14 Junho 2017
A palavra “peregrinação” normalmente evoca imagens de lugares distantes, exóticos, mas para 100 católicos gays e lésbicas, e seus familiares, uma peregrinação à Catedral Basílica do Sagrado Coração, em Nova Jersey, recentemente significou mais do que um simples regresso à casa.
A reportagem é de Sharon Ottermanjune, publicada por The New York Times, 13-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As portas da catedral foram abertas a eles, e foram também recebidos pessoalmente pelo chefe da Arquidiocese de Newark, o cardeal-arcebispo Joseph W. Tobin. Eles se sentaram em cadeiras dobráveis no centro da catedral, em frente ao altar no imponente santuário, sob o brilho azulado de vitrais.
“Sou Joseph, um irmão de vocês”, disse Tobin ao grupo, que incluía gays, lésbicas, bissexuais e transexuais da região de Nova York e outras cinco dioceses de Nova Jersey. “Sou um irmão de vocês, um discípulo de Jesus. Sou um irmão, um pecador que encontra misericórdia no Senhor”.
A acolhida, nos EUA, de um grupo de pessoas abertamente gays em uma missa conduzida por um cardeal na Igreja Católica Apostólica Romana seria impensável cinco anos atrás. Mas o Cardeal Tobin, nomeado por Francisco em 2016 para a Arquidiocese de Newark, faz parte de um pequeno porém crescente grupo de prelados que têm transformado a maneira como a Igreja americana se relaciona com os seus fiéis homoafetivos. Eles vêm buscando atitudes mais inclusivas, ao mesmo tempo assinalando aos padres subordinados que eles também deveriam fazer o mesmo.
“A palavra que emprego é ‘acolhimento’”, disse Tobin em entrevista logo depois da missa, ocorrida no mês passado. “São pessoas que não vêm se sentindo acolhidas na Igreja. Rezo para que elas se sintam bem-vindas aqui. Hoje, na Igreja Católica, lemos uma passagem que diz que precisamos ter esperança. Rezei para que esta peregrinação seja um motivo de esperança, para estas pessoas e para toda a Igreja”.
Há quatro anos, o Papa Francisco surpreendia o mundo católico com um comentário sobre os padres gays que buscavam o Senhor: “Quem sou eu para julgar?”, disse. Porém não ficou claro como estas palavras influenciariam os católicos que buscam aceitação nos bancos das igrejas e catedrais.
Afinal, em seu catecismo a Igreja ensina que os atos homossexuais são “intrinsecamente desordenados”. Os homens que “apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay” não devem ser aceitos ao sacerdócio, segundo as instruções vaticanas reafirmadas em 2016. Os bispos católicos nos EUA vêm fortemente fazendo oposição ao casamento homoafetivo. Em todo o país, mais de 100 funcionários de instituições católicas foram demitidos nos últimos três anos por serem gays ou por se casarem com um cônjuge do mesmo sexo, de acordo com Marianne Duddy-Burke, diretora executiva da DignityUSA, organização de católicos pró-LGBT.
Mas gestos como os de Tobin são provas de que as palavras do Papa Francisco estão gerando impactos positivos. Hoje, os bispos têm podem se voltar para áreas mais inclusivas presentes no catecismo relativas aos homossexuais, tais como o pedido para acolhê-los com “respeito, compaixão e delicadeza”. Eles podem seguir o princípio do acompanhamento, isto é, encontrar as pessoas onde se encontram espiritualmente e construir relações que as ajudem a aprofundar suas fés.
“É o começo de um diálogo”, disse Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, grupo voltado à comunidade católica LGBT. “Nos últimos 40 anos, as lideranças eclesiásticas estiveram tão silentes, sem disposição para o diálogo, sem disposição para rezar com os católicos LGBTs, que, muito embora este não seja o passo ulterior, já é um primeiro passo à frente”, disse ele sobre a acolhida proporcionada pelo Cardeal Tobin.
No entanto, católicos conservadores mostraram cautela diante de gestos como este. O problema, dizem, não é a ideia de acolher estas pessoas – afinal de contas, Jesus acolhia a todos e todas. O problema, dizem, é que a acolhida pública de um tal grupo pode ser interpretada como uma aceitação da Igreja para com o estilo de vida homossexual, o que o magistério católico não aprova.
“Todos são bem-vindos na Igreja, mas ninguém é aceito como é”, disse o Rev. Robert Gahl, professor de ética da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma. “Embora tenha ficado feliz que eles foram à missa na catedral, espero que o Cardeal Tobin tenha desafiado estas pessoas, como deve fazer todo o bom pastor. Espero que ele tenha desafiado elas a viverem de acordo com os ensinamentos de Jesus”.
Em entrevista na semana passada, no entanto, Tobin disse que juntar a sua acolhida com uma crítica não seria exatamente uma acolhida, afinal de contas.
“Seria uma falta de sensibilidade”, disse. “Foi certo receber as pessoas para orarmos juntos e depois conversar”.
Como um exemplo do que pode resultar este simples ato de acolhida, o cardeal falou que, depois da missa, recebeu inúmeras mensagens de ódio visceral por parte de companheiros católicos. Um grupo até organizou uma campanha para escrever uma carta aos demais bispos e pedir que eles corrigissem Tobin.
“Há muita coisa a corrigir em mim, sem dúvida”, continuou o cardeal. “Mas não no fato de eu acolher as pessoas. Isso não”.
