10 Junho 2017
“Frente à radicalização da via da interioridade, de um lado, e daquela da alteridade, do outro, eu acredito que a referência à graciosidade, cujo nome teológico é graça, possa constituir o ponto de encontro entre as outras duas vias. E sobre esse tema, Lutero tem muito a dizer, como tem muito a nos ensinar o decreto sobre a justificação do Concílio de Trento”, escreve Giuseppe Lorizio, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Lateranense, Roma, em artigo publicado por Avvenire, 04-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O título do meu artigo sobre o livro de Vannini é editorial, mas acho que expressa muito bem o conteúdo do meu pensamento a respeito. A réplica do ilustre estudioso da mística oferece-me a oportunidade para salientar a importância fundamental de um debate sobre a “essência do cristianismo”, que eu acredito tenha surgido por ocasião dos eventos catastróficos que levaram ao cisma e precisa retornar em nosso contexto de memória, superando o politicamente correto e o irenismo que facilmente podem ser alimentados sem um aprofundamento teológico adequado. Um debate como este deveria despertar novas discussões sobre um tema, sobre o qual se versou uma abundante literatura, de Ludwig Feuerbach a Adolf von Harnack e Romano Guardini.
Ao mesmo tempo em que me parece que ninguém possa negar o caráter imprescindível da via da interioridade, que é o nome da imanência, pela vivência e anúncio do Deus de Jesus Cristo mesmo hoje, radicalizar esta via em detrimento da alteridade e da graciosidade, significa depauperar a revelação judaico-cristã de duas das suas dimensões essenciais. Nem é possível simplistamente considerar a alteridade como sinônimo de "exterioridade", nem é possível identificar a interioridade com a egoidade. Por outro lado, uma interpretação, legítima, mas talvez parcial, do pensamento teológico de Lutero pela ótica da radicalização da alteridade (de Deus em relação ao homem, da graça em relação à natureza) não leva em conta o fato de que a dimensão da interioridade e, dentro dela, do "esvaziamento" e do "abandono", não é absolutamente alheia à espiritualidade e ao pensamento do reformador.
Sustento essa hermenêutica, por um lado, recorrendo ao Comentário sobre o Magnificat (1521), com a insistência na humildade de Maria da qual flui a sua total adesão à Palavra que a ela é dirigida, e por outro lado, enfatizando o interesse de Lutero nos confrontos da "mística esponsal", com especial referência a São Bernardo de Claraval. Claro que ele toma distância da mística renana e da teologia negativa do Pseudo-Dionísio, considerando tais representações excessivamente em dívida com o platonismo e a filosofia grega. O debate sobre a mística de Lutero ainda está muito vivo e seguimos com atenção e interesse seu curso. Como outra confirmação dessa interpretação, parece-me premente e significativa a exposição oferecida em seu tempo pelo pastor Renzo Bertalot do texto de Lutero sobre o Magnificat: ele "reportando-se ao grego, quer distinguir entre a verdadeira e a falsa humildade, entre o não valor e o não valer, entre Nichtigkeit e Demut. A humildade deve ser entendida como nulidade e não como virtude”. Não escapa a analogia com o sermão de Meister Eckhart, Beati pauperes, tão apreciado por Vannini, mas também por mim.
Quanto à alteridade (que é o nome da transcendência), não podemos esquecer que suas raízes estão na tradição judaica, como mostra a sua transposição filosófica no pensamento de Emmanuel Lévinas. Ela é um legado indispensável para a fé cristã, assim como para ela é imprescindível o nexo com o logos grego, como ensinou Bento XVI em Regensburg. Em todo caso, parece-me bem relevante a referência à dimensão factual e histórica da revelação, que de outra forma reduzir-se-ia a uma gnose.
A "positividade da religião cristã", como expressava o jovem Hegel, sofreu e sobreviveu aos reiterados ataques críticos daqueles que não compreenderam o seu sentido profundo e fecundo. Para não mencionar que na revelação é oferecido o meta-histórico, mas na história e não fora dela, porque em Cristo o Eterno acontece no tempo, o Infinito no finito, o Absoluto na contingência de nosso cotidiano. Frente à radicalização da via da interioridade, de um lado, e daquela da alteridade, do outro, eu acredito que a referência à graciosidade, cujo nome teológico é graça, possa constituir o ponto de encontro entre as outras duas vias. E sobre esse tema, Lutero tem muito a dizer, como tem muito a nos ensinar o decreto sobre a justificação do Concílio de Trento.
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A fecundidade de Lutero, inspirador de questionamentos. "Se o ponto de encontro se tornasse a graciosidade". Artigo de Giusppe Lorizio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU