olhos fitos no Sul. E, de modo especial, na América Latina. “Ele tem sua rede e pode tomar diretamente seu telefone para falar com este ou aquele chefe de Estado”, revela um jesuíta francês. Esta atração se deve não apenas às origens do papa. Agora, o continente latino-americano é estratégico para o cristianismo. “Mais de 40% dos católicos vivem na América Latina”, indica Guzmán Carriquiry. E isso mesmo se a concorrência com os movimentos protestantes evangélicos é cada vez mais acirrada. Com esses, Francisco evita um confronto direto, mantendo boas relações com alguns de seus movimentos, os mais progressistas.
Para garantir uma influência, o atual papa “profissionalizou” a diplomacia vaticana, sem herdeiros sob Bento XVI. Ele confiou as chaves ao italiano Pietro Parolin, ex-núncio (embaixador) na Venezuela. Saudado por seus pares como um grande diplomata, Parolin, que exerce sua função de secretário de Estado (o equivalente ao primeiro-ministro), é um dos homens mais influentes do pontificado de Francisco. “Graças a ele, o papa pode se apoiar sobre aquilo que se chama em Roma de partido dos núncios”, explica Iacopo Scaramuzzi. É a esse amplo raio de influências do Vaticano, que sempre se opôs às sanções impostas a Havana, que se deve um dos seus sucessos diplomáticos: o restabelecimento das relações entre os Estados Unidos e Cuba. Em 2014, o papa intermediou pessoalmente as relações entre Barack Obama e Raúl Castro e o Vaticano abrigou as negociações discretas entre os dois países. A América Latina afirma-se, sem dúvida, como uma prioridade no momento. Em setembro, o líder da Igreja católica estará na Colômbia para apoiar o acordo de paz entre o governo e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
“Francisco é, em primeiro lugar, o papa das periferias. Isso é fundamental para compreender sua visão de mundo, explica a argentina Silvina Perez, responsável pela edição espanhola do L’Osservatore Romano, o jornal do Vaticano. Essas periferias são tanto geográficas como sociais”. Um dos leitmotiv de Bergoglio (antes mesmo de ser eleito papa) sempre foi dizer que só podemos compreender a realidade saindo do centro. Para apreender Buenos Aires (sua cidade), ele tinha que observá-la a partir das “villa miseria”, das suas grandes favelas. Não muito tempo depois da sua eleição como papa, o jesuíta argentino reservou sua primeira visita à Ilha de Lampedusa, símbolo, para ele, daquilo que não parou de denunciar como a “globalização da indiferença”. As periferias “bergoglianas” são os migrantes, as vítimas da mudança climática, os pobres esmagados pela financeirização da economia... e os pequenos países, que ele visita prioritariamente.
Para a sua primeira viagem à Ásia, em agosto de 2014, ele pegou todo o mundo de surpresa ao escolher como destino a Coreia do Sul. O país foi uma das terras de conquista do pentecostalismo (o movimento mais dinâmico e mais controverso do protestantismo evangélico) durante a guerra fria. Este não é mais o caso, pois o budismo e catolicismo estão novamente se recuperando. Em setembro de 2014, o papa surpreende mais ainda e se desloca à extrema periferia da Europa, a Albânia, um dos países mais pobres do continente. Esta geopolítica é alimentada teologicamente por uma teologia vinda da América Latina e por teólogos da libertação, que promovem aquilo que se chamou, na década de 1970, de “opção preferencial pelos pobres”. Para o jesuíta argentino, isso vale a fúria dos círculos de conservadores católicos americanos, que veem nele uma espécie de criptomarxista. “No pensamento de Bergoglio nisso não há nada de contrário à doutrina social da Igreja”, corrige Andrea Tornielli.
Este não é o único conflito que o Papa Francisco tem com os círculos cristãos radicais, adeptos do choque de civilizações, que instrumentalizam a questão dos cristãos do Oriente, apoiados em sua retórica do combate entre o bem e o mal. Com o Islã, o líder da Igreja católica aposta, pelo contrário, no diálogo, refuta a ideia de guerra religiosa e uma visão binária de mundo. Em abril, o Papa Francisco selou a reconciliação com as autoridades muçulmanas, ao ir para o Egito e visitar a Al-Azhar, uma das grandes instituições do islamismo sunita, que tinha rompido relações com a Igreja católica no pontificado de Bento XVI.
Em um recente artigo, a revista jesuíta italiana La Civiltà Cattolica denunciava uma aliança “entre os fundamentalistas evangélicos e os integristas católicos, unidos pelo mesmo desejo de influência religiosa na esfera política”. O artigo é assinado por duas personalidades muito próximas ao papa, o jesuíta italiano Antonio Spadaro (diretor da revista) e o pastor evangélico argentino Marcelo Figueroa, e interpretado pelos especialistas como um canal oficioso para fazer passar sua mensagem papal.
Claramente, Francisco condena uma visão teológico-política do mundo e dos conflitos em andamento, promovida pela direita radical religiosa, influente junto ao presidente americano (ela já o foi na época dos seus predecessores, George W. Bush e Ronald Reagan). Para os autores do artigo, a chave para a compreensão da atual diplomacia vaticana é “estabelecer relações diretas e fluidas com as superpotências sem entrar nas redes de alianças ou de influências já constituídas”. Por enquanto, é, certamente, uma das urgências do Papa Francisco.
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Francisco, um papa ativo no mundo inteiro, segundo o jornal Libération - Instituto Humanitas Unisinos - IHU