Há décadas, paróquias espalhadas pelo país têm ministérios dedicados ao trabalho com os fiéis gays e lésbicas. Porém, forças mais tradicionais prevaleceram na hierarquia da Igreja, orientados por uma carta, de 1986, escrita pelo Cardeal Joseph Ratzinger, que viria a ser o Papa Bento XVI. Esta carta advertia contra toda e qualquer aceitação da homossexualidade.
A comunidade LGBT católica passou a fazer parte dos grupos mais marginalizados na instituição. Depois do ataque com armas de fogo a uma danceteria em Orlando, na Flórida, em junho passado, por exemplo, apenas alguns bispos americanos publicaram notas em apoio à comunidade LGBT, que era o alvo dos assassinos.
O padre James Martin, padre jesuíta e escritor, disse que considera “relevador” o silêncio dos bispos americanos sobre o tema. Martin escreveu um livro onde propõe passos a serem dados para superação desta situação. A obra foi lançada na terça-feira dessa semana sob o título: “Building a Bridge: How the Catholic Church and the L.G.B.T. Community Can Enter Into a Relationship of Respect, Compassion and Sensitivity” (Construindo uma ponte: como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem entrar numa relação de respeito, compaixão e delicadeza).
Nele, Martin convida as lideranças eclesiásticas a demonstrar respeito ao empregar termos como “gay” e “LGBT”, em vez de frases como “afligido pela atração ao mesmo sexo”. Ele também sustenta que esperar um estilo de vida sem pecado por parte dos católicos gays, mas não de outros grupos, é uma forma de “discriminação injusta” e que os gays não devem ser demitidos por se casar com cônjuges homoafetivos.
“Todo o estilo de vida é pecador”, afirma o Pe. Martin. “A menos que a Virgem Maria apareça na fila da Comunhão, não há ninguém sem pecado em nossa Igreja”.
Nos EUA, temos visto exemplos de abertura [à comunidade católica LGBT] que não eram possíveis sob o comando dos papas anteriores, disse DeBernardo.
No mês passado, a Diocese de Jefferson City, no Missouri, por exemplo, afirmou que iria permitir alunos transexuais em suas escolas. Em outubro, Dom Robert McElroy, de San Diego, realizou um Sínodo Diocesano sobre a família, onde se propôs melhorar o trabalho ministerial junto aos fiéis gays e lésbicas. Num congresso nacional organizado pelo New Ways Ministry em abril, Dom John Stowe, de Lexington, no estado de Kentucky, disse admirar as pessoas LGBTs que permanecem firmes na Igreja, muito embora a Igreja nem sempre foi acolhedora para com elas.
Tanto o Cardeal Tobin quanto o Cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, Família e Vida, prelado nomeado por Francisco, escreveram resenhas positivas do livro de Martin. Farrell, que antes era bispo de Dallas, disse achar que a obra vai “ajudar os católicos LGBTs se sentir mais em casa naquela que é, afinal de contas, a Igreja deles”.
Mas a acolhida de Tobin à missa em 21 de maio foi o mais significativo entre os gestos de abertura para com esta comunidade, muito devido ao simbolismo de um cardeal em acolher um grupo de católicos gays – alguns dos quais estão casados com parceiros homoafetivos – para participar no Sacramento da Sagrada Comunhão no centro de uma catedral, sem lhes questionar.
Esta “peregrinação LGBT” foi organizada agentes pastorais que atuam com o público gay dentro da Igreja do Sagrado Coração, em South Plainfield, e pela Igreja do Preciosíssimo Sangue, em Monmouth Beach, ambas em Nova Jersey. A ideia surgiu num diálogo entre David Harvie, paroquiano de South Plainfield, e Francis Gargani, padre da região do Brooklyn que, como Tobin, pertence à Ordem dos Redentoristas, que levaram a proposta adiante.
Ainda que Tobin tenha se ausentado logo após saudar os que haviam comparecido à missa, citando um compromisso já marcado, oito padres a concelebraram com o Pe. Gargani. O grupo foi também recebido pelo reitor da catedral, Dom Manuel Cruz, que contou aos presentes que as portas da catedral sempre estiveram abertas a eles, “pois somos filhos de Deus e a nossa identidade é que todos nós pertencemos a ele”.
Muitos dos que participaram da atividade foram levados às lágrimas.
“Foi como um milagre”, disse Ed Poliandro, membro da Paróquia São Francisco Xavier, em Manhattan, e assistente social. “Foi um milagre ver o nosso bispo dizer: ‘Vocês são bem-vindos’. Depois de uma vida inteira de luta, eu senti que estamos em casa”.
O antecessor de Tobin em Newark, Dom John J. Myers, durante o período em que esteve à frente da diocese costumava enfatizar a imoralidade da homossexualidade, apoiando, por exemplo, o desligamento, em 2016, de uma diretora escolar em Paramus, Nova Jersey, após ela se casar com uma parceira lésbica. Portanto, a acolhida proporcionada por Tobin foi particularmente um gesto grandioso.
“Ele trouxe Francisco para nós”, disse Thomas M. Smith, de 66 anos, diácono que trabalha com a comunidade surda na catedral de Newark. “Esperei 25 anos por isso. Sou diácono na Igreja, então preciso ter cuidado. Eu tenho receio”.
Smith encheu os olhos de lágrimas ao lembrar como os pais morreram pensando que ele iria para o inferno caso encontrasse alguém para amar. “É incrível para mim”, disse.
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Cardeal acolhe gays em catedral em gesto “milagroso” segundo LGBTs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU